Depois de pronto, o gasoduto da Bolívia terá cerca de 3 mil quilômetros, indo até o Rio Grande do Sul, com passagem por São Paulo, Paraná e Santa Catarina e ramificações para outros estados. A obra foi inicialmente orçada em R$ 2 bilhões, sendo 70% destinados aos serviços de construção e montagem. No entanto, como sempre acontece, acabará saindo pelo dobro, e a Petrobrás arcará com 80% do total.
Segundo a Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), a viabilidade econômica do gasoduto, em termos de volume transportado, partiria do patamar de 18 milhões de metros cúbicos normais de gás, por dia. Ao planejar-se a obra, o consumo total nas regiões Sul e Sudeste do Brasil era de apenas 5,5 milhões de metros cúbicos por dia, de modo que, para induzir rápidos (e perdulários) aumentos de consumo, os interessados no projeto exerceram fortes pressões a favor da instalação de usinas termelétricas a gás natural.
As justificativas pseudo-técnicas para essas pressões deveriam ter sido analisadas racionalmente e com muito cuidado, pois a segunda lei da termodinâmica e as perdas intrínsecas limitam em 40% a eficiência prática das termelétricas, fazendo com que menos de metade do gás transportado seja útil, dissipando-se o restante na atmosfera, sob a forma de calor. Portanto, teria sido muito mais econômico que as usinas ficassem nas proximidades das reservas de gás; para que a energia gerada fosse, então, transportada por linhas de transmissão que, salvo pequenas interligações, já existem. Contudo, sob o peso dos lobbies da empresa norte-americana Enron e dos fornecedores e empreiteiras interessadas no projeto, a racionalidade e o interesse nacional ficaram em segundo plano.
Quanto aos suprimentos de gás para utilização em processos térmicos (usos industriais e residenciais), a Aepet considera que, pelo menos nos próximos anos, o gasoduto seria ocioso, já que, por falta de demanda, a Petrobras mantinha fechados alguns poços na Bacia de Campos, perdendo cerca de 2 milhões de m³/dia.
Mais inquietantes porém são as implicações estratégico-comerciais do projeto. Com efeito, do lado boliviano, a firma Enron controla a empresa fornecedora do gás, enquanto do lado brasileiro a Petrobrás associou-se a grupos privados brasileiros e a empresas da estrangeiras (inclusive a mesma Enron), para implantar e explorar o projeto. Não é difícil prever que, com estas associações, será avassalador o poder de pressão da Enron para a imposição de condições que lhe sejam favoráveis, inclusive no tocante a preços do gás. Os estabelecimentos industriais que tiverem investido na conversão de seus sistemas para o uso do gás natural ficarão, portanto, à mercê de reajustes imprevisíveis.
Penso que essas razões teriam sido suficientes para que se reformulasse o projeto do gasoduto, segundo diretrizes estrategicamente mais favoráveis à indústria brasileira. Teria sido mais prudente, por exemplo, estimular-se gradativamente aumento do consumo, aproveitando-se, numa primeira etapa, o potencial gasífero das bacias de Campos e Santos. É importante assinalar que, para isso, os empreiteiros e fornecedores de equipamentos nacionais também seriam beneficiados com importantes volumes de encomendas.
Por fim, seria ocioso lembrar que a correta definição do timing para a realização de grandes projetos de infra-estrutura é decisiva para sua viabilidade macro-econômica e sua efetiva contribuição para o desenvolvimento do país. Infelizmente, no governo FHC, o timing dos grandes projetos é determinado pela avidez de banqueiros e investidores estrangeiros, e pela corrupção de certos mandatários, que recebem favores pessoais para ceder a tais interesses.
Joaquim Francisco de Carvalho
Foi coordenador do setor industrial do Ministério do Planejamento e engenheiro da Cesp. Atualmente é consultor no campo da energia e membro do Conselho Consultivo do Ilumina.