A litigância predatória, caracterizada pelo uso abusivo do direito de litigar, emerge como uma das principais ameaças à integridade do sistema judiciário brasileiro, inflando artificialmente a carga processual e comprometendo a celeridade e a confiabilidade da Justiça.
Não sem razão, quando os órgãos jurisdicionais são ocupados com litígios infundados, o princípio do acesso à Justiça, essencial para a cidadania, é ferido. No cenário atual, já saturado por milhões de processos, o uso indevido do direito de ação mina os pilares de boa-fé e eficiência processual.
Apesar dos avanços normativos, a aplicação efetiva dessas medidas enfrenta desafios, como a capacitação dos magistrados para diferenciar práticas abusivas de litígios legítimos e a adaptação dos tribunais à nova realidade de monitoramento. Ademais, a implementação de métodos extrajudiciais para resolução de conflitos em larga escala demanda uma mudança cultural tanto no Judiciário quanto entre os operadores do Direito.
Neste sentido, em decisão emblemática, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, no julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) 1.0000.22.157099-7/002 (Tema 91), fixou a tese de que a comprovação da tentativa prévia de solução extrajudicial da controvérsia é condição necessária para caracterizar o interesse de agir.
Paralelamente, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou, em 22 de outubro de 2024, ato normativo que estabelece a adoção de comportamentos preventivos e interventivos para coibir o uso indevido do processo e a utilização de mecanismos de identificação e punição rigorosa da litigância predatória.
Entre as ações centrais estão o monitoramento de litigantes reincidentes e advogados que distribuem ações idênticas, a aplicação de sanções ampliadas a pessoas físicas e jurídicas que adotem padrões abusivos de ajuizamento e a promoção de métodos consensuais de solução de conflitos.
Igualmente, o ato do CNJ impulsiona a integração de bases de dados e sistemas de controle processual entre os tribunais e instituições afins, sem prejuízo da comunicação às autoridades competentes para medidas adicionais, quando necessário.
A inibição da litigância predatória decerto trará alívio à sobrecarga do Judiciário, fortalecerá a confiança pública no sistema, fomentará a cultura de integridade e responsabilidade processual e consolidará o compromisso com a Justiça acessível e legítima.
É notório que a atuação do CNJ contra a litigância predatória representa um avanço na promoção de um sistema judiciário mais íntegro e eficaz. Todavia, a implementação das medidas depende de uma colaboração estreita entre magistrados, advogados e demais agentes, que devem se unir no propósito de assegurar que a Justiça permaneça como instrumento legítimo de pacificação e resolução de conflitos, livre de práticas abusivas e predatórias.
Mariana Barros Mendonça é sócia do Fragata e Antunes Advogados e responsável pela unidade Belo Horizonte (MG) da banca.