O brilho dos atores Ítalo Villani e Daniel Braga no Teatro Gonzaguinha

Os atores Ítalo Villani e Daniel Braga emocionam no Teatro Gonzaguinha com uma interpretação impecável da peça "Novas Diretrizes em Tempos de Paz". Por Paulo Alonso.

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Ítalo Villani e Danilo Braga

Assistir a um bom espetáculo é sempre prazeroso, pois durante uma, duas horas, o espectador fica mergulhado na obra de um dramaturgo e apreciando os atores em cena, observando o cenário, a iluminação, a direção e a fotografia. Mas estar no Teatro Gonzaguinha, no Centro do Rio, e ter a oportunidade de ver a peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz: um recorte da obra de Bosco Brasil é um raro privilégio. No palco, os atores Ítalo Villani e Daniel Braga estão irretocáveis encarnando os personagens, respectivamente, Clausewitz e Segismundo.

Em 2001, a peça teve uma montagem marcante dirigida por Ariela Goldmann, que contou com as interpretações inesquecíveis de Tony Ramos e Dan Stulbach. O texto dessa obra aborda um encontro na imigração do Porto do Rio de Janeiro em abril de 1945, ao final da Segunda Guerra Mundial, entre o imigrante polonês (que é confundido como suspeito de ser um ex-nazista fugitivo) e o agente brasileiro interrogador da Alfândega (que é um ex-torturador da polícia política da Ditadura Vargas). Nesse interrogatório é explorada a relação a princípio antagônica que se estabelece entre eles.

Disposto a esquecer os horrores da guerra, Clausewitz chega à Alfandega brasileira em busca de uma nova vida, mas apenas com a roupa do corpo e algum conhecimento sobre a língua portuguesa. Contudo, é barrado por Segismundo. Clausewitz então se vê dependente da aprovação de Segismundo para permanecer no Brasil. Para piorar a situação do imigrante, experiente na “arte” de obter a verdade, Segismundo logo percebe que o pseudo-agricultor está mentindo. E faz uma proposta inesperada: se conseguir fazer Segismundo chorar, ele fica no Brasil; se não conseguir, voltará ao navio cargueiro de onde veio, que irá zarpar em dez minutos. Dá-se, a partir daí, um intenso embate de dois homens, que, irmanados em suas derrotas pessoais, vão em busca da emoção, que poderá ou não os devolver a humanidade.

Esse texto de Bosco Brasil também foi adaptado para o cinema, em 2009, sob o título Tempos de Paz, dirigido por Daniel Filho. O filme, que trouxe novamente Tony Ramos e Dan Stulbach, é uma adaptação que transportava a tensão e o drama do palco para a tela e, atualmente, está disponível na plataforma Netflix, permitindo que um público ainda maior tenha acesso a essa história impressionante.

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Esta nova versão, dirigida por Ana Brasil e protagonizada por Daniel Braga e Ítalo Villani, traz um recorte que dialoga diretamente com o contexto contemporâneo. Enquanto as montagens anteriores se concentraram em destacar a tensão histórica e emocional entre os personagens, esse recorte incorpora elementos pedagógicos e práticos do Sistema Stanislavski, abordado nas aulas de atuação em drama realista do curso de Bacharelado em Teatro e Licenciatura em Teatro da Faculdade Cesgranrio, onde estudou Ítalo Villani.

Também conhecido como Sistema das Ações Físicas, foi desenvolvido por Konstantin Stanislavski, figura fundamental na pedagogia teatral moderna, e foca na integração das ações físicas com as circunstâncias dadas da cena, buscando criar uma vivência autêntica e orgânica dos personagens, onde o ator, através de processos psicofísicos, se transforma em um canal vivo de expressão criativa. O processo criativo desta montagem nasceu como um exercício acadêmico nas disciplinas de Atuação em Drama Realista- Projeto Integrador e Prática Pedagógica ministrado por Ana Brasil, com quase 40 anos como professora de teatro, e foi aprofundado por meio do uso das técnicas do Sistema Stanislavski.

Sob a orientação de Ana Brasil, em parceria com as professoras de corpo, Claudia Mele, que também é docente da Universidade Santa Úrsula, e de voz, Jaqueline Priston, Daniel Braga e Ítalo Villani mergulharam no método, buscando uma vivência do momento presente, que ultrapassa a simples representação para alcançar uma conexão autêntica e genuína com a cena e público. Este recorte foi primeiramente apresentado em dezembro de 2023 no Teatro Beth Serpa da Faculdade de Teatro Cesgranrio e, depois foi reapresentado, em abril de 2024, como abertura de um encontro em forma de bate-papo com o autor do espetáculo, Bosco Brasil, acompanhado das professoras Ana Brasil, Claudia Mele, Jaqueline Priston e do coordenador do curso de Licenciatura em Teatro, professor João Cícero, mediados pelo professor Theotonio de Paiva.

Bosco Brasil, nascido em Sorocaba, interior de São Paulo, em 1960, é formado pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo e reconhecido como um dos mais prestigiados dramaturgos do teatro contemporâneo, vencedor dos prêmios Shell, Moliére e APCA, roteirista no cinema e na televisão, tendo colaborado com emissoras como TV Cultura, SBT, Globo e Record. Recebeu reconhecimento e prêmios em 2001 com a mesma peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz. Bosco Brasil é também reconhecido por sua integridade artística e sensibilidade social, sempre foi cauteloso ao permitir novas montagens de Novas Diretrizes em Tempos de Paz em contextos políticos delicados.

