Há uma contradição curiosa — e reveladora — no modo como o brasileiro enxerga sua relação com o dinheiro: mesmo com apenas 24% da população se considerando em boa situação financeira, 83% acreditam que suas finanças vão melhorar nos próximos dois anos. A esperança, mais uma vez, suplanta a realidade. Mas ela não é ingênua. É uma esperança moldada pela resiliência.
Esse dado, retirado do estudo “Futuro da Relação do Brasileiro com o Dinheiro e as Finanças”, desenvolvido pela Croma Consultoria, escancara algo que venho observando há anos: o otimismo do brasileiro não é um delírio coletivo, é uma forma de sobrevivência. E, na maioria das vezes, é carregado nas costas por quem enfrenta as maiores dificuldades — como a Classe C que, mesmo pressionada pela inadimplência, ainda lidera o índice de confiança no futuro.
Mas há uma camada ainda mais complexa e, talvez, preocupante nesse cenário: a juventude. A Geração Z, com seu protagonismo digital e potencial de transformação, é também o grupo que mais sente a precariedade no bolso. Quase metade deles classifica sua situação financeira como ruim ou péssima. E isso desmonta o discurso fácil de que são apenas jovens gastadores ou mal-educados financeiramente. O problema é estrutural: empregos instáveis, baixa remuneração, alta rotatividade. Um ambiente hostil para quem está começando.
Esse desalento se torna ainda mais profundo quando olhamos para as desigualdades regionais. Norte e Nordeste carregam os piores índices de empregabilidade e inadimplência — realidades que não se resolvem apenas com tecnologia ou educação financeira. Falta base. Falta infraestrutura. Falta, sobretudo, vontade de enfrentar as causas da desigualdade com seriedade e continuidade.
E é justamente aí que o setor financeiro precisa deixar de olhar apenas para o futuro como uma promessa e começar a projetá-lo como responsabilidade. O estudo da Croma deixa claro: será preciso adotar uma abordagem personalizada, que compreenda os diferentes perfis e momentos de vida dos brasileiros. Não há mais espaço para soluções genéricas. A inclusão financeira real se dará com crédito consciente, serviços adequados e estratégias de mitigação de risco que levem em conta a vulnerabilidade de grandes parcelas da população.
Há, sim, movimentos promissores. As carteiras digitais e as novas tecnologias de pagamento vêm ocupando espaço — especialmente entre os mais jovens. Mas não podemos confundir acesso com solução. Ter uma carteira digital no celular não resolve o problema de quem não tem o que colocar nela. Ainda que 76% da Geração Z afirme querer economizar mais, o desejo esbarra na realidade de não conseguir poupar sequer 10% da renda.
Do outro lado da pirâmide, a elite econômica adota estratégias mais robustas, sofisticadas, com foco em crescimento e rentabilidade. É uma fotografia clara do Brasil em descompasso. Enquanto uns tentam poupar o mínimo para não serem engolidos pelo imprevisto, outros otimizam carteiras de investimento. Isso não é apenas desigualdade — é a normalização do abismo.
Ainda assim, o estudo mostra que há uma movimentação positiva no comportamento financeiro do brasileiro. O desejo por mais educação financeira, o interesse por renda fixa, a busca por estabilidade. Esses sinais merecem ser valorizados. Mas eles não acontecerão sozinhos. É preciso que instituições — públicas e privadas — se comprometam a entender as dores e ambições das diferentes classes sociais e geracionais. O futuro do setor financeiro será daqueles que se posicionarem como parceiros de jornada, e não apenas como provedores de produtos.
A economia brasileira só será verdadeiramente sustentável quando for inclusiva. E a inclusão não se faz com slogans. Se faz com estratégia, empatia e compromisso com o coletivo. O estudo da Croma é um convite à ação. O brasileiro segue acreditando. Cabe agora ao mercado fazer valer essa fé.
Edmar Bulla, fundador do Grupo Croma