Novo ano, nova taxa

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Algumas prefeituras estão lançando uma nova taxa sobre os ombros da tão espoliada família brasileira, sobre os ombros de um consumidor empobrecido pelos preços dos serviços públicos entregues aos trustes internacionais, sobre os ombros de um cidadão que já não aguenta mais o peso de impostos confiscatórios.
A princípio, a nova taxa de iluminação pública parece irracional e inconstitucional. É inconstitucional porque o fato gerador é preexistente, porque a iluminação pública já é fornecida, sendo custeada por recursos tributários não vinculados. Quando pagamos o IPTU – Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana, já estamos pagando por todos os serviços urbanos prestados regularmente pelas prefeituras, inclusive a iluminação pública. Esta taxa, que já existiu, foi eliminada há muitos anos atrás, para que os serviços nela incluídos fossem absorvidos financeiramente pelo caixa único municipal alimentado por vários impostos e por transferências recebidas dos estados e da União.
Mas se a iluminação pública é um serviço corrente, e se suas características básicas não se alteraram, qual a razão para uma nova taxa de iluminação pública? Que justificativas existem para a nova taxa?
Não vamos encontrar os argumentos necessários nem no campo do direito público e/ou tributário, nem no campo da economia. De fato, não houve nos anos recentes alteração do código tributário municipal nem da Leis Orgânicas que regem os municípios brasileiros. Tampouco houve alteração na natureza dos custos incorridos na prestação dos serviços de iluminação pública, o que se alterou foi a sua composição!

A nova taxa de iluminação pública tem um caráter eminentemente político.

No capitalismo rentista, que é o sistema vigente atualmente, a forma principal de drenar o excedente econômico para os rentistas é a dívida pública. Nesse sistema, a dívida pública é um campo seguro para as aplicações financeiras das oligarquias, porque permite que o capital moeda se multiplique com rapidez e segurança. A dívida pública, no rentismo, é o melhor investimento sempre que seja possível gerar um superávit orçamentário do tamanho dos juros exigidos pelos rentistas.
O ideal, desse ponto de vista, é um gasto orçamentário mínimo, onde o salário do funcionalismo seja o menor possível e a cesta de bens e serviços seja reduzida aos produtos que não podem ser vendidos em mercados. É nessa categoria que se enquadra a iluminação pública: ela é um bem coletivo que não pode ser comercializado individualmente.
Por outro lado, desde meados dos anos 90 do século passado a prestação desse serviço municipal vem sendo feita em mercados privatizados/desnacionalizados, coordenados por grandes trustes internacionais, onde predominam norte-americanos e ibéricos. Apenas no Rio de Janeiro seu controle foi entregue a uma empresa francesa. A desnacionalização da distribuição e da transmissão de energia elétrica foi acompanhada por um agravamento dos custos financeiros, graças à estratégia dos novos donos: alto endividamento externo subordinado a taxas elevadas de juros e ao risco cambial.
Mas a desnacionalização agregou ainda uma nova exigência ao funcionamento das empresas que operam esses mercados – a geração de lucros compatíveis com a ganância colonial -, o que foi rigorosamente observado até 2001, mesmo à custa do comprometimento do patrimônio líquido e das reservas das empresas. Por isto, em 2002 não foi possível enfrentar os prejuízos decorrentes da variação cambial nem fazer frente às dívidas em moeda forte. Também ficou difícil adotar maiores aumentos tarifários, em razão da revolta e do grau de inadimplência dos consumidores.
Não apenas as famílias já não suportam pagar as tarifas de energia elétrica, que cresceram mais de 500% no período do Plano Real. Também os órgãos públicos, como a Universidade Federal do Rio de Janeiro, e as prefeituras, como a de São Paulo, já não dispõem de recursos orçamentários suficientes para pagar as contas de energia e, ao mesmo tempo, produzir o superávit primário exigido pelo Fundo Monetário e pelo Banco Central.
É nesse contexto, político, que vamos encontrar a racionalidade da nova taxa de iluminação pública. Ela vem atender a uma política de geração de elevados superávits primários, para continuar alimentando os rentistas da dívida pública sem comprometer os lucros de empresas estrangeiras que precisam remunerar seus acionistas estrangeiros.
Em estudo que fiz sobre as Finanças Públicas na República Velha, assinalei que há sempre uma correspondência entre a natureza dos tributos e a composição política do Estado pois, afinal de contas, qualquer tributo constitui, sempre, uma forma privilegiada de transformação da produção em poder político. É um canal de transferência do excedente econômico para o governo e deste para o setor privado. Na verdade, esta nova taxa que surge não se destina a cobrir gastos do governo, pois esses gastos já vinham sendo cobertos pelos recursos ordinários dos tesouros municipais. Ela terá por objetivo garantir, ao mesmo tempo, o superávit que vai pagar os juros da dívida pública ao grande capital e a continuidade da distribuição de dividendos aos acionistas estrangeiros das nossas elétricas.
Por isto, esta nova taxa de iluminação pública sinaliza um sistema tributário e de poder onde fica explicitada a parceria feita entre governo/grande capital/finanças internacionais. Parceria muito semelhante já foi feita em nível estadual, cujas finanças dependem cada vez mais do ICMS arrecadado nas contas de energia e de telefone. Parceria que fica cada vez mais explícita também nas finanças federais, cujo sistema tributário tem sido orientado para reduzir os impostos que incidem sobre o grande capital e as grandes empresas, para isentar de impostos a produção destinada ao mercado externo e para romper a aliança desenvolvimentista com a indústria local que se tornou vitoriosa durante o Estado Novo e foi ratificada pela reforma tributária de 1967-1969.
Ano Novo, novas taxas, novas alianças, que aprofundam a dependência do Estado brasileiro a agentes estrangeiros, como no tempo de Maurício Lacerda, década de 1920, quando o Estado brasileiro lançava a polícia contra os trabalhadores brasileiros para proteger os lucros do capital estrangeiro! Pai nosso, rezai por nós os brasileiros!

Ceci Vieira Juruá
Economista, diretora do Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro.
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