No cenário jurídico trabalhista, a recente decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no processo RR – 116-23.2015.5.09.0513 traz à tona importantes reflexões sobre a negociação coletiva e a prevalência do negociado sobre o legislado. O julgado (ainda que turmário), respaldado pela aplicação do Tema 1046 de Repercussão Geral (ARE 1121633) pelo Supremo Tribunal Federal (STF), fortalece a segurança jurídica nas relações contratuais, especialmente no contexto dos contratos de trabalho.
A decisão coloca em cheque o princípio da intangibilidade salarial, pelo qual, em regra, qualquer desconto ao salário seria ilegal – com as tradicionais ressalvas decorrentes de expressa previsão legal, dos adiantamentos e, justamente, dos instituídos por norma coletiva.
Neste giro, a jurisprudência dominante entendia pela inexistência de previsão legal para a permissão do desconto de saldo negativo do banco de horas; havendo previsão apenas para o pagamento ou compensação das horas consideradas positivas (extras).
Entretanto, havendo o STF consolidado no Tema 1046 citado, a flexibilização de direitos disponíveis – como seria a hipótese discutida – estamos vendo um novo cenário se abrindo, facultando sim o desconto das horas negativas quando autorizado por negociação coletiva.
A valorização da negociação coletiva, reforçada com a introdução dos artigos 611-A e B na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), representa um avanço significativo para ambas as partes envolvidas nas relações de trabalho. Ao permitir que direitos disponíveis sejam pactuados coletivamente, mesmo que de forma restritiva, essa abordagem promove a autonomia das partes e a flexibilização das relações laborais, alinhando-se com as demandas da moderna dinâmica empresarial.
Um aspecto relevante discutido nesse contexto é a prática do desconto de horas negativas, que tem sido objeto de debates e controvérsias. A justificativa para essa prática reside na busca pelo equilíbrio entre a jornada suplementar e as ausências injustificadas. Por meio do sistema de banco de horas, as horas não trabalhadas são lançadas a débito, enquanto as horas extras são remuneradas ou compensadas com folgas, conforme estabelecido seja por acordo individual (para compensação semestral), seja por norma coletiva (para compensação anual).
Para empresas e trabalhadores, compreender as implicações legais do desconto de salário por horas negativas é crucial. É fundamental respeitar todas as regras do regime de compensação, formalizando-as de maneira clara e transparente no instrumento que o instituir, seja acordo individual ou coletivo. Ademais, o respeito ao pagamento mínimo mensal e o limite estabelecido na CLT para descontos em verbas rescisórias são aspectos que devem ser observados com rigor.
Devemos ter em mente que os regimes de compensação (e não de pagamento) das horas extras são exceção e somente reputados válidos quando atendem sua tipicidade legal de forma estrita, ou seja, aprovados por negociação individual ou coletiva, não podendo sofrer interpretação extensiva.
O debate sobre a prevalência do negociado sobre o legislado e a prática do desconto de horas negativas reflete a busca por um equilíbrio entre os direitos e deveres trabalhistas. A valorização da negociação coletiva e a flexibilização das relações de trabalho são elementos essenciais para a modernização do ambiente laboral, promovendo a produtividade e o bem-estar dos trabalhadores em sintonia com as necessidades do mercado atual.
Ana Gabriela Burlamaqui, sócia do escritório A. C. Burlamaqui Consultores. Graduada em Direito pela PUC-RJ em 1994. Especialista em prevenção e administração de riscos trabalhistas (IBMEC). Foi Diretora da Associação Carioca de Advogados Trabalhistas entre 2009 e 2015. Membro da 1ª. Câmara Especializada OAB/RJ desde 2019. Conselheira Efetiva OAB/RJ a partir de 2022.