O encontro do ‘sofágate’

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Ursula von der Leyen, Charles Michel e Recep Erdogan (reprodução, CE)
Ursula von der Leyen, Charles Michel e Recep Erdogan (reprodução de vídeo, CE)

A cúpula na capital turca entre o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, o presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, e a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, em vez de ser lembrada pelas novidades nas relações entre a União Europeia e a Turquia, vai passar para as honras da história como o encontro do “sofágate”.

O que aconteceu? Aconteceu uma das maiores gafes diplomáticas ou, pior ainda, uma das maiores humilhações da história da diplomacia. Na verdade, o que o bom tom diplomático prevê? A diplomacia é feita de formas. E a forma é substância; sobretudo neste campo.

Cada reunião oficial é composta de práticas, seguidas com atenção escrupulosa pelos cerimoniais. E esses protocolos devem demonstrar não só a hospitalidade da nação receptora, mas, igualmente, a importância que a própria delegação atribui a si mesma e o papel reconhecido no mundo. Nesse momento, não há indivíduos que se veem frente a frente, mas, sim representantes de países e organizações com sua história, sua própria cultura e seu próprio peso, que se reúnem para discutir o que representam.

Charles Michel e Úrsula von der Leyen chegam na sala onde Erdogan recebe seus convidados, param e encontram, apenas, duas cadeiras à sua frente: uma para o presidente turco e a outra para o presidente do Conselho Europeu. Já a presidente da Comissão Europeia permanece de pé, constrangida e claramente irritada. Erdogan se senta e convida Michel a fazer o mesmo. E Michel se senta sem pestanejar, enquanto sua colega vai sentar-se, por iniciativa própria, num sofá, um pouco afastado.

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A cena, obviamente, criou um rebuliço. A opinião pública mundial, imediatamente, se concentrou em Erdogan, acusado de desrespeitar a presidente da Comissão; primeiro, fazendo-a ficar de pé e, em seguida, convidando Charles Michel a sentar-se ao lado dele. Uma imagem difícil de se digerir, especialmente porque surge depois do debate sobre a saída da Turquia da convenção para a proteção das mulheres; muitos interpretam este gesto como um tapa na cara das mulheres. Há quem faça a comparação com o que aconteceu, em 2015, no G20 de Antália, quando o líder turco recebeu Juncker e Tusk, neste caso preparando três cadeiras idênticas: eram, então, três homens.

No entanto, ao retratar a cena nesses termos, existe o risco de se cometer enganos. O primeiro deles é pensar que o problema seja o tratamento da Sra. von der Leyen, como mulher. E é um erro, porque o problema não está na forma como Ursula von der Leyen foi recebida, por ser mulher, mas como “chefe de governo” da União Europeia.

O segundo erro cometido é o de nos concentrarmos em Erdogan e não nos representantes europeus. Em particular, concentrando-nos em Michel. Que Erdogan tenha seu próprio caráter e mentalidade é bem conhecido. Todos estão cientes da personalidade do líder do AKP, e ser surpreendido por alguns de seus movimentos parece, no mínimo, ingênuo.

O caso de von der Leyen e Michel é diferente. Não porque sejam responsáveis pelo gesto do “sultão”, mas porque, ao imaginar que estas duas pessoas representam todos os cidadãos europeus perante o mundo, a imagem que a Europa deu de si mesma parece decididamente triste. Primeiro, vimos dois líderes à mercê dos acontecimentos, que pareciam completamente desligados de uma cúpula internacional. Entre silêncios, olhares ausentes e momentos de constrangimento – tudo o que não se espera de quem se considera representante de uma “potência” – materializou-se num momento.

Mas, quanto a este quadro, já sombrio, acrescentamos a imagem questionável de Michel que, seguindo as instruções de Erdogan, senta-se, sem qualquer atitude, enquanto deixa a presidente da Comissão em silêncio e à espera de um assento. E ele também a observa enquanto, envergonhada, ela vai para o sofá.

Mesmo que o cavalheirismo seja um conceito ultrapassado, mas, se não queremos, apenas, comentar esta atitude, pouco elegante, temos que remarcar o fato que a cúpula não consistia no encontro de duas pessoas, mas de três. E que a senhora com o paletó vermelho em pé, na sala, estava lá para representar a Europa.

 

Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália) e editor da revista Italiamiga.

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