Conversamos com Ilan Arbetman, analista de research da Ativa Investimentos, sobre os impactos do Decreto 12.153/2024, assinado no dia 26/08/2024.
Cabe destacar que o Decreto 12.153/2024 alterou o Decreto 10.712/2021, que regulamentou a Lei 14.134/2021.
Qual a sua avaliação sobre o Decreto 12.153/24?
O Decreto coloca em diferentes posições da mesa a indústria e o setor petrolífero. De fato, há um lobby por parte da indústria para que ela tenha acesso a molécula de forma mais barata e competitiva, ao passo que a reinjeção de gás é uma técnica utilizada não apenas para ganho de eficiência nos campos, mas também para o aumento das suas vidas úteis, pois esse é um processo que suaviza a curva de decaimento da produção. Isso explica o motivo pelo qual mais de 50% do gás que é produzido no Brasil acaba sendo reinjetado, sendo que isso é feito por todas as petrolíferas, tanto a Petrobras como as empresas de fora.
Diversos governos já tentaram apaziguar essa situação e encontrar um ponto ótimo para os setores, mas existe uma grande dificuldade em se chegar a um equilíbrio. A aposta do atual governo é que se vai chegar a um equilíbrio com um aumento da regulação, já que o Decreto, formalmente, aumenta o poder para que a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) decida o percentual de gás que poderá ser reinjetado por cada campo. Aqui, eu levanto a bandeira de que a distância entre um aumento de regulação e uma intervenção, às vezes, acaba sendo pequena.
Para mim, não ficou claro como vão se dar os trabalhos da ANP para a frente, já que o Decreto aumenta o seu poder, mas não discriciona como isso vai se dar ao longo dos próximos meses. É por isso que estou em ponto de stand-by. Do ponto de vista das petrolíferas, eu recebi com atenção os termos do Decreto, que podem mexer, sensivelmente, na forma como essas empresas veem o Brasil.
Em termos de operação, existe uma alternativa competitiva à reinjeção de gás natural extraído na exploração de petróleo?
Sendo franco, eu não sei, mas suporia que não, pois todas as empresas fazem esse processo. Se existisse uma alternativa que fosse mais fácil e viável, ela seria feita. Se esse processo não puder ser feito da forma como ele é feito hoje, isso vai mudar, sensivelmente, a operação de uma série de companhias no país.
Esse decreto pode levar a redução do preço do gás no Brasil?
Quando saiu o Decreto, eu vi representantes da indústria falando em quedas de preço de 30%, 40%, mas ainda é muito cedo para se dizer isso. De fato, como a lógica é que vai haver um aumento de oferta, justamente o que o governo quer, mesmo que haja um aumento da demanda isso vai resultar em um equilíbrio com preços mais baixos. Do ponto de vista do cruzamento das curvas, isso faz sentido.
Contudo, existe uma série de observações. A primeira é que mais de 80% do óleo que é retirado no Brasil é offshore, sendo que nós não temos uma grande infraestrutura de gás. Para que se traga esse gás do mar para a costa, o custo seria grande e teria que ser repassado para os clientes.
A segunda observação está relacionada aos efeitos que poderíamos ter em outros setores, como o elétrico. No primeiro semestre, nós tivemos uma pluviometria mais fraca, tanto que, recentemente, o governo passou a bandeira para vermelha. O ponto é que independente disso, nós temos um cenário estrutural de sobre oferta energética e preços de longo prazo de energia muito baixos, tanto que temos algumas quebras na cadeia eólica. Nesse cenário, trazer mais oferta, mesmo que de uma fonte diferente, aumentaria, certamente, a disponibilidade de energia em um país onde ela já está sobrando, o que causaria mais questões para o setor elétrico.
Do ponto de vista nacional, o governo tem que pesar os seus interesses. Está muito claro a intenção de tornar a nossa indústria mais competitiva, mas temos que nos perguntar qual seria o preço para isso. O gás tem suas questões por conta de uma série de problemas macroeconômicos que fazem com que ele acabe não sendo acessível da forma como gostaríamos que fosse.
