As purpurinas já estão a postos. A lista de bloquinhos, organizada. Os ingressos para a Sapucaí, comprados. A reserva em algum refúgio, concluída. A playlist de filmes, selecionada. De um jeito ou de outro, você curtindo ou não, chegamos a mais um Carnaval.
Em meio a tanto movimento e com tantas opções para desfrutar esse feriado, um fato é inegável: o Carnaval é pura arte. É expressão cultural brasileira manifestada em canções, dança e vestimenta. Das fantasias criadas com humor pelos foliões ao maior espetáculo da Terra, que atravessa a avenida do Samba, o que nos alimenta nesses dias é a mais pura criação artística, que emociona, alegra e, invariavelmente, conta uma história.
Sob a ótica do Direito, o que assistimos diante de nossos olhos é a alegre e colorida circulação de verdadeiras obras de arte. Tratando especificamente das fantasias, é possível concluir que estas representam criações juridicamente protegidas, uma vez que contemplam designs únicos, sem mencionar o próprio conjunto-imagem nos desfiles das diferentes escolas de samba (e por que não incluir aqui alguns blocos temáticos?), oriundo de criações com disposições das alegorias, fantasias e contrastes de cores.
No Direito Autoral, para sabermos se uma peça pode ou não ser tutelada, é realizado um “teste de separabilidade”, no qual são separados os elementos úteis dos artísticos do objeto, a fim de verificar o quão artística é a obra como um todo. Por meio desse teste, é possível chegar à conclusão de que as fantasias e alegorias carnavalescas são majoritariamente artísticas.
Seguindo essa mesma lógica, adornos e formas em um biquíni podem, por exemplo, ser fisicamente separados dos aspectos úteis e, portanto, podem ser protegidos por direitos autorais. A proteção se dá em razão do interesse cultural que se deposita sobre a obra de espírito, e as criações para desfiles de escolas de samba definitivamente detêm a inspiração das histórias que contam e a personalidade de seus criadores.
O conceito de trade dress (conjunto-imagem) na Propriedade Intelectual determina a aparência global de marcas comerciais, sendo um conjunto de características particulares que as identificam, podendo estar inseridas em suas lojas, artigos, embalagens e até mesmo em efeitos visuais de determinados produtos.
Então, é possível dizermos que os desfiles das escolas de samba são obras de arte protegidas pelo Direito? Na visão dessas juristas, sim, pois apresentam um conjunto-imagem com a identidade de cada escola, formando um grande espetáculo de fantasias e alegorias, somado à composição e ao enredo do samba e à inesquecível coreografia da dança.
Letícia Soster Arrosi, advogada, doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual, mestre em Direito Privado com ênfase em Contratos e especialista em Processo Civil, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.
Carol Bassin, sócia fundadora do escritório Bassin Advocacia Cultural, especializado em Propriedade Intelectual, legislação de incentivo e proteção autoral, membro efetivo da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento da OAB/RJ.