Nacional-trabalhismo: fundamentos

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Denomina-se nacional-trabalhismo a corrente política brasileira iniciada pela Revolução de 1930 e praticada durante a chamada Era Vargas. Nela estão contidas as diretrizes do processo de construção e libertação nacional erigido nesse período.

Como seu nome sugere, o nacional-trabalhismo é, em sua essência, nacionalista e trabalhista ao mesmo tempo. Nação e Trabalho são dimensões interdependentes e inseparáveis.

Nacionalista, pois parte do princípio de que apenas pelo enquadramento no âmbito da nação são possíveis a cidadania e o desenvolvimento, fatores fundamentais para a emancipação do povo brasileiro. A política, a economia e a cultura, em seu sentido mais profundo, ocorrem nos marcos da nação e sobre a base física do seu respectivo território, não no vácuo das abstrações universalistas ou no imediatismo bairrista dos locais e das regiões. Deste modo, sem soberania nacional, o país alija-se da referência fundante para a sua existência.

Justamente por ser nacionalista, o nacional-trabalhismo também é internacionalista, no sentido verdadeiro do termo, pois projeta a visão de uma solidariedade entre nações (internacional), oposta a todo imperialismo e ao hegemonismo no plano mundial. Da mesma forma que procura resguardar a soberania do Brasil, não ofende a de nenhum outro país e procura estabelecer, com todos, relações mutuamente benéficas.

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Trabalhista, no sentido de que entende o trabalho como elemento central de cooperação social e de progresso coletivo. Nessa concepção, o trabalho não é apenas um aspecto econômico, um “fator de produção”, mas uma característica ontológica do ser nacional, um meio de solidariedade e de integração no qual os esforços e as aptidões de todos podem ser conjugados em níveis técnicos e morais progressivos.

Não diz respeito, assim, a uma classe apenas, mas a todo o país, pois apenas pelo trabalho cada pessoa pode encontrar seu lugar na sociedade. O trabalho nacional, portanto, deve ser protegido e aperfeiçoado para que se torne o esteio da cidadania e o motor do desenvolvimento.

O trabalho, nessa concepção, não é antagônico ao capital, mas o seu duplo e a sua condição de legitimidade. Sem trabalho, não há capital, pois a riqueza emana da ação coletiva sobre o meio. Da mesma forma, apenas o capital produtivo, que mobiliza trabalho e o direciona para atividades essenciais e superiores do ponto de vista nacional, pode compor a organização nacional almejada.

O trabalho, na perspectiva nacional-trabalhista, opõe-se, mais precisamente, à usura, isto é, à apropriação parasitária das riquezas produzidas por outrem. O trabalho constitui, então, a aliança entre as classes industriosas e fecundas – que, independente de serem ou não proprietárias, são sempre nacionais por encontrarem apenas na nação o ambiente concreto para a sua prosperidade – contra as classes argentárias e especuladoras, por definição apátridas, pois o dinheiro em si, como mero valor de troca à parte das relações sociais concretas da nação, sempre tende ao cosmopolitismo.

Dessa forma, o nacional-trabalhismo diferencia-se essencialmente das três principais ideologias ocidentais do século XX: o liberalismo, o marxismo e o fascismo. Não constitui uma síntese ou um meio-termo de quaisquer dessas ideologias, mas uma modalidade distinta de organização coletiva. Não se pode, enfim, compreender adequadamente o nacional-trabalhismo tomando como referência qualquer uma dessas ideologias.

Enquanto o liberalismo encontra seu eixo político e moral no individuo, o marxismo na classe trabalhadora e o fascismo na raça, todos os três partindo de concepções universais e portadoras de um “destino manifesto” em nível mundial, para o nacional-trabalhismo o eixo político e moral são a nação e o trabalho brasileiros, em sua singularidade histórica, sem qualquer pretensão de expansionismo que não seja dentro das amplas e suficientes fronteiras brasílicas. Alheio a qualquer teoria universalista, fundamenta-se, pois, na substancialidade do Brasil.

A dessemelhança reflete-se nas respectivas concepções de sociedade. O liberalismo, o marxismo e o fascismo partem do conflito como pressuposto básico da sociabilidade: o liberalismo propugna a guerra entre os indivíduos, chamando-a de competição; o marxismo, a luta de classes; o fascismo, a luta de raças. O nacional-trabalhismo, por sua vez, propõe a harmonia e a coesão sociais no âmbito da nação, pois entende os diferentes grupos sociais não como antagonistas mas como parceiros de uma mesma comunidade de destino.

Para o nacional-trabalhismo, o ser humano é um ser social e nacional, inserido em uma totalidade pátria maior que a soma das partes que a constituem, e, ao mesmo tempo, esse todo só é saudável e forte na medida em que as partes o sejam.

Essa harmonia, contudo, não é natural nem espontânea, mas politicamente construída e assegurada. É resultado da direção patriótica do Estado nacional, entendido como cérebro da sociedade e como a organização da nação na forma de poder. Não há, assim, antagonismo entre Estado e sociedade, pois o Estado, conquanto o seja, é a representação política da sociedade, responsável por coordenar e dirigir as atividades coletivas no sentido de encaminhar a nação para níveis materiais e existenciais autênticos e superiores.

Nessa compreensão, o nacional-trabalhismo advoga uma concepção soberanista e socializada do desenvolvimento, em íntima relação com o aprofundamento da cidadania. O único desenvolvimento possível é o soberano e autônomo, isto é, o que se fundamenta nos recursos próprios da nação para elevar a capacidade criadora do trabalho nacional, melhorar o padrão material de vida de toda a população, integrar as diferentes regiões em um mesmo mercado interno dinâmico e ampliar o horizonte de possibilidades dos brasileiros, independente da sua classe de origem.

O desenvolvimento nacional-trabalhista concorre para a ampliação do sentido da cidadania, ao permitir, em paralelo às liberdades civis e políticas, o compartilhamento das riquezas entre os diferentes grupos sociais, indispensável para aumentar a procura interna e sustentar endogenamente a produção nacional.

A liderança e a mediação estatais, asseguradoras e articuladoras das condições financeiras e infraestruturais para a iniciativa empresarial, de um lado, e dos direitos trabalhistas e sociais, de outro, são fundamentais para a efetividade do regime de liberdade social propiciado pelo desenvolvimento soberano e a serviço da cidadania.

Evidentemente, o nacional-trabalhismo não é utópico e sabe que a luta é a condição permanente da política. Porém, não entende o conflito como um valor em si próprio, mas como uma circunstância intermediária para alcançar resultados políticos maiores e unificadores da nação.

O caráter realista e não utópico do nacional-trabalhismo manifesta-se no fato de ser uma corrente política formulada não por intelectuais de gabinete, entregues a projetos platônicos e cerebrinos, mas por homens e mulheres profundamente envolvidos nas tarefas práticas da política e nas grandes questões nacionais em voga.

Personalidades como José Bonifácio de Andrada e Silva, Raimundo Teixeira Mendes, Alberto Torres, Oliveira Vianna, Alberto Pasqualini, além, claro, da liderança de Getúlio Vargas e do gênio Darcy Ribeiro foram os principais formuladores e executores do nacional-trabalhismo. Este legado, ao mesmo tempo prático e teórico delimita o nacional-trabalhismo como ideário de emancipação nacional brasileira e a serviço de todos os brasileiros.

Felipe Quintas

Doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.

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