O fantasma do rei Leopoldo II ainda assombra o Congo

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Rainha Mathilde e rei Philippe, da Bélgica (foto de Zhang Cheng, Xinhua)
Rainha Mathilde e rei Philippe, da Bélgica (foto de Zhang Cheng, Xinhua)

‘Diante dos crimes cometidos, os arrependimentos não são suficientes’

 

O rei Philippe, da Bélgica, concluiu uma visita de seis dias à República Democrática do Congo, que foi anunciada como um passo à frente, após um passado colonial brutal. Em um discurso ao parlamento do Congo, o rei lamentou “o paternalismo, a discriminação e o racismo” do regime colonial. “Desejo reafirmar meus mais profundos arrependimentos por essas feridas do passado”, disse ele. Membros da diáspora congolesa criticaram seu discurso por não chegar a um pedido formal de desculpas.

“Diante dos crimes cometidos pela Bélgica, os arrependimentos não são suficientes”, escreveu no Twitter a senadora da oposição congolesa Francine Muyumba. “Espera-se dele um pedido de desculpas e uma promessa de reparação. É somente com este preço que definitivamente vamos virar a página.”

Em 1885, o rei Leopoldo II, irmão do tataravô de Philippe, reivindicou o território como sua propriedade pessoal, durante a Conferência de Berlim, que dividiu grande parte da África e concedeu territórios a vários estados europeus. Os líderes africanos não estiveram envolvidos nas negociações.

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Leopoldo II saqueou violentamente o país, por mais de duas décadas, antes que ele se tornasse uma colônia belga. Ele acumulou grande riqueza com as matérias-primas do Congo. No entanto, até sua morte em 1909, Leopoldo II nunca pôs os pés no que ele via como sua colônia – um território que era quase 80 vezes o tamanho da Bélgica.

Estima-se que mais da metade dos 20 milhões de pessoas, que então viviam no Congo Belga, perderam suas vidas devido a atrocidades cometidas pelas autoridades coloniais e pelo trabalho forçado. Membros de crianças foram cortados, como punição, quando seus pais não cumpriram as cotas de extração de marfim e da borracha, e mulheres e meninas foram penhoradas, como escravas sexuais, para agentes coloniais belgas, como forma de forçar homens congoleses a irem às florestas para coletar borracha.

Os belgas também saquearam centenas de milhares de objetos congoleses, que foram levados para o Museu Real da África Central da Bélgica, onde ainda se encontram armazenados, compondo mais de 80% da coleção do museu.

Philippe visitou o museu nacional do Congo em Kinshasa, onde entregou uma grande máscara – conhecida como Kakuungu. Porém, em vez de devolvê-la permanentemente, a devolveu em “empréstimo indefinido” ao país de onde foi tirada. “Estou aqui para devolver a vocês este trabalho excepcional, para permitir que os congoleses o descubram e admirem”, disse ele.

Houve passos importantes para consertar um relacionamento pós-colonial fragilizado: durante os protestos globais do Black Lives Matter desencadeados pelo assassinato de George Floyd por um policial em Minnesota, Philippe enviou uma carta ao presidente congolês Felix Tshisekedi, em 30 de junho de 2020, o aniversário da independência congolesa, lamentando as injustiças coloniais.

Em fevereiro de 84, o primeiro-ministro belga, Alexander De Croo, deu às autoridades congolesas um inventário contendo artefatos levados para a Bélgica, antes da independência do Congo, em 1960. O parlamento da Bélgica deve aprovar uma lei, até o final do mês de junho, que abrirá caminho para a devolução de objetos saqueados, caso a caso, com 2 milhões de euros destinados à pesquisa de proveniência de objetos congoleses, em museus estatais e de outras ex-colônias, como Ruanda e Burundi.

Isso ocorreu após uma decisão belga, em outubro de 2020, para que fosse entregue, ainda neste mês, os últimos restos mortais do primeiro primeiro-ministro democraticamente eleito do Congo independente Patrice Lumumba. Depois de servir apenas dois meses no cargo, em 1960, Lumumba foi assassinado por separatistas congoleses e mercenários belgas, em janeiro de 1961, com a ajuda da CIA. Também se falou do envolvimento da inteligência britânica.

Lord Lea, um colega trabalhista britânico, afirma que Daphne Park – chefe da estação do MI6, no Congo, na época – admitiu, antes de sua morte, ter ajudado a organizar o assassinato por temores de que Lumumba aliasse o Congo à União Soviética. A Bélgica, agora, planeja devolver o dente com obturação de ouro de Lumumba, que foi preservado como troféu por um policial belga depois que o resto de seu corpo foi dissolvido em ácido.

À medida que os políticos da diáspora e da oposição exigem reparações, o governo congolês parece mais focado em seguir em frente. “Não nos debruçamos sobre o passado, que é já passado e que não deve ser reconsiderado, mas precisamos olhar para o futuro”, disse Tshisekedi durante uma coletiva de imprensa, acrescentando que estava focado em aumentar a cooperação com a Bélgica.

 

Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália), editor da revista Italiamiga e vice-presidente do Ideus.

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