Conversamos sobre o mercado de shopping centers com Marcelo Rennó, diretor de operações e digital da Shoppings Sá Cavalcante.
Hoje a Sá Cavalcante possui 6 shoppings no seu portfólio: Ilha (MA) e Mestre Álvaro (ES), inaugurados em 2011; Montserrat (ES), 2013; Moxuara (ES), 2014; Rio Poty (PI), 2015 e Ananindeua (PA), 2017. Como se deu a formação desse portfólio?
Vamos dar um passo atrás para entendermos como começou a história da Sá Cavalcante Shopping Centers. Nós começamos com os shoppings Tijuca, no Rio de Janeiro, e Praia da Costa, em Vila Velha, Espírito Santo. Em 2010, houve uma decisão estratégica de vender o Shopping Tijuca para a BRMalls. Até hoje, essa operação foi uma das maiores vendas de shopping centers do Brasil e teve como objetivo a expansão do nosso portfólio através da venda de um grande ativo para a pulverização de novos ativos espalhados pelo Brasil em cidades onde exista demanda por shoppings centers, mas que ainda não eram atendidas na sua plenitude.
Nós começamos esse processo através do Maranhão. É importante destacar que a Sá Cavalcante começou no Maranhão como uma construtora e já tinha uma regional nesse estado. Em São Luís, nós encontramos um terreno que era espetacular e muito bem localizado e fizemos os estudos de viabilidade, que nos indicaram que esse terreno era o melhor lugar para a construção de um shopping na cidade.
Em paralelo, nós tivemos a oportunidade de fazermos o Mestre Álvaro, que seria o nosso segundo shopping no Espírito Santo, sendo que aqui nós tivemos uma estratégia diferente, pois nós queríamos aumentar a nossa capilaridade pegando cidades que fossem da Grande Vitória, mas que não fossem Vitória, que já possui um shopping consolidado que recebe um público de todas as outras cidades, como Serra, Vila Velha e Cariacica. A estratégia era abrir shoppings nessas cidades e reter suas populações, até porque essas populações são muito maiores que a população de Vitória. Nos anos seguintes, vieram os shoppings Montserrat e Moxuara.
Com relação ao Piauí, estado vizinho ao Maranhão, nós estávamos num momento onde o planejamento estratégico era de expansão de shoppings em áreas que tivessem alguma sinergia e que fossem praças que tivessem uma aceitação muito boa para a entrada de um novo shopping. Como nós não queríamos entrar numa praça que tivesse sobreposição, nós não queríamos abrir mais um shopping em São Paulo, Rio ou Curitiba. Nós queríamos ir para locais onde tivéssemos a oportunidade de entrar e construirmos um elo de relacionamento com a população para que quando novos players chegassem, o shopping mais antigo fosse o preferido.
Dentro dessas possibilidades, surgiu no estudo o terreno em Teresina. Essa é outra característica do grupo: nós não compramos o terreno apenas para fazermos o shopping, e sim terrenos maiores para que possamos fazer um empreendimento como um todo, como um masterplan de shopping, prédios comerciais e prédios residenciais. Como temos essa sinergia de uma incorporadora junto com a empresa de shoppings, nós sempre tivemos esse norte.
Quando nós ainda estávamos no ímpeto de crescimento, surgiu a possibilidade de Ananindeua. Nós escolhemos essa cidade, e não Belém, por causa da sobreposição. Quando nós fizemos a análise, nós vimos duas questões: a primeira é que Belém estava sobrecarregada com 5 shoppings; e a segunda é a característica de só se chegar à cidade por uma estrada. Como Belém é fim de linha, pois depois dela você só tem água e floresta, a última cidade antes de Belém é Ananindeua.
Quando nós vimos os dados de Ananindeua, como o volume de população e a capacidade de consumo que não estava sendo ocupada da maneira adequada e que estava indo para os shoppings em Belém, nós resolvemos criar essa barreira em Ananindeua. Como as pessoas das cidades do interior teriam que passar pelo nosso shopping antes de chegarem a Belém, nós entendemos que, estrategicamente, isso seria uma força muito grande, além de ficarmos numa área que já era muito adensada. Cabe lembrar que nesse mercado existe a máxima de que os três fatores mais importantes de um shopping center são: 1º, localização; 2º, localização; e 3º, mix.
Nós fomos muito assertivos nos nossos shoppings do Norte e do Nordeste, tanto que, atualmente, eles são os que trazem os melhores resultados para o grupo.
Como estão os shoppings Dutra e Plaza Guarulhos? Já há uma previsão para a inauguração?
Com relação ao Dutra, nós estamos bastante empenhados em retomá-lo. Eu não sei se faremos a movimentação comercial de relançamento em 2024, mas acredito que sim. O projeto de viabilidade foi refeito e validado, mesmo que a área tenha se adensado em número de shopping centers. Outro ponto é que apesar de estarmos em Mesquita, nós estamos, literalmente, na Dutra, ou seja, ao atravessá-la, nós estamos em Belfort Roxo, o último município brasileiro com mais de 400 mil habitantes que não tem um shopping center.
Atualmente, nós estamos iniciando as discussões sobre o modelo de financiamento. Se vamos fazer o investimento com capital próprio, dívida ou se vamos lançar algum fundo que contemple esse ativo.
