O ciclo de baixa da Selic e os consórcios

Independente dos ciclos de alta ou de baixa da Selic, o mercado de consórcios segue crescendo

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Conversamos com Alexandre Caliman Gomes, diretor e cofundador da Consorciei, sobre o impacto do ciclo de baixa da Selic no mercado de consórcios.

O atual ciclo de baixa da Selic impacta de alguma forma os consórcios?

O atual patamar da Selic, mesmo com as reduções esperadas, ainda é alto. Pelo raciocínio lógico, se quando a Selic sobe deveria haver um movimento macro que favorecesse os consórcios vis-a-vis financiamentos, agora, com a queda da Selic, os financiamentos deveriam ficar um pouco mais competitivos frente aos consórcios.

Por mais que haja esse movimento macro, os consórcios estão num movimento bastante micro, ou seja, embora haja essa casualidade dos juros, que faz com que os financiamentos fiquem mais ou menos competitivos, os consórcios vem crescendo nos últimos anos independente da taxa de juros.

Do ponto de vista de rentabilidade, esse é um setor interessante, principalmente, para os grandes bancos. Suas receitas com tarifas e serviços diminuíram. Mesmo o crédito, que tem mais relação com a nossa conversa, está mais restrito. Isso fez com que eles passassem a buscar segmentos que estão crescendo e gerando bons retornos. Nos últimos dois anos, nós vimos um investimento muito grande dos players em marketing e venda do produto consórcio.

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Em 2023, de janeiro a setembro, considerando os dados do mercado como um todo, o volume de cotas vendidas cresceu 7% e o volume de créditos comercializados 22%. Esse crescimento do crédito se deve ao fato dos consórcios estarem crescendo em segmentos onde o ticket médio é mais alto, como, por exemplo, imóveis, que cresceu 20% nesse período.

Se, em tese, a queda da Selic deveria favorecer os financiamentos frente aos consórcios, mas o mercado de consórcios segue crescendo de forma sólida, como seria o perfil das pessoas que estão recorrendo aos consórcios?

Se por um lado os financiamentos dão acesso ao bem de forma imediata, diferente dos consórcios, onde a pessoa precisa ser contemplada, por outro, geralmente, é preciso dar uma entrada. Além disso, nós vemos que muitas pessoas, que acessam os consórcios, possuem restrições, o que faz com que elas não tenham acesso a financiamentos.

Outra questão é que os consórcios possuem a característica de finanças comportamentais. Muitas pessoas poderiam juntar esses recursos num fundo de investimento, mas não possuem disciplina para fazerem isso. O jeito é pagar um boleto que tem que ser pago, o que faz com que essas pessoas sintam a obrigação de continuar juntando recursos, justamente para que não percam o que já foi pago.

Por exemplo, nós estudamos o exemplo americano do Christmas Club, que existia mais fortemente no passado. Isso funcionava da seguinte forma: em dezembro, a pessoa abria uma conta num banco para juntar dinheiro mensalmente, sendo que os recursos somente poderiam ser sacados em novembro do ano seguinte para que os presentes de Natal pudessem ser comprados. O que seria imaginado como um malefício do produto, ou seja, não poder sacar seus recursos durante o ano, na verdade era o grande benefício que as pessoas queriam.

Os consórcios exercem esse papel, pois as pessoas pagam, mas não têm liquidez. Elas têm que contribuir até ter acesso ao bem. No Brasil, muitas pessoas veem os consórcios como a única alternativa psicológica para juntar dinheiro.

Também existe um perfil mais raro que é a pessoa que tem um mega montante de dinheiro, dá um lance na primeira assembleia e é contemplada. Por outro lado, há um perfil que a indústria não quer, ou que pelo menos não deveria querer, que é o cara que entra achando que vai ser contemplado na primeira assembleia. Quando isso não acontece, ele acaba desistindo, o que faz com que tenhamos um grande nível de desistência no setor.

Uma questão interessante é que do ponto de vista puramente econômico, as pessoas que são contempladas na primeira metade de um consórcio acabam tendo juros implícitos menores do que um financiamento. Já as pessoas que são contempladas na segunda metade acabam tendo juros implícitos maiores que um financiamento.

Num consórcio, você sempre vai pagar menos que um financiamento, mas quando se faz a conta econômica dos juros, isso só pode ser feito a partir da contemplação, do que foi alavancado de crédito, pois antes disso a pessoa ficou apenas juntando dinheiro. É por isso que o consórcio vale a pena se você for contemplado na primeira metade. Se você ficou para o final, o financiamento teria valido mais a pena.

Mas é aquilo que te falei: você teria tido acesso a financiamento? Talvez não. Você teria tido disciplina para juntar dinheiro num investimento? Talvez não. É por isso que um consórcio tem características, fora das econômicas, que fazem com que as pessoas optem por ele.

O mercado secundário organizado pela Consorciei é de pessoa física para pessoa física?

Quem compra as cotas de consórcio, que a Consorciei linka através da plataforma, são fundos de investimento. Eles assumem os consórcios do ponto de vista puramente financeiro, pois eles não querem comprar um carro ou uma casa.

Como todo grupo de consórcio acaba, pois ele tem um prazo, o dinheiro, descontado a taxa de administração, é devolvido para as pessoas. Nesse caso, como a compra não precisa ser feita, as pessoas recebem o dinheiro na conta corrente. Se o fundo compra essas cotas, ele pode esperar até o final do grupo para receber o dinheiro. Ele também pode dar um lance para ser contemplado e quitar tudo o que deve. Isso porque existe uma regra do Banco Central segundo a qual seis meses após a contemplação, o crédito pode ser recebido em dinheiro.

Nesses exemplos, o fundo está sempre pegando o dinheiro, pois o valor que foi pago na compra do consórcio com deságio é menor que o valor que será recebido. Esse é o retorno financeiro da operação.

Mesmo que faça sentido pessoas físicas comprarem cotas, sempre haverá a necessidade do investidor institucional. Se uma pessoa quiser vender uma cota pela qual ela pagou 80%, é muito provável que os únicos interessados sejam os fundos. Isso porque para comprar um bem de R$ 100 mil, uma pessoa não tem muito benefício em pagar R$ 80 mil para obter uma cota  que ainda deve R$ 20 mil. Nesse caso, essa pessoa vai procurar uma cota que deve R$ 80 mil para pagar R$ 20 mil. 

Dependendo do perfil de cota, essa operação pode fazer mais sentido para uma pessoa física ou para um fundo de investimento. O ideal seria um mix dos dois, embora hoje estejamos focados em plugar na plataforma apenas fundos de investimento.

Nota: o Monitor Mercantil também já conversou com profissionais do mercado sobre os impactos do ciclo de baixa da Selic nos empréstimos pessoas e nos financiamentos imobiliários.

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