O caso Louboutin: A distintividade em um contraste

A distintividade da sola vermelha de Louboutin e seu registro como marca: decisões judiciais no Brasil e exterior. Por Letícia Arrosi.

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Leticia Arrosi, escritora de A guerra como fator de renegociação de contratos

Desde seu ingresso no mercado da moda em 1992, Christian Louboutin vem produzindo sapatos com sola vermelha, elemento que tem sido copiado no mundo inteiro. Nos Estados Unidos, em um caso judicial envolvendo a Yves Saint Laurent America, a “YSL” [1], discutiu-se se as solas vermelhas dos sapatos podem ter proteção jurídica. Nele, a Corte Americana entendeu que o contraste entre a cor vermelha da sola e a parte superior do sapato adquiriu o chamado significado secundário no mercado, implicando distinção. Isso ocorre porque esse traço do produto (o contraste entre cores) induz o consumidor à fonte do produto (o designer) e não ao produto em si (funcionalidade, o que barraria a proteção da marca).

O Tribunal Americano entendeu – e a YSL não contestou – que Christian Louboutin investiu substanciais esforços de marketing para promover o produto com essa distintividade, construindo uma boa reputação no mercado, de tal forma que a sola vermelha passou a ser associada diretamente aos seus sapatos. Louboutin criou, assim, um verdadeiro símbolo. Contudo, neste caso específico, como os sapatos da YSL não reproduziram o contraste (ou seja, apresentaram-se como sapatos integralmente vermelhos), não houve infringência alguma ao direito de exclusividade do designer. Assim, o Tribunal determinou que o registro da marca fosse limitado a esse contraste.

Aqui no Brasil, a empresa francesa Clermon et Associes, detentora dos direitos intelectuais de Christian Louboutin, tem a titularidade de vários pedidos e registros da marca nominativa, mista e de design no INPI, mas não conseguiu o registro de marca de posição, devido à aplicação do art. 124, VIII, da LPI, o qual determina que “cores e suas denominações, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo” não podem ser registradas como marca. A empresa francesa recorreu dessa decisão administrativamente, sem obter êxito, o que culminou em um processo judicial em que pleiteia a anulação da decisão do órgão. No processo, foi deferido o pedido liminar para a suspensão da decisão administrativa do INPI, pelos seguintes motivos:

Não é possível afirmar, por óbvio, que Christian Louboutin tenha sido o primeiro a utilizar a cor vermelha em solados de sapatos, mas é notório que a utilização feita por ele, de forma consistente ao longo de muitos anos, foi um dos fatores que destacou seus produtos, convertendo-os em “objetos de desejo”, sinônimos de glamour, luxo, qualidade e elegância. Deve-se também considerar, neste caso, a questão da distintividade adquirida ou significação secundária (secondary meaning).

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Vale mencionar a decisão do E. STJ no julgamento do REsp n.º 1.677.787-SC – processo n.º 0054932-70.2015.8.24.0000, em que, em obiter dictum, a Exma. Ministra Relatora Nancy Andrighi cita o solado vermelho dos sapatos Louboutin como exemplo notório de signos diferenciadores utilizados para identificação de produtos cuja colocação no mercado advém “de uma identidade que lhes é intrínseca, composta de elementos gráfico-visuais desenvolvidos justamente com o propósito de distingui-los de seus concorrentes”.

(…)

A propósito, também não se ignora a existência de outras decisões administrativas e judiciais, em outros países, que tenham limitado a proteção do solado vermelho (caso dos EUA, em que a United States Court of Appeals for the Second Circuit, no caso Christian Louboutin x Yves Saint Laurent, embora tenha reconhecido o secondary meaning, limitou a proteção a uma sola laqueada vermelha que contrasta com a cor da parte superior adjacente) ou simplesmente a negado, em razão da comprovação de ampla utilização por outros fabricantes de calçados (caso do Japão, em que o JPO concluiu pela não registrabilidade do sinal). No caso, entretanto, entendo que devem ser privilegiados os motivos trazidos pela demandante para justificar os diversos danos que podem lhe ser causados pela manutenção da decisão indeferitória, especialmente considerando que sapatos de salto alto feminino com solado vermelho são reconhecidamente associados a Christian Louboutin. A autora vem atuando na defesa de sua propriedade intelectual, sendo certo que a suspensão pretendida é medida que visa resguardar seus direitos e evitar que concorrentes interpretem o signo como disponível, enquanto ainda pendente disputa judicial sobre ele. [2]

As marcas de posição passaram a ser expressamente admitidas pelo INPI por meio da Portaria/INPI/PR nº 37, de 13.09.2021, que “dispõe sobre a registrabilidade de marcas sob a forma de apresentação marca de posição, à luz do estabelecido pelo art. 122 da Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996”. O art. 122 da LPI, por sua vez, diz que “são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”. E a referida portaria determina: “Art. 1º Será registrável como marca de posição o conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou serviços e distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que (…).

Considerando a tendência da doutrina jurídica brasileira na matéria, as decisões dos casos internacionais e também a referida legislação, tudo indica que a decisão liminar em primeiro grau da Justiça Brasileira é acertada, sendo direito da empresa francesa obter o registro da marca de posição quanto ao contraste da sola vermelha dos sapatos.

Letícia Soster Arrosi, advogada, doutora em Direito Comercial com ênfase em Propriedade Intelectual, mestre em Direito Privado com ênfase em Contratos e especialista em Processo Civil, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais.

Notas:

[1] United States Court of Appeals for the Second Circuit, 696 F.3d 206 (2012).

[2] BRASIL, 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Processo nº 5082257-22.2023.4.02.5101/RJ, decisão publicada em 10 ago. 2023.

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