Houve um aumento de 8.530% no número de processos judiciais envolvendo o superendividamento. O número de ações explodiu de 409 em 2021 para 35.301 em 2024. O setor financeiro, que inclui bancos, financeiras e administradoras de cartão, é o principal alvo das ações de superendividamento, respondendo por 72.652 processos, ou seja, 85 % do total. A informação consta de estudo da Predictus, banco de dados judiciais.
Foram analisados 85.484 processos judiciais movidos desde a entrada em vigor da Lei 14.181/2021 (Lei do Superendividamento), criada para proteger consumidores endividados e que transformou o cenário jurídico em apenas quatro anos. Apesar de 46,8% dos casos terem sido considerados procedentes com o superendividamento reconhecido, apenas 14,3% resultaram em planos de pagamento efetivamente homologados. De acordo com o estudo, esta discrepância revela uma lacuna fundamental entre reconhecimento judicial e solução prática.
Outro dado chama a atenção: dos 40.044 casos procedentes identificados, apenas 12.261 resultaram em planos homologados. Isso significa que 69% dos casos “bem-sucedidos” não geram soluções concretas para o endividamento.
“A maioria parece servir a outros propósitos, como, por exemplo, suspensão temporária de cobranças, ganho de tempo para renegociação ou pressão sobre credores para acordos extrajudiciais”, cita o especialista em dados públicos e fundador da Predictus, Hendrik Eichler.
Segundo ele, os dados sugerem que a lei pode estar sendo utilizada mais como instrumento de negociação do que como solução efetiva. Eichler ressalta que os dados revelam uma “crise silenciosa do superendividamento”, que expõe tanto a importância da lei quanto seus limites. “O sistema precisa de ajustes para garantir que os casos reconhecidos se convertam em soluções reais para os brasileiros endividados”, afirma Eichler.
Processos por superendividamento: sucesso maior para quem ganha menos
A descoberta mais inusitada do estudo refere-se à relação inversa entre renda e taxa de sucesso nos desfechos dos processos. Brasileiros com renda até R$ 1 mil obtêm 60,5% de procedência, enquanto aqueles com renda acima de R$ 20 mil conseguem apenas 47% de reconhecimento do superendividamento. De acordo com a pesquisa, esta correlação negativa sugere que fatores além da vulnerabilidade econômica influenciam os resultados judiciais.
“Os dados mostram que estamos lidando com um fenômeno mais complexo do que a simples proteção ao hipossuficiente. Há evidências de que conhecimento jurídico e estratégia processual podem ser mais determinantes que a necessidade econômica real”, explica o especialista.
A análise ainda revela dois padrões estratégicos claros. A inclusão de crédito consignado nas ações dobra a taxa de sucesso (74,9% versus 37,2%), enquanto a citação do Decreto 11.150/2022 a quadruplica (76% versus 20,3%). “Estes dados sugerem que o domínio de argumentos jurídicos específicos é mais determinante para o sucesso que a situação financeira do requerente”, finaliza o fundador da Predictus.
















