Nacional-trabalhismo: mudanças trazidas pelo avanço neoliberal

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Dólar
Dólar (Foto: divulgação)

Em 1945, Adolfo Berle, embaixador estadunidense que participou do golpe em Getúlio Vargas, afirmava ter o objetivo de combater o nacionalismo em todos os países, excluindo obviamente os Estados Unidos da América – EUA (Jorge Ferreira, O imaginário trabalhista, Civilização Brasileira, RJ, 2005).

Ao liberar US$1 bilhão para a criação de rede universitária de âmbito mundial, o trilionário especulador George Soros disse que o nacionalismo é o principal inimigo da sociedade aberta.

“Nem mesmo o internacionalismo proletário, condensado na fórmula ‘Trabalhadores de todo o mundo, uni-vos!’, o assusta; antes o estimula por justificar certa disposição antinacional. Ele não hesita em classificar a China de Xi Jinping como o país que mais o incomoda, pois o socialismo chinês, em vantagem na disputa tecnológica com os EUA e a Europa, é francamente nacionalista: é o ‘socialismo com características chinesas’. De fato, como veremos, é o nacionalismo que mais impõe barreiras ao projeto político de dominação bancado por Soros’, escreveu Felipe Quintas no blog Bonifácio (Felipe Maruf Quintas, “O fundo bilionário de George Soros aposta contra a centralidade da questão nacional”, 31/1/2020).

Poderíamos enumerar outras posturas antinacionais, inclusive excluindo a questão nacional dos debates políticos, por agentes da banca no Brasil e em explícitas manifestações no exterior.

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O capitalismo industrial foi vencido pelo capitalismo rentista. Os Estados nacionais, mesmo aqueles que se construíram como grandes impérios, os Estados Unidos da América (EUA), o Reino Unido, o Japão, foram tomados pelos gestores de ativos, fundos de capitais de origem desconhecida, onde tudo nos leva a supor que representem também o resultado de atividades ilícitas, escondidos em paraísos fiscais.

Podemos estabelecer que o Principado de Mônaco foi o primeiro paraíso fiscal, quando, em 1858, Charles III autorizou o funcionamento do Grand Cassino de Monte Carlo e, no ano seguinte, aboliu qualquer tributação sobre a renda, atraindo milionários europeus, estadunidenses, do mundo inteiro para “apostar” em Mônaco.

Lembram os caros leitores que os gestores econômicos do Governo Fernando Henrique Cardoso usavam a palavra “aposta” para se referirem a suas decisões e perspectivas. Era o espírito da banca que moldava seu vocabulário. No capitalismo financeiro não há produção, há especulação; é o dinheiro produzindo dinheiro, e quem não tem dinheiro?

Na primeira metade do século XX, o medo da guerra e as legislações permissivas tornaram a Suíça, seguida pelo Liechtenstein e por Luxemburgo, paraísos fiscais, concentrando na Europa os quatro Estados onde o capital ficava anônimo e seus rendimentos não tributados. Em 1934, além da proteção civil, a Suíça incorporou a proteção penal, garantindo mais amplamente o sigilo. E este “sigilo bancário” começa a se espalhar: Líbano, Bahamas, Uruguai, territórios britânicos ultramarinos etc.

A falta de reação dos governos nacionais, também motivos ideológicos (expansão liberal ou neoliberal), além de interesses políticos e econômicos internos de vários países ajudaram ao estabelecimento destes paraísos fiscais. A Receita Federal do Brasil descrimina 68 paraísos fiscais e 14 países com “regimes fiscais privilegiados” (Instrução Normativa RFB 1.037, de 4/6/2010 e adendos).

“Londres tem um papel determinante na expansão da economia offshore. Mesmo após perder seu Império, depois da segunda guerra mundial, a City manteve uma forte influência na economia capitalista. Centro do Império Britânico, Londres havia desenvolvido, desde o século XIX, um forte sistema bancário, com base nos capitais oriundos da industrialização e do comércio com o resto do Império e outros Estados. Apesar do fim do Império Britânico, a City de Londres, em uma atuação conjunta com as ilhas do Canal da Mancha, conseguiu se manter como o principal centro financeiro mundial” (Ronaldo Silva Mascarenhas, Paraísos Fiscais, Evasão Fiscal e o Sistema de Governança Global: Respostas à Crise Financeira, dissertação para Mestrado, UFBa, Salvador, 2018).

O que é o liberalismo, o neoliberalismo? Uma ideologia que coloca o individual acima do bem comum, dos Estados, representativos das nações, e da humanidade. Assim, o liberal é contra o Estado Nacional, que vela indistintamente por todos os habitantes, e pelo conjunto dos Estados, foros para harmonia e ajuda recíproca, e pela proteção ambiental.

Deste liberalismo que surgem as guerras de conquista, de expansão sobre riquezas alheias, além de epidemias que são instrumentos de ganho e de poder, mas que são, igualmente, fontes de extermínio humano e da natureza.

A granada no bolso dos funcionários públicos, conforme se expressou o superministro Paulo Guedes, da Economia, ou a devastação florestal, a boiada do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, não foram artifícios de retórica, mas a confissão da ideologia liberal que prevalece integralmente nas práticas e discursos do governo atual no Brasil.

