(Francisco Antônio Soeltl, presidente da MicroPower)
A reunião da cúpula da União Européia prevista para esta semana, dias 21 e 22, em Sevilha, será mais um marco no entendimento do correto significado da globalização incompleta. A pauta principal é o controle das fronteiras contra os chamados “ilegais”, bandeira política da expansão das forças políticas mais conservadoras na Europa.
– Globalizar marcas, como as de hambúrgueres, refrigerantes e pneus, e a percepção de mundo a elas associada, pode. Também pode globalizar bens, sobretudo os de maior valor agregado, como os produzidos no hemisfério norte, forçando-se para isso a redução das barreiras alfandegárias nos países mais pobres sob o argumento de que assim serão mais competitivos. Globalização financeira também pode, senão como viabilizar os ganhos com as transações de bens e sobretudo os ganhos especulativos de boa parte dos investimentos externos diretos que pressionam para cima as taxas de juros?
– Duas coisas não podem ser globalizadas, no entanto. Uma é o comércio de produtos primários ou semi-industrializados, mais presentes nas oportunidades de exportação dos países do hemisfério sul, obstados pelos gigantescos subsídios oferecidos aos produtores norte-americanos e europeus. Outra impossibilidade de globalização imposta pelo Primeiro Mundo é a do trabalho.
– Estão sendo implantadas medidas na Europa como a de proibição de casamento com estrangeiro para menores de 24 anos (Dinamarca), exigência de tomada de impressões digitais de imigrantes (Itália e Espanha) e ritos de ingresso através de aeroportos ou fronteiras análogos aos dispensados aos terroristas. Empresas que operam nesses e outros países têm um papel importante na construção da cidadania em um mundo cada vez mais caracterizado pela globalização incompleta.
– Procedimentos defensáveis que impliquem em transferência de recursos, como o correto faturamento de exportações (sem subfaturá-las) e de importações (sem superfaturá-las), tomada de recursos e pagamento de juros a empresas do mesmo grupo ou não, remessas de lucros, comercialização apenas de produtos autorizados na sede, bem como testes sem o uso de animais, transferência de tecnologia adequada e justo pagamento de royalties e assistência técnica, dentre outros, devem fazer parte obrigatória dos itens de verificação do comércio com justiça feito por empresas-cidadãs.
– Além, é claro, de tratar os imigrantes e os trabalhadores dos países periféricos como os dos países centrais no que se refere à remuneração, à jornada de trabalho, às práticas disciplinares, ao combate à discriminação de sexo, raça ou nacionalidade, à liberdade de associação e aos direitos coletivos, à segurança e saúde do trabalho, ao combate ao trabalho infantil e ao trabalho forçado, ao oferecimento de benefícios, à valorização da diversidade e à promoção do trabalho dos portadores de necessidades especiais com a correspondente adequação do ambiente profissional.
QUALIDADE DE EMPRESA-CIDADÃ
Criada em São Caetano (SP), em 1994, com três colaboradores, a MicroPower conta hoje com 34 profissionais, dos quais três são portadores de deficiência visual. Especializada em softwares educacionais, a empresa desenvolve há quatro anos o Virtual Vision, que permite ao portador de deficiência editar textos, fazer planilhas e navegar pela Internet.
A MicroPower é parceira do Bradesco no desenvolvimento do Projeto Bradesco Net para Deficientes Visuais, distribuído gratuitamente pelo banco para todos os correntistas portadores de deficiência visual. Indicado pelo próprio presidente da Microsoft, Steve Ballmer, o software foi um dos cinco finalistas do prêmio Smithsonian Awards, distinção em informática.
O trabalho da MicroPower com portadores de deficiência visual vai além do desenvolvimento do Virtual Vision. Ela se mantém em intercâmbio com entidades que atendem este segmento da população e assim percebe melhor as suas necessidades, servindo como um laboratório. Com essa experiência é que foi idealizado o Portal do Deficiente (www.deficientevisual.org.br). Realizado com o apoio da Fundação Bradesco, da USP, da Unicid, do Prodam, da Fundação Dorina Nowill Para Cegos e do Governo do Estado de São Paulo, constam do portal relação de entidades, cursos especiais e cadastro de currículos de portadores de deficiência visual disponíveis para empresas-cidadãs.
Paulo Márcio de Mello
Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj)
Correio eletrônico: [email protected]