Nacional-trabalhismo: a perspectiva histórica – fase pós-moderna

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Leonel-Brizola (foto: Ana Nascimento/ABr)
Leonel Brizola (foto: Ana Nascimento/ABr)

A bipolaridade da Guerra Fria entre os EUA (capitalista) e a URSS (socialista) tinha na América do Sul, em especial o Brasil, a ameaça de uma terceira via que era representada pelo trabalhismo.

O receio de Washington, que financiou, infiltrou e apoiou o golpe civil-militar de 1964, não era de o Brasil se transformar em uma nova Cuba, mas de os trabalhistas conduzirem o país e se edificar como uma nova China do século 21.

O golpe foi contra o nacional-trabalhismo, uma vez que a postura altiva e de independência soberana afrontava os interesses estadunidense e nossa classe dominante com características de um pensamento colonizado e subserviente.

Usurpados de seu destino de conduzir o país à prosperidade enquanto nação livre e soberana, de um Estado garantidor de direitos e desenvolvimentista, o trabalhismo amargou as maiores perdas no período ditatorial. Assassinados, torturados, cassados, marginalizados e vilipendiados resistiram com inúmeras baixas nesta guerra insana de subjugar um povo aos interesses imperialistas.

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Dentre as baixas mais significativas está o presidente deposto João Goulart, que morreria no exílio em circunstâncias suspeitas; embora oficialmente diagnosticado enfarte, mas com receios de envenenamento que o tempo não foi capaz de esclarecer.

O trabalhismo revolucionário varguista – que por meio de sua Carta-Testamento passara o bastão da história ao seu herdeiro João Goulart – tinha agora, com o falecimento do ex-presidente, seu mais legítimo guardião: Leonel Brizola, que assumiu a responsabilidade de reconduzir seus companheiros espalhados no mundo a retornarem a sua pátria e reagrupar os trabalhistas em um novo projeto de reconstrução nacional, sem perder os princípios que conduziram esta corrente política e transformaram o Brasil e o século 20.

Com a abertura, lenta, gradual e segura as articulações para o retorno dos exilados e a reorganização dos trabalhistas ganha apoio do Partido Socialista Português, em especial, de seu grande líder, Mario Soares.

Em Lisboa, entre os dias 15 e 17 de junho de 1979, ocorreu o Encontro dos Trabalhistas do Brasil com os Trabalhistas no Exílio. Renascia ali o trabalhismo, com seus princípios inalterados, mais moderno e como prioridade das prioridades o regresso ao Brasil e a recuperação do PTB, retomando assim o fio da História.

Evidentemente que os golpistas não admitiriam a retomada e muito menos a unidade dos trabalhadores. Golbery do Couto e Silva, um dos mais astutos golpistas, agiu para tirar a sigla do trabalhista Leonel Brizola, como também contribuiu para a divisão dos trabalhadores com outro partido, na época, o Partido dos Trabalhadores (PT).

Revés este que deu ensejo à criação do Partido Democrático Trabalhista (PDT). Com a herança varguista e o tripé petebista, mas que também apresentava uma modernidade inovadora refletida nos sete compromissos vitais na sua criação:

1º) as crianças e jovens de nosso país. Assistir desde o ventre materno, alimentar, escolarizar, acolher e educar todas as crianças no nosso país, com igualdade de oportunidade para todos e como medida de emergência assegurará, gratuitamente, a todas as crianças, até dois anos de idade, um litro de leite diário;

2º) os trabalhadores, muito especialmente das grandes maiorias populares que, em todas as regiões brasileiras, vivem em diversos níveis de pobreza, de marginalidade, ocupando áreas improdutivas ou sendo cruelmente explorados em benefício de setores privilegiados. O caráter eminentemente popular se define a partir de suas raízes e de uma atitude de inconformidade ante a miséria, a fome e o marginalismo de dezenas de milhões de brasileiros;

3º) a mulher, contra a sua discriminação, propugnando por sua efetiva participação em todas as áreas de decisão, pela definição de seus direitos sociais, no emprego ou no lar, pela igualdade de remuneração e de oportunidades, de educação e formação profissional, acentuando a necessidade de que o país disponha, cada vez mais amplamente, de serviços de infraestrutura que venham aliviar a mulher, submetida, em uma alta percentagem, a duas jornadas de trabalho, a do lar e a do emprego;

4º) as populações negras como parte fundamental da luta pela democracia, pela justiça social e a verdadeira unidade nacional e o combate à discriminação social em todos os campos, em especial no da educação e da cultura e nas relações sociais e de trabalho. A democracia e a justiça só se realizarão, plenamente, quando forem erradicados de nossa sociedade todos os preconceitos raciais e forem abertas amplas oportunidades de acesso a todos, independentemente da cor e da situação de pobreza;

5º) a defesa das populações indígenas contra o processo de extermínio físico, social e cultural a que têm sido submetidas ao longo de nossa história. Lutar em defesa das populações indígenas, por direitos à autodeterminação como minoria nacional e à preservação de suas culturas, assim como ao uso dos recursos naturais necessários a sua sobrevivência e desenvolvimento;

6º) a natureza brasileira, contra a poluição e a deterioração do meio ambiente resultante de uma exploração predatória, que ameaça destruir a base biológica de nossa existência, degradando cada vez mais a qualidade de vida do povo brasileiro; e

7º) a recuperação para o povo brasileiro de todas as concessões feitas a grupos e interesses estrangeiros, lesivas ao nosso patrimônio, à economia nacional e atentatória a nossa própria soberania.

As artimanhas políticas, como a rejeição da Emenda Dante de Oliveira, a aprovação dos cinco anos de mandato para José Sarney, ou a eleição de 1989, onde Brizola era o favorito, e não foi para o segundo turno por pouca diferença de Lula, impediram Brizola de ser presidente da República.

Entretanto, como governador do Rio de Janeiro, por duas vezes, revolucionou com os Centros Integrados de Educação Pública (Cieps) e com uma gestão voltada aos direitos humanos e ao desenvolvimento do Estado, com exemplos que perduram até hoje.

Contemporaneamente, o nacional-trabalhismo, com 90 anos de serviços prestados à nação brasileira, vive sua fase pós-moderna na mesma fonte principiológica que o germinou com os fundamentos de soberania nacional, direitos sociais e desenvolvimento esculpidos no Projeto Nacional de Desenvolvimento apresentado pelo PDT.

A corrente política, que nascera revolucionária em 1930 com Getúlio Vargas, transcendera para sua institucionalização com a criação do PTB, em 1945, transbordara-se na corrente política da Legalidade em 1961 com Leonel Brizola, tornara-se reformista com Jango, sofrera o golpe e fora para resistência e para exílio, em 1964, renasceu na modernidade sob a liderança de Leonel Brizola, em 26 de maio de 1980, e se apresenta contemporaneamente como uma corrente de pensamento pós-moderna com o PDT.

 

Henrique Matthiesen é formado em Direito e pós-graduado em Sociologia.

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