Mundo moderno unipolar, escravista e larápio impede as nacionalidades

Exploração histórica das Américas e da China, o egoísmo colonial e as lutas de poder até os tempos modernos. Por Pedro Pinho.

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Escravos condenados às galés
Escravos condenados às galés (gravura Arquivo Nacional, domínio público)

“A nação é uma alma, um princípio espiritual. Duas coisas que, para dizer a verdade, são uma só, constituem esta alma, este princípio espiritual. Uma está no passado, a outra no presente. Uma delas é a posse conjunta do rico legado de memórias; o outro é o consentimento atual, o desejo de viver juntos, o desejo de continuar a afirmar a herança que recebemos de forma indivisível” (Ernest Renan, “Qu’est-ce qu’une nation?”, conferência na Sorbonne em 11/3/1882).

O mundo que surge na Europa pós-renascentista é o mundo moderno. Este se apropria das invenções chinesas – papel, imprensa, bússola, pólvora – e sai à conquista da África, conhecida desde sempre, berço da humanidade, e das terras ignotas, “por mares nunca dantes navegados”.

O interesse europeu era meramente egoísta, seja para assenhorear-se das riquezas naturais, poucas em seu continente, seja para conquista dos corpos e das almas, a escravidão.

Os europeus transformaram homens e mulheres africanos em produto de exportação, uma das páginas mais vergonhosas da História da Humanidade, nem mesmo respeitando sermos todos descendentes dos australopitecos etíopes.

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No extremo oriente, a China buscava se recuperar do período de dominação mongol, tanto do ponto de vista da economia monetária, quanto do ponto de vista de outras agressões externas – Japão e piratas de diversas etnias – além das inquietações políticas e morais, trazidas pela governança estrangeira e pela expansão budista.

Para este último desafio, surge o pensador neoconfuciano Wang Yang Ming (1472–1529): “O homem se entrega ao estudo por desejo de encontrar o ‘Caminho’. Se não o encontra nos livros, procura-o em sua mente”.

Renasce, também, neste período de nova autonomia (1550–1644), o espírito científico anterior às dominações. Destacam-se a astronomia, a música (escala dodecafônica), a medicina e a farmacopeia, e técnicas siderúrgicas, de produção de tintas e máquinas agrícolas e hidráulicas. São desta época a acupuntura e a cauterização. Na literatura, obras sobre geografia demonstram o conhecimento de terras estrangeiras.

Aparecem também, fruto do expansionismo europeu, por volta do século 16, os missionários jesuítas, que tiveram grande dificuldade de diálogo pelas diferentes concepções de mundo dos chineses e daqueles católicos europeus.


Europeus nas Américas

Diversos documentos relatam a chegada dos europeus às Américas e o genocídio e a rapina praticados, tanto narrados pelos povos americanos quanto pelos invasores europeus.

Tem-se, entre outros documentos, as cartas de Américo Vespúcio (1454–1512), o sofrido relato do dominicano Frei Bartolomé de Las Casas (1484–1566), as recuperadas escritas astecas, traduzidas do nauatle pelo antropólogo espanhol Georges Baudot (1935–2002), O Descobrimento do Brasil nos Textos de 1500 a 1571, organizados por José Manuel Garcia, para Fundação Calouste Gulbenkian, abril de 2000, em comemoração aos 500 anos do descobrimento, e, mais recentemente (2005), o livro do jornalista estadunidense Charles C. Mann, 1491 Novas revelações das Américas antes de Colombo (traduzidas para Editora Objetiva por Renato Aguiar, RJ, 2007), que detalham as consequências da presença europeia na América.

Nenhuma oportunidade para que se constituíssem no “Novo Mundo”, com características próprias, diversificados países, novas nações. O pensamento unipolar dos “descobridores/conquistadores” ainda seguia a tradição religiosa medieval, embora nem tão explícita.

Havia a ambição de poder entre os europeus, exacerbada desde a queda de Roma, parte introduzida pelos “bárbaros”, do norte e do leste do Império em desfazimento, e, igualmente, com a redução do homem a condição de instrumento de um Deus.

