Vive-se, no século 21, caso raro no pensamento social: a ideologia que não oculta sua falta de ética, não esconde sua desonestidade.
No passado ocorreram falsidades ideológicas, comuns à esquerda e à direita. Eram casos específicos e causavam repúdio em seu próprio meio, mais conservador ou mais revolucionário. Hoje há divulgação dos ilícitos, como se fossem a esperteza, a sagacidade neoliberal.
Esta situação envolve a religião, especialmente a neopentecostal, as mídias digitais, virtuais, e a transformação da educação fundamental em instrumento de exclusão social.
Embora a economia seja o objetivo, ela não se apresenta como meta principal, mesmo estando o poder atual com a economia financeira, que resulta na concentração de renda e na ausência da produção para a acumulação de riqueza.
Já existe literatura abundante, em particular em teses de pós-graduação universitária, que disseca partes deste conjunto, examinando principalmente as relativas ao processo de comunicação social e às questões de retrocesso econômico-social.
Abraham Moles (1920-1992) inicia seu Sociodinânica da Cultura (1967) com a seguinte Advertência: “Este livro é sobre cultura em sua forma cotidiana imediata. Propõe, ao mesmo tempo, uma tese, de que existem mecanismos socioculturais, e uma síntese, a tentativa de reunir os diferentes aspectos que contribuem para seu estudo ou para manipulação desses mecanismos” (tradução livre).
É o próprio Moles quem chama atenção para a antiguidade da noção de cultura: “Presente num dicionário alemão de 1793”, e de quanto a estatística contribuiu para os “fatos culturais”. “Medidas e formas são os dois polos da dialética de apreensão do mundo e se nos tornam necessários”. E declara adotar o método cibernético para percorrer os caminhos da sociodinâmica da cultura.
A cultura nada salva, nem ninguém. Mas é um produto do homem: ele reconhece-se nela: só este espelho crítico lhe oferece a sua imagem
J-P Sartre
Destacamos duas vertentes desta questão cultural ou dos “fatos culturais”, a comunicação e a energia, para as considerações deste artigo.
A comunicação
Muniz Sodré de Araújo Cabral (1942), intelectual baiano, autor de numerosa obra sobre comunicação, professor na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ/ECO), escreveu: “Às alienações de ordem econômica, sexual, política, linguística se junta agora a alienação da expressão dialogal. A imprensa vem assegurar a transmissão de informações sobre a vida cotidiana, mas amplia, também, em novas formas, a centralização do poder e o disciplinamento do cidadão” (O Monopólio da Fala, 1977).
Mais recentemente, Muniz Sodré, na Apresentação de Antropológica do Espelho (2002), explicita o Espelho: “Metáfora para o novo ordenamento artificial do mundo e suas resultantes em termos de poder, identidade, mentalidade e conduta”.
Vejamos Arnold Gehlen (1904-1976), controvertido intelectual da Escola de Leipzig, em cuja obra principal afirma que o homem é “um ser-que-age porque é um ser não-especializado e carece, assim, de um meio ambiente adaptado por natureza. A essência da natureza, por ele transformada em algo útil para a vida, se chama ‘cultura’, o mundo cultural é o mundo humano” (Der Mensch, seine Natur und seine Stellung in der Welt, 1940). Em suas reflexões sobre a “alma na era da técnica”, afirma que “cada vez menos pessoas agem na base da orientação pessoal e de valores interiorizados” (Die Seele im technischen Zeitalter, 1957).
Por quê? Porque a “atmosfera econômica, política e social se tornou difícil de entender intelectualmente e de cumprir moralmente, e porque muda a passo acelerado”. György Lukács (1885-1971), importante intelectual marxista-leninista, reconheceu a importância de Arnold Gehlen que é muito citado em seus últimos trabalhos.
Voltemos a Muniz Sodré na Antropológica do Espelho. Trazendo o extermínio em campos de concentração, escreve: “As vítimas pagavam pela passagem de trem que as levava à morte (tarifa excursão porque viajavam em grupo). Em contrapartida, a administração ferroviária, evidenciando a correção técnica do sistema, iniciava processos de reembolso financeiro, já que não havia viagem de volta. Funcionalidade, moeda, formalismo jurídico e moralidade gerencial substituem eficientemente o que se poderia chamar de consciência ética”. E questiona o professor de comunicação: “Sob o poder sem medida da tecnologia (entendida como racionalidade instrumental) e do mercado, cujo discurso social costuma coincidir com o do marketing, seria essa consciência ainda hoje possível?” ou citando Sergio Zyman, executivo, diretor de marketing da Coca Cola Company: “O único objetivo do marketing é fazer com que mais pessoas comprem mais produtos, mais vezes, por mais dinheiro” (O fim do marketing como nós conhecemos, 1999).