Mas o liberalismo/neoliberalismo vai muito além. Nenhuma doutrina ou pensamento político e econômico poderia permanecer se estivesse explícita sua intenção assassina, seu propósito de reduzir populações de seres humanos, sem ressalvas. Vejam, caros leitores, a unanimidade da rejeição ao nazismo e a teorias de supremacia racial.

Então ele se camufla; o liberalismo se vê obrigado a se ocultar, vestir máscaras, fantasiar-se. E o mais irônico e repelente é que se traveste com pensamentos da liberdade, da democracia, da igualdade. Nestas ignóbeis transfigurações deixa a marcar desfigurada da competitividade, entre diferentes que jamais poderiam concorrer em mesmas condições, ou nos empreendedorismos que nada mais são do que novas formas de escravidão, como os ubers.

A globalização e a ideologia liberal retiram do Estado Nacional suas características básicas: a soberania e a cidadania. E criam uma nova linguagem onde as mais usuais ações desta “economia offshore” – que não apenas foge dos controles como hostiliza os Estados – os subornos, as intimidações, as conspirações, os golpes, a corrupção generalizada, dos bolsos e das mentes, são usadas para agredir os nacionalistas, os trabalhistas e quem mais se interponha a seu processo demolidor/homogeneizador.

A análise da sociedade pós desregulações dos anos 1980 deve centrar-se na análise do poder, daquele que efetivamente detém o controle das ações desenvolvidas em toda parte, no interior das nações e nas relações internacionais. Escreveu, em 1971, o genial brasileiro, professor Darcy Ribeiro (O Dilema da América Latina, Editora Vozes, Petrópolis, 1978):

“O conceito do poder se refere ao exercício do mando por parte de autoridades acatadas (poderio), em comunidades previamente estruturadas como o quadro dentro do qual uma população vive seu destino (Nação). Nesta acepção, o poder político é a capacidade de uns se sobreporem aos outros, através do desempenho de cargos em sistema hierarquizados de gestão burocrática (patriciado), ou mediante a apropriação de bens pelo exercício da exploração econômica (patronato). Também o conceito de poder se refere ao corpo de instituições e normas jurídicas que regulam e sancionam o sistema político, econômico, militar, ideológico (ordenação), fixando e garantindo direitos, deveres e competência de seus membros (legalidade) dentro de uma formação socioeconômica específica, estabelecendo possibilidades distintas de acesso e fruição de bens e regalias em sociedades desigualitárias (privilégio) e de exercício legal de autoridade (legitimidade), através de um aparato político-administrativo (burocracia) que coordena, articula e dirige todo o sistema social sob a regência de um corpo supremo de tomada de decisões (Estado), encarnado por um corpo de hierarcas (governo).”

Vivemos sob o domínio da banca, do capital estéril, das especulações que sugam os recursos dos impostos para cobrir suas mal sucedidas apostas. Assim, o poderio, o patronato, encontra-se fora do quadro nacional. Ele é efetivamente o capital apátrida. O capital que busca na uniformidade das burocracias em todo mundo, muito mais do que a facilidade de domínio, a redução dos custos locais. Como um formulário universal para passagem pelas alfândegas, independente de idiomas e estruturas jurídicas e administrativas.

O capital que transforma todos os recursos, sejam dos lucros da fabricação e do comércio, ganhos com os serviços, receitas dos alugueis, dos salários, dos tributos, em ganhos financeiros. E estes ganhos financeiros estarão sempre e cada vez mais concentrados.

Hoje esta concentração se dá em empresas gestoras de fundos, denominadas “gestoras de ativos”, que controlam individualmente trilhões de dólares, e buscam por especulações, golpes de estado, guerras, campanhas de desinformação, doutrinações ideológicas, serem cada vez mais ricas e menos numerosas. Ao tempo dos documentos fundadores do nacional trabalhismo, estas gestoras de ativos ainda não existiam; também o número dos paraísos fiscais era muito menor.

De acordo com a IPE Investment & Pensions Europe, assim se ordenavam os gestores de ativos, com mais de um trilhão de euros em 2018, confrontados com o ano anterior. Valores em trilhões de euros (1,000).

Gestor

2018

2017

1. BlackRock

5,315

4,884

2. Vanguard

4,090

3,727

3. State Street

2,316

2,340

4. Fidelity

2,003

2,129

5. BNY Mellon

1,585

1,518

6. Capital Group

1,504

1,401

7. J.P. Morgan

1,471

1 479

8. PIMCO

1,462

1,406

9. Amundi

1,426

1,082

Observa-se facilmente que uns gestores crescem bastantes, outros reduzem seu patrimônio; em poucos anos teremos, com toda certeza, relações bem diferentes. Relação pouco anterior àquela aqui apresentada incluía, por exemplo, a gestora Charles Schwab e a europeia Allianz, entre esta dúzia privilegiada. Hoje estão respectivamente no 53º e no 30º lugar, com menos de 500 bilhões de euros.

A luta nacionalista, como fica evidente, ganha enorme relevância diante da presença nefasta destes capitais financeiros, apenas especulativos e de rapina, que não trarão produção nem tecnologia, mas que retirarão do Brasil o máximo de bens e de capitais nacionais. Mecanismos adotados pelo Banco Central e autoridades fazendárias, desde 1990, vêm promovendo, por diversos procedimentos e diversificadas maneiras, evasões de recursos inclusive por transferências tributárias, empobrecendo o Brasil.

 

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

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