‘Não há superdimensionamento das eleições municipais, mas maior visibilidade’

Segundo Publio Madruga, as mídias não estão sabendo lidar com as redes sociais.

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Conversamos com Publio Madruga, chair da América Latina da Edelman Global Advisory, sobre as eleições municipais de 2024.

Existe relação das eleições municipais de um estado com a sua eleição estadual, mas existe relação das eleições municipais com a eleição presidencial?

Existe relação, pois o voto está na cidade. O cidadão mora no município, vive a sua realidade e são os prefeitos que possuem maior ascensão sobre esse eleitor. Mais do que isso, as eleições municipais são um termômetro de como os políticos estão, para onde eles precisam ir e com quem eles têm que se aliar à frente. É como se fosse uma grande pesquisa eleitoral de aprovação ou desaprovação no meio do mandato.

As eleições municipais não são uma prévia, mas elas mostram um quadro do que está sendo montado para daqui a dois anos, e não só para a eleição presidencial. Na Câmara e no Senado, as duas casas estão de recesso branco há três semanas. Houve um esforço concentrado nesta semana para algumas matérias, mas a próxima sessão está programada para o dia 9 de setembro. Ou seja, nós vamos ter duas semanas de trabalho até as eleições. Há uma forte mobilização dentro dos poderes para os candidatos que estão disputando as eleições municipais, pois são eles que vão viabilizar os candidatos de 2026.

Além disso, devido à fase muito polarizada que estamos passando em torno de dois nomes muito específicos, essas eleições podem trazer possíveis candidatos dependendo da forma como eles se saiam. Por exemplo, se o Alexandre Ramagem tiver uma vitória avassaladora no Rio de Janeiro, ele passa a ser um possível candidato à presidência? Não há como saber.

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Contudo, o principal das eleições municipais é o aumento da capilaridade, a avaliação de quem são os nomes fortes e com quem você tem que se aliar, e como será montado o quebra-cabeça para 2026.

Não está havendo um superdimensionamento das eleições municipais? Eu faço essa pergunta, pois tenho a percepção de que até 2012, as eleições municipais eram tratadas de uma forma diferente, mas que nas eleições desse ano, devido ao apoio do presidente Lula, que havia deixado a presidência um pouco antes, ao Fernando Haddad em São Paulo, passou a haver um superdimensionamento das eleições municipais.

Na minha opinião, não, mas talvez eu esteja sendo enviesado porque em Brasília nós não votamos para prefeito, mas apenas para governador. As eleições municipais sempre foram importantes, mas a partir de um certo momento, e talvez você esteja certo com relação a 2012, pois é um momento interessante para se analisar isso, as eleições municipais passaram a ter uma maior visibilidade, mas não um superdimensionamento.

Analisando, especificamente, a eleição para a Prefeitura de São Paulo em 2012, ela chama tanto a atenção porque o Haddad era nada. Ele foi alçado e eleito com a força do Lula. Para a reeleição, ele já perdeu no primeiro turno. Como te disse, ali você teve um termômetro de força, pois a transformação de uma pessoa, sem trajetória política, no prefeito da maior cidade do país, foi importante e teve impacto. Além do controle do maior colégio eleitoral do país, você tem uma cobertura midiática muito grande, pois o que acontece em São Paulo repercute no Brasil inteiro.

Trazer um outsider para ser prefeito traz muita visibilidade, mas o que preocupa mais para agora, é que a polarização colocou as disputas municipais como se fossem uma etapa do jogo. Quem ganha? Lula ou Bolsonaro? Nós não tínhamos isso antes.

Outro ponto é que nos últimos anos nós tivemos muitas mudanças nas regras de coligações que tentam trazer um pouco mais de identidade para os candidatos. Como antigamente as coligações eram livres, você votava para vereador no fulano de um partido, mas elegia o sicrano de outro. Hoje, isso não acontece mais, pois nas eleições proporcionais você não tem mais essas coligações. Com isso, talvez não seja tão interessante ter essas coligações também para prefeito. Esse distanciamento cria uma identidade maior e traz um pouco mais de ligação.

Por exemplo, recentemente o Bolsonaro fez uma live dizendo que não apoiaria quem fosse filiado ao PT.  Quando ele diz isso, ele cria uma divisão e uma forma um pouco mais objetiva para que se classifique, efetivamente, um ganhador e um perdedor, o que faz com que essas eleições comecem a ter mais interesse. A pessoa que antes se interessava apenas por São Paulo, passa a se interessar pelas eleições nas capitais e nas cidades mais importantes para saber quem ganhou e perdeu de fato, pois a narrativa é muito mais interessante.

Nos últimos anos, mal acaba uma eleição e já se está discutindo a próxima. Qual a sua avaliação sobre esse quadro?

Isso é consequência de alguns processos. Há um maior interesse da população por conta da polarização, mesmo que ela tenha ultrapassado demais a questão política em si. A polarização virou uma ideologia, um meio de vida das pessoas que a utilizam para julgar as outras. Além disso, nós estamos caminhando para uma americanização da nossa política, baseada em uma radicalização para não se mostrar fraco. Por exemplo, se um influencer, que trata de política, fala alguma coisa mais centrada, ele vai ser acusado pelo seu lado de estar acabando com o seu próprio lado. Ontem, ele era adorado, mas hoje passou a ser odiado porque fez o seu trabalho.