A energia
Steve Keen (1959), economista, professor e político australiano, desconstrói a teoria neoliberal no recente L’imposture économique (2014).
Nesta obra ele demonstra, inicialmente, que seria necessário sermos dotados de poder computacional infinito. Num segundo eixo, traz a ausência de reflexão teórica sobre a moeda, banco e geração de moeda. No terceiro, trata dos produtos financeiros e derivativos, para concluir com a questão institucional da regulação e controle, ou seja, das autonomias concedidas ao mercado.
Agrega, do historiador econômico canadense Gilles Dostaler (1946-2011), a crítica da simples descrição do desemprego, do ciclo vicioso da pobreza, das desigualdades, sem conseguir analisar suas origens, desequilíbrios e a crise de valores.
Finalmente coloca o lema da Associação Francesa de Economia Política (AFEP), fundada em 2010, questionando: “Para que servem os economistas se têm todos as mesmas ideias?”
Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.) na “Política” já separava a economia doméstica da economia do Estado e este pensador que, 2300 anos depois de sua morte, continua sendo a mais influente reflexão do mundo ocidental, enfatizava a moral, porque “o fim último do Estado é a virtude, isto é, a formação moral dos cidadãos e o conjunto dos meios necessários para isso”.
No oriente, Confúcio (551 a.C.-479 a.C.) resumia no caminho – tao – a busca do conhecimento que leva à verdade e na virtude – te – que habita em cada um, o sentido moral da existência, o destino do homem.
A energia move o mundo, e dentre as fontes primárias de energia o petróleo se destaca, não como produtor de energia, que talvez seja seu uso menos nobre, mas como insumo importantíssimo da obtenção de produtos indispensáveis à sociedade contemporânea, como os petroquímicos e fertilizantes.
O que faz o poder neoliberal para dominar este produto de maior custo-benefício? O desconstrói. E com as farsas da transição energética.
Que transição é essa que retrocede ao passado, ao vento e ao Sol? A República Popular da China (China) também faz sua transição energética, mas para o mundo termonuclear, na expressão do gênio Darcy Ribeiro. Recentes informações nos dão contam que avança a fusão nuclear, a revista Galileu (5/1/2022) publica:
Enquanto isso a Petrobrás, que sofre o desmonte como empresa de petróleo, anuncia:
Também quem se aproveita da fragmentação da Petrobrás:
Profissionais, reunidos pela Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo), produziram, em 2022, o livro denúncia A Petrobrás Fatiada: Prejuízo para a Engenharia e Soberania Nacional, organizado por Patrícia Laier, Francisco Gonçalves e Souza e Orildo de Lima e Silva, com artigos que dissecam as farsas da comunicação de massa e as decisões contrárias ao interesse nacional adotadas pela Direção da Petrobrás, como a “Petrobrás Falida” e o “Preço de Paridade de Importação – PPI”, respectivamente.
Unem-se as falácias da comunicação com as inúmeras incorreções sobre o petróleo para propaganda dos interesses rentistas, dos capitais apátridas, e para defesa do poder neoliberal.
Retiramos do citado livro produzido pela Febrageo o seguinte trecho do geólogo Marco Antônio Pinheiro Machado sob o título “Pré-sal: maldição ou redenção?”:
A exemplo de uma típica “república de banana”, as tentativas de abolir a desigualdade social e obter um crescimento sustentável consolidado foram mais uma vez abortadas pela hegemonia das oligarquias (as tais elites do atraso) se aproveitando da ignorância de um pobre povo, e a melhor amostra da contradição é o caso do atual preço dos combustíveis: equivalente ao valor internacional. Afinal, tem cabimento uma empresa estatal extrair do seu próprio terreno em reais (a um custo baixíssimo, diga-se de passagem, quase equivalente aos do Golfo Pérsico) e vender ao preço de importação. Pois bem, ainda há tempo de fugir desta maldição. Basta retomar a BR Distribuidora, retomar as refinarias e malhas de dutos de gás vendidos a preço de banana, em outras palavras, voltar a verticalizar o processo do “poço ao posto” em toda sua plenitude e ficarmos definitivamente imunes às oscilações políticas do preço Brent. A descoberta do pré-sal foi mais um “cavalo encilhado” que passou na história do Brasil e para entender a sua importância nada melhor do que informar aos cidadãos e cidadãs comuns, como ele se formou e como a Petrobrás chegou até ele. Conhecimento é, sobretudo, soberania.
Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra (ESG) e consultor das Nações Unidas (UN/DTCD).