Criou-se então, ao longo dos cinco primeiros séculos da Era Cristã, o mito de seres que viviam em estado eterno e anistórico: o “Bom Selvagem”. A descoberta da América pareceu ser a revelação deste ser, como se encontra nos primeiros textos de Bartolomeu de Las Casas. Esta ficção foi de interesse do poder que discutiu se os selvagens americanos teriam ou não alma, mas permitiu sua escravização, uso e a destruição de cerca de 90% destes primitivos habitantes.

Filmes de Hollywood e de outras nações ocidentais, romances diversos, artigos na imprensa, até em livros escolares se encontrarão, como reais, os “Bons Selvagens”, ocultando as crueldades praticadas pelos europeus.

O texto de Ernest Renan que abre este artigo é a própria justificativa da ação do poder, à época o financeiro fundiário e comercial, que combatia a materialidade da cultura, não fosse Renan o católico que desenvolveu em sete volumes, entre 1863 e 1881, a História das Origens do Cristianismo.

Ao ver a ação do genocida Benjamin Netanyahu, no século 21, eliminando fisicamente o povo palestino, vem à mente o “Prefácio” de Renan ao último volume de sua História das Origens do Cristianismo: Marco Aurélio e o Fim do Mundo Antigo: “Antes de apresentar Jesus na cena dos fatos, dever-se-ia demonstrar como a religião de Israel, que originalmente não se avantajava aos cultos de Amon ou de Moab, se transformou na religião moral, e como a história religiosa do povo judaico representou progresso constante para o culto verdadeiro e espiritual”.

O cuidadoso leitor deve ter sempre a pergunta do direito romano, “cui bono?”, “a quem beneficia?”, pois nada do que é muito divulgado, ensinado, e permanece por gerações, o consegue sem que represente a razão do poder. Por que o mito do bom selvagem durou séculos e séculos?

Em 1834, George Bancroft (1800–1891), historiador e estadista estadunidense, escreveu ser a América do Norte, antes da chegada dos europeus, “um deserto improdutivo …. Seus únicos habitantes eram umas poucas tribos dispersas de bárbaros débeis, destituídos de comércio e de laços políticos” (G. Bancroft, History of the United State, from the Discovery of the American Continent, sete volumes, Boston, 1834–1876).

Foi este o mundo encontrado pelos europeus? Sem dúvida inexistiam sociedades igualitárias, porém o historiador uruguaio Enrique Peregalli, professor na Universidade de São Paulo (USP), afiança que o grau de exploração das populações trabalhadoras entre os astecas, maias e incas era muito inferior ao existente nas sociedades europeias (E.Peregalli, A América que os europeus encontraram, Campinas,1986).

Esta conclusão está muito mais de acordo com aqueles que constituíram os primeiros habitantes da América. Eram os chineses Zhou que migraram, seja pela ponte de gelo atravessando o estreito de Bhering, seja por navios, como pretende Charles Mann.

Em artigos anteriores sobre a questão das polaridades, já mencionamos os Zhou, como dos três primeiros grupos humanos a constituírem civilizações: a nilótica, os Egípcios, a mesopotâmica, os Sumérios, e a do extremo oriente, os Zhou.

Estes últimos também saíram da África, atravessaram o Oriente Médio, e, em vez de se dirigirem para o norte, cruzaram toda Ásia e cerca de 10 a 12 mil anos depois formam o núcleo populacional junto à foz do rio Amarelo e daí prosseguiram para a América.

Já não era simplesmente o homem coletor-caçador, mais já incluía o agricultor-pastor, com novos desafios e mais ampla compreensão das adversidades, quem atravessa a aridez da costa oeste estadunidense e se depara com terras férteis do planalto e as florestas tropical e temperada, nas áreas mais elevadas do México atual.

Ali se desenvolve a civilização olmeca, cujas cabeças esculpidas lembram as feições chinesas, e de onde sairão astecas e maias. Mais ao sul, na região dos Andes, na América do Sul, é constituída a civilização maia. Todas descendentes mais próximas ou remotas dos avançados Zhou.

