O esqueleto da dívida dos estados escapa do armário

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Um velho esqueleto que descansava no fundo do armário da República está prestes a emergir. O velho tema da dívida dos estados junto ao Governo Federal está tomando a forma oposta de um crédito superior a R$ 1 trilhão e 300 bilhões. O Governo, claro, não vai reconhecê-lo. Mas o conjunto de argumentos que fundamentam a proposição de estados e municípios vai literalmente encurralar os burocratas da Fazenda, e especialmente Paulo Guedes.

São dois créditos oriundos da dívida imposta aos estados em fins de 1997 e outro crédito resultante da Lei Kandir. No primeiro caso, estados e municípios pagaram o que não deviam. No segundo caso, deixaram de receber o que era líquido e certo. Somando o que se pagou em excesso com o que se deixou de receber é que as contas se eleva a R$ 1 trilhão e 380 bilhões o crédito global dos entes federativos junto ao Governo Federal.

O que o Governo, durante duas décadas, chamou de dívida principal dos estados não passou de um acerto feito com bancos privados para pagar recursos oriundos do over antes rolados diariamente nas carteiras dos bancos comerciais estaduais. Por pressão do FMI, no rescaldo dos acordos da dívida externa, o governo decidiu fechar os bancos dos estados e, consequentemente, o próprio over, transferido para os bancos privados.

Os bancos privados receberam esses débitos em títulos estaduais apenas formalmente, pois tinham o compromisso do Governo de pagá-los em moeda ou com títulos públicos. O resultado disso tudo é que houve efetivamente uma troca de títulos estaduais por títulos federais, sem qualquer auditagem dos montantes envolvidos. Os bancos privados ganharam milhões de reais num processo arbitrado pelo Banco Central sem fiscalização.

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Note que aplicação dos estados no over nunca se paga, rola-se. Isso integrava a soberania financeira dos estados. É o que acontece também com o over operado pelo Banco Central. Entretanto, no caso do over dos bancos comerciais estaduais, a solução dada foi um absurdo completo do ponto de vista de política pública: a dívida do over, que nunca se paga como uma prática normal de mercado, foi transformada em dívida contratual, paga em prestações, com correção monetária e prazo de 30 anos, violando-se a soberania estadual.

Esse tipo de relação entre entes federativos é um esbulho. Se quisesse acabar com os bancos estaduais e seu over, o Governo Federal deveria propor sua federalização, na linha do que aconteceu nos Estados Unidos no século XIX: o governo central federalizou a dívida, absorveu o débito na política monetária, e pronto. Aqui, foi feita uma federalização pela metade, deixando todo o ônus com os estados: o over foi federalizado, mas o débito ficou.

Em termos tributários e federativos, a dívida dos Estados junto ao Governo Federal é nula. Temos sustentado que a questão agora não é propriamente apenas anular a dívida, mas ressarcir o que foi pago em excesso. Isso, com correção monetária, corresponde a algo como R$ 400 bilhões. É uma conta fantástica para estados quase falidos, que justificaria uma ação no limite de ações constitucionais em termos de conflito federativo.

Entretanto, a situação da Lei Kandir é ainda mais dramática para os estados. Sua origem é uma lei do início dos anos 90 que estabeleceu uma isenção fiscal para exportadores de produtos primários e semimanufaturados, com os estados, titulares do imposto, devendo ser compensados financeiramente. Não foram, exceto liberação de parcelas insignificantes. O que houve, portanto, é o equivalente a um roubo de R$ 638 bilhões, o que ficou por ser pago.

Luiz Gonzaga Belluzzo

Economista e professor.

Marcio Pochmann

Economista e professor.

José Carlos de Assis

Economista e jornalista.

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