Nas mãos de Celso de Mello

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O decano do Supremo Tribunal Federal, ministro Celso de Mello, é um magistrado austero, muito bem preparado e que goza de reputação inabalável entre seus pares, parlamentares, políticos e a sociedade brasileira. Com elegância e profundo saber jurídico, o ministro sempre pautou seus atos com extraordinária desenvoltura, amparado nos textos da Constituição Federal e nos códigos nacionais, além do bom senso, equilíbrio e rara lucidez.

Brevemente, essa figura exemplar se aposentará, por completar 75 anos. Relevantes serviços vem prestando à nação brasileira, dignificando à magistratura. E é justamente esse juiz com grande envergadura moral que poderá mudar os rumos do país, caso permita a divulgação na íntegra do vídeo arrebatador da reunião ministerial, ocorrida, no Planalto, no dia 22 de abril. Essa peça é a maior prova de que o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, narrou com exatidão os fatos ocorridos, quando pediu sua demissão do cargo, dois dias após essa reunião.

Celso de Mello deu um prazo de 48 horas para o ex-ministro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e a Advocacia-Geral da União opinarem sobre a possibilidade de a gravação se tornar pública em todo o seu conteúdo.

Naturalmente, os aliados do presidente Bolsonaro agora, depois de terem tentado impedir que o vídeo fosse visto, só querem que a parte em que são tratados os assuntos trazidos à tona por Moro sejam liberados. Essa preocupação do mandatário brasileiro se justifica, uma vez que, com a sua descompostura habitual e pouca educação, ele gritou, esbravejou, xingou, falou meia dúzia de palavrões, além de humilhar publicamente o então ministro Moro. Bolsonaro chegou ao cúmulo de dizer que “impediria que fudessem com a sua família”, dentre outras barbaridades já vazadas e, assim, conhecidas pela sociedade.

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Os investigadores avaliam que o material ouvido é simplesmente “devastador” para Bolsonaro e entendem que a gravação confirma cabalmente as acusações do ex-ministro Moro, que atribui e continua a atribuir ao presidente tentativa de interferência na corporação da Polícia Federal, o que levou à abertura do inquérito no Supremo Tribunal Federal.

O vídeo é, na realidade, de interesse público, e a sociedade não pode ser privada de conhecer o seu conteúdo.

Como disse o jornalista Fernando Gabeira, trata-se de um documento histórico da vida nacional e que precisa, por sua importância, ser publicado no todo. E por se tratar de uma reunião oficial do Governo, a divulgação integral do seu conteúdo caracterizará verdadeira lição cívica, permitindo o escrutínio de seu teor não só neste Inquérito Policial, mas, igualmente, por toda a sociedade

Segundo relatos de quem assistiu ao vídeo, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, disse, na reunião, que “todos tinham que ir para a cadeia, começando pelos filhos da puta dos ministros do STF”, e que a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, defendeu a prisão de governadores e prefeitos. Vivemos de fato momentos de grande perplexidade. Isso tudo ocorre em uma reunião ministerial!

Diante das repercussões negativas dessa reunião, que teve também momentos de extraordinária aberração quando o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, por exemplo, culpou a China pelo coronavírus, Bolsonaro afirmou, na última quarta-feira, que não fará mais reuniões de Conselho de Governo com a participação de todos os ministros. Agora, os encontros, segundo ele, serão restritos. A cúpula de titulares de pastas e o presidente se reunirão a cada 15 dias.

Eu decidi: não teremos mais reunião de ministros. Vou ter, uma vez por mês, uma reunião de ministros de manhã, com o hasteamento da bandeira nacional, um café e liberar. O resto vou tratar individualmente com cada ministro. Para evitar esse tipo de problema”. Mais um gesto fascista de alguém que se encontra perdido e isolado, quase naufragando pelas sucessivas crises que cria todos os dias, e que resumidamente não quer que as reuniões sejam gravadas. Censura absurda. Nojenta.

