Conversamos sobre a guerra comercial em curso com Adair Roberto Carneiro, presidente da Federação das Câmaras de Comércio Exterior.
Qual a sua avaliação sobre a guerra comercial em curso?
Esta guerra pegou todo mundo de surpresa, já que a aposta da nova administração do presidente Trump é promover um reordenamento do acordo vigente, que começou em Bretton Woods e que formou as estruturas financeiras utilizadas pela economia mundial. Aqui, cabe destacar que, em 1971, o presidente Nixon tirou a conversibilidade do dólar em ouro para o comércio, o que fez com que ele se estabelecesse como moeda por si mesmo, mas sem que tivesse um lastro que financiasse a sua credibilidade, e que hoje os Estados Unidos e a sociedade americana possuem endividamentos em torno de US$ 36 trilhões e de US$ 32 trilhões cada, respectivamente, o que é muito difícil de ser administrado.
O problema é que fazer esse reordenamento na velocidade em que se pretende é um desastre. Isso criou uma grande instabilidade e apreensão, já que é muito difícil prever o que vai acontecer, pois o presidente Trump ora pensa de um jeito, ora não acredita mais que aquilo funcione, retira as sanções e uma semana depois volta com as sanções. Essa instabilidade faz com que seja muito difícil avaliar o que está acontecendo com alguma concepção de realidade.
Não havia outro caminho para resolver essas questões?
Eu acredito que sim. A globalização é um projeto americano, e a liderança do mundo ainda pertence aos Estados Unidos. Todas as partes deveriam se sentar na mesa para conversar. Inclusive, eu estou sugerindo à presidente Dilma (atual presidente do Banco dos Brics e ex-presidente do Brasil) para que ela convide os representantes americanos que todos possam se sentar e conversar. As lideranças mais importantes do cenário global precisam conversar para refazer toda a estrutura do acordo de Bretton Woods.
O reordenamento das finanças internacionais deveria ser feito através de conversas, e não de tarifas que acabam voltando na forma de inflação. Os Estados Unidos precisam estar atentos, pois os países podem se acomodar a esse cenário global e se afastar da liderança americana. É difícil fazer alguma previsão, mas não vejo como os Estados Unidos podem ter êxito no que estão fazendo.
Existe diferença de trativa do primeiro mandato do presidente Trump para o segundo?
Existe, mas não muito, tanto que na primeira administração Trump já houve taxação de mercados e uma guerra comercial com a China. O problema é que a dificuldade dos Estados Unidos está no seu endividamento, que é impagável no atual cenário. Em conversas com banqueiros asiáticos, eu cheguei a propor que fosse feito um alongamento do perfil do endividamento global, onde seriam pagos apenas os juros por 2, 3 anos, para que depois se retomasse o pagamento dos valores dos principais, o que daria um fôlego.
A dívida americana se tornou tão complicada que pode haver uma crise ainda maior no horizonte. Isso porque as tarifas não vão resolver esse problema e sim agravá-lo.
Qual a sua avaliação sobre a condução do governo brasileiro?
A atuação do governo brasileiro tem me surpreendido, pois estamos reagindo com se deve reagir: com calma, consciência, sem emoção, de forma muito preparada e avaliando toda a situação. O governo realmente está de parabéns pela forma como está conduzindo essa crise. Por mais que tudo possa mudar de repente, o governo brasileiro pode, inclusive, atuar como mediador nesse conflito.
Como a nossa balança comercial com os Estados Unidos é favorável aos americanos, isso fez com que não fôssemos tão atingidos como a Europa, a China e outros países asiáticos. O governo brasileiro está atento, mas não há muito o que ser feito, pois o Brasil representa apenas 1,5% do mercado global, não sendo um grande player.
Como o Brasil pode ser afetado pela guerra comercial?
O Brasil já está sendo afetado. Como a guerra comercial implica em flutuação da moeda, quando o dólar dispara, independente de ser contra ou a favor, isso tem impacto nos preços dentro do Brasil, o que pode gerar inflação. Nenhum país está imune à tarifação dos americanos, pois todos estão atrelados, de alguma forma, aos mercados. Por exemplo, veja o que aconteceu no mercado financeiro dos Estados, que perdeu US$ 3 trilhões em um dia, muito mais do que foi perdido na pandemia ou na crise de 2008, que até hoje tem um certa ressonância. Nós sempre seremos atingidos de alguma forma, seja pela flutuação da moeda, seja pela inflação.
Podem surgir oportunidades para o Brasil?
Podem, mas essas oportunidades podem ser fake de certa forma. Como o Brasil foi taxado em 10%, enquanto a China, por exemplo, foi taxada em 145%, com alguns produtos sendo taxados em 25%, isso pode fazer com que o país ocupe o espaço de países que antes vendiam para os Estados Unidos. O problema é que com esse processo de coloca tarifa, tira tarifa, coloca tarifa novamente, nada nos garante que em alguns meses a tarifa dos produtos brasileiros não saia de 10% para 25% ou 35%, conforme o humor da administração Trump. Até o momento, a tarifa de 10% dos produtos brasileiros é saudável, mas ela pode se tornar prejudicial.
Qual tem sido a percepção das câmaras de comércio sobre os atuais acontecimentos?
Pânico. Todos estão nervosos e extremamente voláteis, já que ninguém sabe o que pode acontecer. A Federação representa 64 câmaras de 64 países diferentes, e todos estão apreensivos, pois é preciso de regras para que se faça o planejamento do comércio exterior, sendo que a tributação que está sendo criada pelos Estados Unidos está gerando uma profunda insegurança. Com isso, as câmaras não sabem o que fazer e como atuar.
Por exemplo, existem empresas europeias que produzem no Brasil. As câmaras dos seus países estão defendendo que essas subsidiárias aumentem suas produções no Brasil para evitar a tributação, mas, como disse, em alguns meses a tarifa brasileira pode piorar.
Como está tudo interligado, não se desativa uma estrutura de economia globalizada do dia para a noite, como está sendo feito. Isso está fazendo com que o pânico seja total no sentido do que fazer, pois se não há regras, como pode existir planejamento? E se não há planejamento, o investimento cai, e a economia estagna, sendo que a economia americana pode entrar em recessão.