O “tarifaço” de Donald Trump tomou as manchetes dos jornais do mundo todo nas últimas duas semanas. O presidente norte-americano gosta de ser o centro das atenções e não se importa com as críticas que se sucederam às suas polêmicas decisões. Análises econômicas à parte, essa personalidade irascível, impulsiva e egocêntrica de Trump pode ser compreendida um pouco melhor no filme O Aprendiz, que chegou ao catálogo da Amazon Prime no mês passado. A produção é imperdível e recomendo especialmente para quem tem interesse em entender as origens da formação empresarial do republicano.
Dirigido pelo iraniano radicado na Dinamarca Ali Abbasi, o longa não tem a pretensão ser uma cinebiografia do 47º presidente dos Estados Unidos. Entre outros documentos e entrevistas, o ótimo roteiro de Gabriel Sherman se baseia em relatos do divórcio turbulento entre Trump e Ivana, que faleceu em 2022. Eles foram casados entre 1977 e 1992, e o filme se concentra nas décadas de 70 e 80. Foi por volta de 1973 que o empresário, então com 27 anos, começa a se envolver de maneira mais contundente nos negócios do pai, Frederick Trump, um empreendedor imobiliário que fez fortuna na construção civil em Nova York.
The Apprentice (título original) mostra o início da relação entre Donald Trump e o advogado Roy Cohn, um habilidoso articulador, com excelente trânsito e influência no alto escalão da política norte-americana. Inescrupuloso, Cohn não media esforços para atingir seus objetivos e foi moldando seu pupilo à sua imagem e semelhança. O filme faz um disclaimer logo na abertura – “os eventos e personagens são baseados na vida real, mas com adaptações ficcionais para atingir os propósitos dramáticos” –, mas isso não evitou que o presidente americano tentasse impedir, sem sucesso, a exibição do longa nos EUA. O Aprendiz foi exibido nos cinemas sem restrições e teve ainda duas indicações ao Oscar: ator (Sebastian Stan) e ator coadjuvante (Jeremy Strong).
Os ensinamentos de Roy Cohn
Logo no começo do filme, Cohn ensina as três regras que, segundo ele, devem nortear o jovem Trump para ser bem-sucedido em seus negócios. Número 1: Ataque, ataque, ataque; número 2: sempre negue, quem decide o que é verdade é você; e número 3: não importa quão mal você esteja, nunca admita a derrota.
O Aprendiz mostra o ambicioso empresário seguindo à risca os ensinamentos do advogado, e essa relação dos dois personagens é o que conduz o filme do início ao fim. Os atores que interpretam os dois nos hipnotizam com suas atuações: Sebastian Stan (de O Soldado Invernal), no papel principal, e Jeremy Strong, que fez enorme sucesso em Succession, na pele do advogado capaz de vender a mãe para ganhar uma causa.
Sebastian Stan está incrivelmente parecido com Trump: nos trejeitos, no olhar, na maneira de se mexer, no sotaque e no modo de falar, com o lábio superior um pouco levantado. São detalhes que parecem pequenos, mas que vão, aos poucos, nos convencendo de que estamos realmente diante do presidente americano. O objetivo não era imitar ou fazer uma caricatura do personagem, mas incorporá-lo por completo. E de fato ele conseguiu.
O trabalho de Jeremy Strong é igualmente fantástico e, mesmo sem condições de compará-lo com o advogado, que faleceu em 1986 aos 59 anos, ficamos magnetizados com a sua entrega ao personagem. Formado na prestigiosa Universidade de Columbia, Cohn trabalhou com o senador Joseph McCarthy e o ajudou na investigação contra comunistas americanos, na operação que ficou conhecida como “Macarthismo”, de perseguição contra pessoas ligadas à antiga União Soviética.
Sobre o personagem principal, é curioso que Sebastian Stan não seja americano de nascença. Ele nasceu em 1982 na Romênia, numa época em que o ditador Nicolae Ceausescu comandava o país com mãos de ferro. Após a separação de seus pais, a mãe do ator foi para a Áustria, e ele foi morar com a avó na Califórnia, em 1990. Em seguida, mudou-se para Viena e foi estudar em uma escola internacional. Em 1994, aos 12 anos, foi em definitivo com a família para Nova York. Se fosse nos dias de hoje, talvez o romeno Sebastian Stan não tivesse a oportunidade de crescer e fazer carreira nos EUA.