Recentemente, um acidente envolvendo uma Ferrari 296 GTB de R$ 3,2 milhões ganhou destaque nas redes sociais. O veículo de luxo, pertencente a uma loja especializada, foi destruído após um manobrista perder o controle e colidir com um muro em Campinas, São Paulo. O episódio levantou um questionamento importante: o funcionário deve arcar com o prejuízo?
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) estabelece que o empregador assume os riscos da atividade econômica, conforme o artigo 2º. Isso inclui prejuízos materiais decorrentes do exercício normal das funções do trabalhador. Dessa forma, o funcionário, em regra, não pode ser responsabilizado financeiramente por danos acidentais ocorridos durante a execução de suas atividades. No entanto, há situações específicas em que essa regra pode ser relativizada.
De acordo com o artigo 462 da CLT, descontos no salário do empregado só são permitidos em casos expressamente autorizados por ele ou em decorrência de adiantamentos e danos causados intencionalmente. Ou seja, o empregador só poderá exigir ressarcimento caso consiga comprovar que o manobrista agiu com imprudência grave, negligência ou dolo (intenção de causar o acidente). Se ficar evidente que o funcionário dirigia em alta velocidade ou realizava manobras perigosas sem autorização, a empresa pode buscar a reparação do dano e, dependendo da gravidade, até dispensá-lo por justa causa com base no artigo 482 da CLT, que trata da indisciplina e mau procedimento.
Por outro lado, se o acidente decorreu de um erro comum da função, como uma falha de cálculo ao manobrar um veículo, a responsabilidade pelo prejuízo recai exclusivamente sobre a empresa. É fundamental que empregadores tenham seguros específicos para cobrir esse tipo de situação, especialmente em atividades que envolvem bens de alto valor.
Além disso, a empresa tem o dever de fornecer treinamento adequado e garantir condições seguras de trabalho. Se for constatado que o funcionário não recebeu capacitação para dirigir veículos de luxo ou que a empresa não tomou as precauções necessárias, ela pode ser responsabilizada por negligência na gestão de riscos.
No entanto, há um outro ponto fundamental nesse caso: a relação de consumo. O cliente, que confiou seu veículo à loja, é o maior prejudicado e tem seu direito resguardado pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Como foi a loja que prestou o serviço, é ela quem responde pelos danos causados ao cliente, independentemente de o acidente ter sido causado pelo funcionário. O artigo 14 do CDC estabelece que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores. Assim, o cliente pode exigir indenização diretamente da loja, cabendo a ela buscar a responsabilização do funcionário internamente, se for o caso.
Casos como esse evidenciam a importância de compreender os direitos e deveres tanto dos empregados quanto dos empregadores, bem como a proteção do consumidor em situações de falha na prestação de serviço. A correta aplicação das normas trabalhistas e consumeristas evita prejuízos indevidos e assegura um ambiente de trabalho e consumo justo. Em situações semelhantes, é essencial que os trabalhadores e consumidores busquem orientação jurídica para garantir a proteção de seus direitos.
Luis Gustavo Nicoli, sócio-fundador do Escritório Nicoli Sociedade de Advogados. Advogado especializado em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Anhanguera, e possui mestrado na mesma área pelo Centro Universitário do Distrito Federal. Ele também foi conselheiro da OAB/GO por 9 anos, de 2013 a 2021. Atualmente é conselheiro da OABPrev.