No direito autoral vale “quase” tudo, até remake

Os remakes de novelas reacendem a nostalgia, mas exigem autorização legal: os direitos autorais por trás dessas adaptações. Por Carol Bassin.

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Carolina Bassin

O Brasil é um país que se destaca no cenário de produção audiovisual como um dos maiores criadores, produtores e exportadores de telenovelas. Também pudera! Com essa imensa gama de talentos artísticos e um povo que ama uma boa trama, somos, no melhor sentido da palavra, “noveleiros assumidos”, com muito orgulho!

E, se o assunto é uma boa novela, imaginem como anda o coração brasileiro com a expectativa de revivermos um dos enredos mais icônicos da teledramaturgia nacional. “Vale Tudo”, novela original de 1988, escrita em parceria por Gilberto Braga, Aguinaldo Silva e Leonor Bassères, será exibida novamente na TV Globo em uma nova versão assinada por Manuela Dias.

O projeto faz parte de uma sequência de “remakes” que vêm sendo produzidos pela TV Globo, como a recente exibição de uma versão adaptada de “Renascer”, novela original criada por Benedito Ruy Barbosa em 1993, e a exibição, em 2022, de “Pantanal”, por Bruno Luperi, baseada na obra original também escrita por Benedito Ruy Barbosa e exibida em 1990 na Rede Manchete.

Mas, afinal, do ponto de vista autoral, o que significa juridicamente o “remake”? Sua criação está vinculada à obra original e depende de alguma autorização prévia para sua produção?

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O “remake” nada mais é que uma obra derivada, conceituada legalmente como “aquela que, constituindo criação intelectual nova, resulta da transformação da obra originária”. Nessa definição, encontram-se dois aspectos essenciais para a identificação de uma obra derivada: a clara utilização de uma obra anterior e originária como base para a criação e a adição de elementos criativos e originais que diferenciem a obra derivada de uma simples reprodução ou imitação.

Embora seja considerada uma criação nova, a relação de uma obra derivada com sua respectiva obra originária é inegável. A nova obra não existiria sem a anterior, que lhe serve de base. E é justamente por conta dessa relação que há o entendimento jurídico pacificado de que o autor da obra derivada precisará de autorização prévia do titular do direito autoral sobre a obra originária caso deseje criar uma nova versão, adaptar ou ainda desenvolver uma nova obra a partir de algum recorte ou personagem da obra original.

Estaríamos, portanto, diante de variadas possibilidades e formas de derivação. Podemos citar os chamados “spin-offs”, que constituem obras derivadas de um aspecto, recorte ou personagem específico da obra originária, tendo como exemplo clássico a série “Better Call Saul”, um spin-off da aclamada “Breaking Bad”, criada por Vince Gilligan, que foca na trajetória de um de seus personagens, o advogado Saul Goodman. Também há os “prequels”, conhecidos como prequelas ou prelúdios, que narram histórias anteriores à da obra originária. Um exemplo recente é a série “House of the Dragon”, que conta a história da grande guerra conhecida como a “Dança dos Dragões”, ocorrida 200 anos antes dos acontecimentos narrados na série de grande sucesso “Game of Thrones”. Esta, por sua vez, já é uma obra derivada da adaptação para o audiovisual dos livros A Song of Ice and Fire, de George R.R. Martin. Por fim, temos os “sequels”, também chamados de sequências, dos quais há inúmeros exemplos, como as icônicas continuações de Minha Mãe é uma Peça, do inesquecível Paulo Gustavo.

Voltando aos casos de remakes de novelas, via de regra, o escopo central da trama originária é mantido, e novos elementos criativos são incluídos, conferindo à nova obra uma identidade própria e mais atualizada. Esse grau de adaptação e modificação varia caso a caso, podendo ser sutil ou bastante notável. Em algumas circunstâncias, a depender das alterações realizadas, pode gerar certa revolta nos fãs mais ardorosos e fiéis ao original.

Ao recriar histórias pretéritas marcantes com referências atuais, a arte do audiovisual cria uma ponte entre gerações e prova um ponto: em toda promessa de sucesso, há um risco. Isso é semelhante ao que ocorre na produção de live-actions de filmes clássicos da Disney, por exemplo. Se, por um lado, o amor dos fãs originais impulsiona a divulgação, por outro, esse mesmo amor julga qualquer alteração que minimamente macule a boa lembrança que o público tem desse marco de suas infâncias.

Estaria a Globo apostando com risco em nossa nostalgia para alavancar sua audiência?

Com tantas alternativas concorrentes de consumo de conteúdo, especialmente nas plataformas de streaming e na própria internet e redes sociais, a emissora parece estar investindo suas fichas em uma verdade inexorável: clássicos nunca morrem.

Carol Bassin, sócia fundadora do escritório Bassin Advocacia Cultural, especializado em Propriedade Intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ

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