O direito de ser deixado em paz

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Desde o dia 18 de setembro está em vigor no Brasil a Lei Geral de Proteção de Dados. Com isso, o Brasil pretende ingressar no seleto rol de países que dispõem de uma lei verdadeiramente rígida e protetiva da privacidade das pessoas. A proteção de dados pessoais é uma das facetas de um direito maior, o direito à privacidade, ou “o direito de ser deixado em paz”, como consta de um documento publicado em 1890 pelos advogados Louis Brandeis e Samuel Warren sobre a intromissão cada dia mais frequente da imprensa na vida particular das pessoas.

Warren formou-se em Harvard em 1875 como o segundo melhor aluno da classe, atrás de seu melhor amigo, Louis Brandeis, que, mais tarde, se tornou juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos. Warren e Brandeis fundaram um concorrido escritório de advocacia em Boston. Em 1899, Warren deixou o Direito para administrar o negócio do pai, uma administradora de fundos, sob orientação de Brandeis, então colega de universidade. Em 1906, os irmãos de Warren acusaram Brandeis de organizar o fundo para o beneficiar Samuel e prejudicar os outros quatro irmãos. Warren suicidou-se em Dedham, Massachusetts, em 18 de fevereiro de 1910, mas a família dissimulou seu suicídio e a data de sua morte. O New York Times disse que Warren morreu de apoplexia.

O “direito de ser deixado em paz” é, até hoje, a mais emblemática afirmação do direito à privacidade. O primeiro caso de punição com base na nova Lei de Proteção de Dados que começou a vigorar em 18 de setembro ocorreu na semana passada, em São Paulo, em que foi ré uma empresa de construção civil. A multa, modesta para os padrões da nova lei, foi de R$ 10 mil por dano moral. A juíza Tonia Yuka Koroku, da 13ª. Vara Civil de São Paulo, registrou na sentença que a autora “…foi assediada por diversas empresas pelo fato de ter firmado instrumento contratual com a ré para a aquisição de unidade autônoma em empreendimento imobiliário”.

Na ação, a autora disse que após a aquisição de um imóvel, em Moema, passou a receber inúmeros contatos não autorizados oferecendo-lhe todos os tipos de serviços complementares, como projetos de arquitetura, construção, fornecimento de móveis planejados etc. O contrato assinado entre a cliente, autora da ação, e a construtora, previa apenas a inserção de seus dados pessoais para fins de cadastro positivo, mas não autorizava a sua disponibilização a outras empresas que tivessem ou não alguma ligação com a compra do imóvel. Como a nova lei regula a transmissão de dados sensíveis e impede sua divulgação sem consentimento expresso do titular, a juíza entendeu que a empresa construtora violou a cláusula de sigilo implícita no contrato de compra do imóvel e que a divulgação desautorizada desses dados invadiu a privacidade da pessoa e feriu sua dignidade. A sentença determinou, ainda, que a empresa se abstivesse de repassar esses dados a terceiros, sob pena de multa diária de R$ 300.

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As empresas brasileiras, especialmente as de telemarketing e e-commerce devem redobrar seus cuidados até mesmo nas entrevistas de emprego e no recebimento de currículos. Dados sensíveis como cor, convicção religiosa, opção sexual, se faz ou não uso de drogas, o que pensa ou deixa de pensar sobre homofobia, homossexualismo etc. estão terminantemente proibidos. O currículo que não for aproveitado por uma empresa deve ser incinerado ou devolvido ao candidato ao emprego, e somente distribuído a outra empresa se o titular dos dados o autorizar por escrito. As multas são milionárias e dependendo da gravidade do ilícito e do porte da empresa podem levar até mesmo ao fechamento compulsório do negócio.

Está na hora, portanto, de a pessoa ter o direito de ser deixada em paz.

 

Mônica Gusmão é advogada e professora de Direito Empresarial, do Consumidor e do Trabalho.

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