O poder desde a descoberta da América até a dissolução da URSS

A exploração dos recursos americanos pelos europeus promoveu a riqueza e consequentes transformações na sociedade descobridora. E com este desenvolvimento novos recursos para produção primária de energia se disponibilizaram. Tem-se o uso dominante das energias fósseis: o carvão mineral e o petróleo, este nas formas líquidas (óleo) e gasosa (gás natural), oriundas dos mesmos reservatórios.

Podemos datar 1760, marco inicial da Revolução Industrial, como origem da Era das Energias Fósseis, até hoje prevalecentes. Em 2013, as energias fósseis representavam 87% do consumo energético mundial. Pela mesma fonte, a BP Statistical Review of World Energy, em 2021, correspondiam a 82%.

O ataque às energias fósseis pelo capitalismo financeiro se acentua na década de 1970, com as denominadas “crises do petróleo”. “Crise” tem sido a denominação das finanças para as alterações que desejam introduzir na sociedade e para apropriação dos recursos públicos pelas instituições financeiras.

Duas razões podemos apontar para guerra que as finanças travam contra as energias fósseis e o petróleo, em particular. Primeira pela mudança da sociedade que passou a ter na amplitude do consumo o referencial de progresso, e, como consequência, o controle da produção de petróleo, a mais importante fonte de energia que possibilitou esta alteração.

O petróleo, desde meados do século 19 (1859), produzido nos EUA, no Azerbaijão (Baku) e a partir do século 20 (1901), no Irã e no Oriente Médio, alterou significativamente a sociedade e introduziu no poder ocidental os industriais, os donos de empresas manufatureiras e de transporte, que o novo insumo energético, abundante e barato, possibilitava.

Entre os produtores de petróleo estavam os Rockefeller (Standard Oil Company), os irmãos Nobel, Willian d’Arcy, Henry Deterding (Royal Dutch Shell), Barão Julius Reuter, que dominavam a produção nos EUA, no Azerbaijão (Rússia), na Romênia e na Indonésia até o início do século 20.

O Dicionário Histórico da Indústria do Petróleo apresenta para cada 20 anos os países maiores produtores de petróleo (Marius S. Vassilion, Historical Dictionary of the Petroleum Industry, Scarecrow Press, New Jersey, 2009). No entanto comete um erro que se tornou comum neste mundo neoliberal financista, apropriar a produção dos folhelhos betuminosos como se oriunda de reservatórios de petróleo. Este erro, entre outros, levou as edições da BP Statistical Review, após a 70ª edição, a retirarem as informações sobre reservas de petróleo.

De acordo com o citado Dicionário, o século 20 inicia com os seguintes cinco grandes produtores:

  • 1901-1920: EUA, Rússia, México, Indonésia e Romênia;
  • 1921-1940: EUA, URSS, Venezuela, México e Irã; e
  • 1941-1969: EUA, Venezuela, URSS, Arábia Saudita e Irã.

Até 1920, os EUA eram autossuficientes na produção de petróleo. Porém, mais pelo desenvolvimento industrial do que pela falta de campos produtores, desde 1922 foram obrigados a importar petróleo da Venezuela, onde empresas estadunidenses operavam.

A entrada da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), a partir de 1918, mudou também o mercado internacional, como se observa nas décadas seguintes, pois o petróleo produzido pelos países pertencentes à URSS foi retirado do mercado internacional para uso nas industrializações nacionais.

A disputa EUA x URSS foi apenas a mais midiatizada, pois as finanças combatiam com intensidade a industrialização. Porém, nem sempre, EUA e URSS estiveram em lados opostos. A Conferência de Bandung, entre 18 e 24 de abril de 1955, congregando 29 países asiáticos e africanos na Indonésia para construírem um novo poder, o “Terceiro Mundo”, resultou no assassinato de suas lideranças (Sukarno, Nasser, Sihanouk) ou nas destituições por golpes de estado, patrocinados pelos EUA (CIA) e pela URSS (KGB).

Em 1991, com as desregulações financeiras da década de 1980, a imposição do “Consenso de Washington” (1989), como a Bíblia da gestão dos países, e o fim da URSS, as finanças assumem a unipolaridade. Tem-se, a partir de então, o mundo neoliberal das finanças apátridas, onde não faltam os capitais marginais, das drogas, contrabandos e crimes.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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