Há meio que uma esquizofrenia para que as pessoas se encaixem em caixas, sem que as variáveis sejam levadas em consideração. Esse processo é, completamente, traduzido dentro da política, pois é ela que dá esse resultado. As pessoas começaram a buscar informações, que hoje estão mais prontas, para dar sustentação às narrativas. Se você pensar bem, você precisa de uma eleição para dar sustentação à narrativa, ao mesmo tempo em que tem que buscar tudo sobre as eleições, pois se você perder em um lado, você tem que arrumar um jeito de contrapor do outro, do tipo “perdi aqui, mas ganhei ali, que era muito mais importante”.

Todo esse processo sempre buscou a reeleição, tanto que é um lugar-comum dizer que medidas impopulares têm que ser feitas no primeiro ano, pois no ano seguinte já tem eleição. O ponto é que estamos em um processo que talvez nem se tenha mais o primeiro ano para se tomar medidas impopulares.

A política é muito cruel. Isso porque sempre vai haver alguém querendo o seu lugar. Se o político morre, outro assume a sua posição. Não existe vácuo, pois há uma pessoa na sua linha sucessória o tempo inteiro. Isso faz com que os políticos estejam sempre sob pressão, sob esse processo, sob essa sombra. Se o político perde uma eleição, ele olha para a próxima oportunidade. Eles não olham para hoje, e sim para a frente. O problema é que isso foi potencializado demais por conta da polarização que foi importada dos Estados Unidos.

O prazo para registro das candidaturas foi até o dia 15/8, sendo que a propaganda eleitoral começou nesta sexta (16). Antes disso, muitos debates já foram feitos pela mídia e passaram a reverberar nas redes sociais. A mídia critica o atual quadro, mas quando ela faz isso, ela não acaba incentivando tudo o que está acontecendo?

Hoje, nós temos uma realidade de pressa, e a mídia cria uma relevância para ela quando discute esse assunto. O que nós não estamos sabendo lidar é com as redes sociais. Se não houvesse os cortes, quem teria visto os debates que já foram feitos? Será que quando o Pablo Marçal mostrou a carteira de trabalho para o Guilherme Boulos, esse momento teria tido impacto se não fosse o corte? Eu acho que não.

Isso faz com que o cachorro corra atrás do rabo. Nós temos uma mídia que não conseguiu entender a relevância da internet, mas que ao mesmo tempo se coloca na posição de ser usada pela internet para ter as visualizações que quer. 

Dependendo da forma como ele for nessa eleição, eu acredito que o Pablo Marçal é a pessoa que vai nos dar o gostinho do que é o futuro. Isso porque ele é muito rico, possui um alcance absurdo na internet e tem milhões de seguidores. De longe, ele é o mais conhecido dos candidatos a prefeito. Tem gente que gosta dele, que odeia ele, mas todo mundo viu e se divertiu com a questão da carteira de trabalho. Isso foi fantástico, mas se o Boulos não tivesse tido a reação de pegar a carteira, talvez não tivesse tido repercussão. O Marçal tem preparo para fazer as coisas viralizarem, pois ele vive disso 100% do seu tempo.

Ele vai ser eleito? Não sei. Ele é a pessoa mais preparada? Acho que não. Você vê que os debates possuem, minimamente, uma cortesia até nos xingamentos, mas ele não tem o mínimo traço de civilidade para participar deles. Ele mudou esse processo. Se ele for eleito prefeito de São Paulo, ele será candidato a presidente em 2026?

A minha opinião é puramente opinativa, mas hoje ele é, disparado, a pessoa com mais alcance e com condições de convencer alguém de qualquer coisa, pois nas suas redes sociais, ele fala sozinho. Quem viu o corte da carteira, vai entrar no site do Estadão para ver a contextualização desse momento? Acho muito difícil.

Dependendo do que vai acontecer com o Pablo Marçal, quantos youtubers e influencers nós vamos ter em 2026?  Diante do Pablo Marçal, os demais candidatos são mais comedidos. Ele não está preocupado com o que está acontecendo no debate, mas com os cortes que ele vai fazer e as visualizações que ele vai ter. É por isso que ele cria cortes 100% do tempo. Isso é um método. Vai dar certo? Não sei, mas ele já tem uma intenção de voto significativa. 

O aventureiro quer fazer corte, mas o corte é perigoso. Nós estamos em um processo em que a mídia, em geral, não sabe reagir e usa desse processo para se tornar relevante. Como tem corte, a mídia deixa, pois o corte vai levar para o seu link, o que vai fazer com que ela monetize no seu processo engessado.

Eu achava que isso ia acontecer antes, mas não aconteceu. O posicionamento do Marçal está dando muita visibilidade para esse processo. Se ele conseguir alguma coisa, eu acredito que podemos ter uma mudança relevante em termos de processo eleitoral e de lideranças que vão disputar os cargos nas próximas eleições.

Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à nossa entrevista?

Nós estamos tendo dificuldades para entendermos esse processo, porque estamos apostando em um processo do século 20 em pleno século 21. Em uma eleição, você convence alguém a te dar uma procuração para representá-lo. Para fazer isso, é preciso falar e alcançar alguém. O problema é que a nossa estrutura eleitoral ainda está olhando para as formas antigas de se fazer isso, pois não conseguiu ver e mensurar o poder das redes sociais, e como isso deve ser olhado e regulado de fato.

O caminho é termos regras para o processo. Outro caminho é não termos regras, mas para isso é preciso acabar com todas elas, pois não faz sentido haver regras para televisão e rádio, mas não haver regras para as redes sociais. Nós temos um mundo novo atropelando o mundo antigo, e nós não estamos entendendo como nos adaptarmos a ele. Na minha opinião, esse processo não tem volta.

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