Nos últimos dias, Bolsonaro tem repetido que, durante a reunião ministerial, não mencionou as palavras “Polícia Federal” nem “superintendência”. Apenas tratou da segurança de sua família no Rio de Janeiro. A proteção do presidente e de seus familiares é sabidamente da competência do Gabinete de Segurança Institucional, chefiado pelo general Augusto Heleno. Porém, na reunião, segundo pessoas que assistiram ao vídeo, o chefe do Executivo se dirigiu a Moro ao fazer as cobranças. Na realidade, o vídeo escancara a preocupação do presidente com um eventual cerco da Polícia Federal a seus filhos, e nele Bolsonaro justifica a necessidade de trocar o superintendente da corporação no Rio de Janeiro à defesa de seus próprios filhos alegando que sua família estaria sendo “perseguida”.

O ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, contrariando Bolsonaro, confirmou, em depoimento no inquérito, que o presidente citou nominalmente a Polícia Federal ao cobrar acesso a relatórios de inteligência de órgãos do governo. Heleno, ao depor, afirmou que Bolsonaro falou sobre mudança na chefia da PF no Rio ao tratar da segurança de sua família no estado. Os miliares caem em contradição, pois ambos estiveram nesse furdunço. Já o ministro-chefe da Casa Civil, Braga Neto, disse, em seu depoimento, que Bolsonaro apenas chamou a atenção de todos os seus ministros.

Para integrantes da Procuradoria-Geral da República que estiveram presentes à exibição do vídeo, ficou claro que “existem manifestações potencialmente ofensivas realizadas por alguns ministros presentes ao ato e que, se tornadas públicas, podem gerar constrangimento”.

Ainda que existam tais manifestações, essa circunstância não é suficiente para salvaguardar o sigilo de declarações que se constituem em ato próprio da Administração Pública, inclusive por não ter sido levado a efeito em ambiente privado.

E depois de 61 dias, finalmente os brasileiros conheceram os laudos dos exames atribuídos ao presidente Bolsonaro para detectar o novo coronavírus. Dois deles foram realizados pelo Laboratório Sabin; o terceiro, pela Fiocruz. Os documentos com os exames, enviados pela Advocacia-Geral da União, foram suficientes para que o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, desse ontem por encerrado esse assunto.

A divulgação dos três resultados negativos, contudo, não encerra a questão. Juristas criticam duas características da documentação. Primeiro, o uso de pseudônimos para identificar Bolsonaro. Embora o Airton e o Rafael nos laudos do Sabin estejam associados ao CPF do presidente, a validade jurídica do documento é discutível, já que a associação do CPF e RG a outro nome pode configurar falsidade ideológica. Mais uma! O laudo da Fiocruz é ainda mais estranho. Bolsonaro é identificado apenas como “Paciente 05”, identidade que poderia ser de qualquer um.

É difícil, depois da decisão de Lewandowski, que o caso gere ainda mais embate na Justiça. Permanece, ainda assim, a questão que intriga os brasileiros desde que a Fox News informou que Bolsonaro testara positivo. Por que não divulgar logo os laudos, se é essa a praxe? Por que demorar até receber ordem da mais alta Corte do país para dirimir uma dúvida tão trivial?

A chance de três testes terem dado um resultado errado é ínfima, mas fica a pergunta se essa pessoa é mesmo Bolsonaro. Essa é uma dúvida que provavelmente jamais será esclarecida, sobretudo pela atitude inexplicável de se recusar a apresentar os laudos durante dois meses e só aceitar fazê-lo sob ordem do STF.

Diante desastroso momento da política nacional, e com 30 pedidos de impeachment na Câmara dos Deputados, com uma sociedade perplexa, fica a pergunta: por qual motivo o pedido de afastamento ainda não foi aberto pelo presidente Rodrigo Maia? E até quando vamos aguentar o “líder supremo” agindo com desvarios todos os dias?

Espera-se que o ministro Celso de Mello, do alto da sua experiência jurídica e maturidade, se decida pela publicação do vídeo, para que o Brasil possa conhecer o seu conteúdo e o eleitor, ao final, tire suas conclusões sobre o capitão que passou a ocupar o cargo de presidente da República.

Espera-se, também, que procurador-geral da República, Aras, que foi nomeado fora da lista tríplice por Bolsonaro, preste um bom serviço à Nação e que não fique seduzido por eventuais promessas de vir a ocupar uma cadeira no STF e que, por essa razão, sucumba aos desejos espúrios de Bolsonaro e peça o arquivamento desse importante inquérito.

Paulo Alonso

Jornalista.

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