Se a ANP definir que o percentual de reinjeção de gás nos campos tem que cair, isso vai mexer na forma como as empresas de petróleo operam no país e como os investimentos, daqui para a frente, serão feitos. Do meu humilde ponto de vista, o governo tem a perder com royalties e com tributos que poderiam ser pagos se a indústria de petróleo for saudável, ou seja, as perdas do Decreto seriam mais pesadas que os seus ganhos. De forma bem prática, sou muito cético com relação ao custo-benefício do Decreto.
Por que o gás é tão caro no Brasil?
Como disse, essa questão da reinjeção faz com que mais de 50% do gás que é produzido volte para os campos de petróleo. Além disso, parte do gás é nacional e parte é importado, sendo que parte dessa importação vem da Bolívia a preços fixos e parte é comprada no mercado spot a preço de mercado. Como temos uma oferta mais diminuta e temos que comprar uma fração do suprimento a preços de mercado, isso, naturalmente, aumenta os preços praticados na ponta.
Além disso, no passado, infelizmente, não foram feitos os investimentos necessários em infraestrutura, o que faz com que o gás não chegue a muitas praças e que se tenha o custo de transporte. A criação dessa infraestrutura é um processo custoso e que leva tempo, e quando ele for feito em maior escala, isso também será repassado para os preços.
O fato é que nós temos uma série de motivos que fazem com que tenhamos uma grande complexidade para que o gás fique acessível para quem o consome, o que acaba tornando o preço da molécula menos competitivo.
A médio e longo prazo, essas movimentações podem afetar o valor das petrolíferas com ações na Bolsa?
Podem, fatalmente. Falando de infraestrutura, não está claro no Decreto, na verdade não existe nada escrito nele, sobre a criação da infraestrutura necessária para que o gás, que eventualmente deixar de ser reinjetado, chegue para os clientes. Por exemplo, como para o atual governo a Petrobras tem uma função social, eu não duvidaria que uma boa parte dos custos e despesas necessários para a promoção dessa infraestrutura possam ser custeados pela companhia.
Assim que o Decreto foi feito, nós tivemos uma entrevista da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, dizendo que o Decreto não mudou nada, mas que seria preciso ficar bem atento. É possível, por exemplo, que a Petrobras tenha um aumento de capex para o próximo ano. Conforme a ANP informe como isso tem que ser feito e os limites máximos de reinjeção, se os investimentos não aparecerem neste plano, eles podem aparecer muito bem nos seguintes. Aqui, eu faço um flag de que temos que acompanhar de perto qual vai ser o papel da Petrobras nisso.
Quanto às demais, o Decreto, como disse mais cedo, tem o potencial de mudar, sensivelmente, a forma como as companhias de petróleo operam no país e a forma como elas vão operar no futuro. Independente de serem nacionais ou internacionais, as companhias de petróleo estimam as curvas de petróleo e fazem contas, mas a partir do momento em que você flerta com uma limitação na produção de petróleo, certamente uma série de projetos podem se tornar não convidativos e afastar investimentos do país.
A resposta direta para a sua pergunta é sim, pois dependendo da regulação que for feita, podemos ter muitos efeitos para as empresas de petróleo que tem capital aberto e que operam no país, sejam elas nacionais ou de fora.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
Essa questão possui dois lados com pontos de vista muito antagônicos e um governo tentando ver mais o lado da indústria. Isso é válido, mas tem que ser visto qual vai ser o custo de implementação desse novo arcabouço jurídico, que pode trazer uma série de problemas, judicializações, perda de apetite por parte das petrolíferas, efeitos colaterais em outros setores, como o setor elétrico, e um efeito direto na precificação dos papeis listados na Bolsa.
Para que tenhamos uma noção, a política de dividendos da Petrobras é muito clara. Quando a dívida bruta estiver abaixo de US$ 65 bilhões de dólares, os dividendos serão pagos em conformidade com a fórmula 45% do fluxo de caixa livre menos investimentos. Se os investimentos crescerem, inexoravelmente, você vai ter uma capacidade de distribuição de provento muito baixa. Por mais que esse movimento do governo esteja muito no começo, vamos ver, ao longo dos próximos meses, o trabalho que a ANP vai fazer. Estamos só no início de um processo que começou turbulento, mas que pode se mostrar ainda mais turbulento para a frente.