Com a ascensão de discursos de extrema direita ao redor do mundo, o autor tinha receio de que a peça pudesse ser interpretada de maneira ambígua, especialmente no que tange à complexa figura de Segismundo, personagem que traz à tona questões sensíveis relacionadas à memória e à história. Bosco ficou entusiasmado e confortado com a forma como a equipe conseguiu manter o texto atual, mantendo sua essência crítica e relevância, ao ver a nova montagem. Ao lhe ser apresentado, o recorte da peça mostra com sensibilidade as variações do mundo contemporâneo e convida a pensar profundamente sobre a condição humana e a memória coletiva. Esses são temas especialmente pertinentes no Brasil contemporâneo.

Novas Diretrizes em Tempos de Paz destaca-se como uma peça que oferece uma reflexão relevante e necessária sobre a condição humana e os desafios sociopolíticos de ontem e de agora. A montagem agrega significativamente à esfera cultural do Rio de Janeiro, levantando questões importantes no mundo contemporâneo por meio de uma encenação cuidadosa e uma equipe de produção experiente. Essa temporada curta enfatiza a importância de relembrar obras como a de Bosco Brasil, amplamente significativas para a geopolítica atual.

Daniel Braga, ator, diretor e produtor com experiência teatral de mais de 35 anos, se formou em Artes Dramáticas, pelo então Centro Universitário da Cidade, curso então dirigido pela consagrada atriz Itala Nandi. Já atuou em mais de 30 peças teatrais e várias produções de cinema e TV, destacando-se na peça Hamlet da Armazém Cia. De Teatro de Paulo de Moraes e o filme Praça Paris, de Lucia Murat. Recebeu uma comenda pelo Estado do Espírito Santo por divulgar a obra de seu avô, o cronista Rubem Braga, em 2017.

Já o ator Ítalo Villani, também produtor e roteirista, tem igualmente vasta experiência em cena. Foi o vencedor do prêmio de Melhor Ator, no Festival Scapcine de Cinema 2018. Ítalo Villani é um estudioso do teatro e um leitor contumaz dos grandes dramaturgos e pesquisador frequente de tudo o que envolva o palco, o texto e a cena. Além de ter passado pelo Studio Escola de Atores, Casa de Dramaturgia Carioca, Cesgranrio, Escolas Sesc, Senac/RJ, CCPAC, AfroReggae, AICTV, Ferrade Filmes, Vita de Atores e Cinema Nosso, fez preparação com Camilla Amado, Hsu Chien, Antônio Karnewale, Maria Assunção, Gonza, Fê Guimarães, dentre outras feras do mesmo calibre.

Na carreira, são mais de 15 peças, 27 curtas-metragens, 7 longas, cerca de 30 novelas e séries, incluindo Reis, Jesus, Terra Prometida, Pecado Moral, Vai na Fé, Elas por Elas, Órfãos da Terra, Rock Story, Amor a Vida, Todas as Flores, Sob Pressão e FIM, dentre outras… Na telona, atuou em O Faixa Preta, Resistir para Recomeçar, A Fúria, de Ruy Guerra, Tô de Graça – O Filme. Este ano, foi selecionado para o maior festival de curtas-metragens do mundo, o festival de Clermont-Ferrand, na França, com o filme Vambora, em fevereiro. Além de vencer os principais prêmios do festival de Paris (2024), também foi selecionado para outro festival na França, em NY, Torino e Ucrânia. Há dois anos, se destacou, com boas críticas, ao escrever o roteiro do curta-metragem Expresso 2222, que venceu o concurso de Novos Roteiros OEI-ICAB 2020 edição Brasil.

Nos palcos, vem sedimentando sua carreira, com interpretações das mais valiosas e primorosas, tendo estado em Amores Risíveis (Natássia Vello, 2009), O Clube das Moscas (Nanda Bernardes, 2010), A Paixão de Cristo (José Araújo, 2011), O Destino (Wagner Brandi, 2014), O Rio de Machado (Gilson Gomes, 2015), Os Saltimbancos (Roberta de Recife, 2018), Sonhos: De Calderón até Suassuna (Flávia Lopes, 2022).

Novas Diretrizes em Tempos de Paz já esteve em cartaz na Argentina, Porto Rico, Portugal, Uruguai, México, Chile e Itália, sempre com casas lotadas, e, aqui, no Brasil, arrebatou os prêmios Shell e o da Associação Paulista dos Críticos de Arte. Assistir os atores Villani e Braga é fascinante, pois os diálogos entre eles, o gestual, os olhares e semblantes, os ódios e os medos, as caminhadas pelo palco e até mesmo as entonações, que variam muito em suas falas, emocionam a plateia.

Ao final da apresentação – a peça é encenada durante uma hora – o público parece estar hipnotizado com as encarnações que ambos fazem de seus personagens. E, ao se despedirem da plateia, Villani e Braga choram emocionados, pois os atores são ovacionados, e de pé, pelo público ali presente, com alguns igualmente chorando tomados pela emoção de um grande espetáculo teatral.

Parabéns e aplausos.

Paulo Alonso é jornalista.

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