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O Guarulhos tem uma situação um pouco mais específica. Ele era um shopping “vendido”, onde o antigo proprietário vendeu as unidades para os lojistas. É um pouco como funciona no Rio o Downtown, onde as pessoas são donas das unidades, não havendo um grande administrador que é dono do shopping como um todo. Lá atrás, a nossa estratégia era de irmos comprando as unidades, tanto que hoje nós temos em torno de 92% do empreendimento, sendo que precisamos completar os 100% para darmos os próximos passos.
Por mais que tenhamos caminhado bastante nessa direção, nós tivemos alguns proprietários que resolveram não vender e dificultaram as negociações ao máximo. Isso acabou coincidindo com a virada de foco da empresa, quando decidimos investir em outros ativos. Como nos ocupamos muito disso, nós tivemos um perfil de dívida muito agressivo que precisou ser readequado para que os investimentos pudessem voltar a ser feitos. Esse momento que estamos vivendo teria sido vivido em 2020, 2021, mas para nós o mundo parou em absoluto nesse período.
Quais são os principais desafios para se administrar um shopping atualmente?
Além dos tradicionais desafios de se administrar um shopping, com uma exposição muito grande ao risco pelo volume de pessoas que passam pelos nossos shoppings, sendo que apenas no ano passado foram 42 milhões de pessoas, eu diria que, atualmente, o maior desafio é encontrar a essência e o propósito de um shopping para que ele possa continuar sendo relevante nos próximos anos, pois é cada vez mais fácil para o consumidor fazer uma compra sentado de casa, já que esse mercado nada mais é do que alugar metro quadrado oferecendo pessoas passando na frente.
Nós estamos trabalhando muito na experiência do cliente, com atrações cada vez mais fortes para que ele opte por vir ao shopping, e na criação de relações afetivas das novas gerações com o shopping, pois a lógica do shopping se inverteu nos últimos anos. Antes, você ia ao shopping exclusivamente para comprar. Hoje, você vai ao shopping a passeio e acaba comprando.
Fora isso, nós temos o relacionamento com os lojistas, que estão cada vez mais se concentrando em grupos para se tornarem mais fortes e terem mais relevância. Recentemente, nós vimos a fusão da Arezzo e do Grupo Soma, da mesma forma como ocorre no mercado de shopping center, onde tivemos a fusão da BRMalls e da Aliansce para formação da Allos. Isso faz com que o relacionamento com o lojista tenha que ser cada vez mais sincero, transparente e de sociedade, pois um existe em função do outro.
Marcelo, como você é diretor de Operações e Digital da Sá Cavalcante, você poderia explicar o que é esse “digital”, pois eu não faço a menor ideia do que seja isso quando se fala de um shopping?
O natural é que as pessoas associem o digital ao e-commerce, só que não é só isso. A minha diretoria é Operações e Digital, pois nós não queríamos desassociá-las, já que o nosso objetivo é que o digital estivesse dentro do real, da operação do shopping. Por exemplo, a captação de lojistas para um shopping é feita, normalmente, com executivos comerciais locais ou com uma estrutura de key-accounts que ficam nas principais praças para conversar com as principais marcas. Essa estrutura era ativa apenas no mundo físico, e não no digital. Se uma pessoa quisesse abrir uma loja num dos nossos shoppings, ela acessava o nosso site, pegava o nosso contato e nos ligava.
Como não havia uma captação ativa e digital de leads, nós invertemos essa lógica há dois anos quando criamos uma plataforma que nos possibilitou fecharmos, nesse período, 100 contratos. No nosso site, há uma área comercial, que uma vez acessada, informa duas ou três lojas vagas, com estimativa de investimento e os segmentos que funcionam nelas. O cadastro é feito através de um chatbot e o lead chega direto para o executivo, já classificado dentro um funil como quente ou não. Com isso, nós agilizamos a captação de lojistas através do digital.
Depois disso, nós fomos às marcas e dissemos que tínhamos uma plataforma de captação de interessados em ter uma loja nos nossos shoppings, mas que muitas vezes nos diziam que não sabiam no que investir. Assim, as marcas entraram no projeto e hoje nós informamos no site as lojas disponíveis e as marcas que já estão aprovadas para elas. Dessa forma, nós agilizamos o processo para a pessoa que quer investir, para nós que queremos comercializar a loja e para a franquia que precisa de um franqueado para abrir a loja naquela praça.
Esse é um exemplo simples de atendimento comercial, mas o mais importante da minha área não é o digital online, e sim a estruturação de um data warehouse para que possamos transformar todos os pontos de contato dos nossos shoppings em capacidades para oferecermos aos nossos lojistas uma melhor performance em venda.
O que esse discurso bonito quer dizer na prática? Se uma pessoa vai ao shopping de carro, ela para numa cancela, e a placa do carro é registrada pelo sistema. Isso é um dado. Se a pessoa utiliza algum programa de fidelidade do shopping e cadastra uma compra para ter um benefício, nós temos um ponto de contato para sabermos em que loja ela comprou, o valor da sua compra e a data. Isso também ocorre nas promoções, como Natal ou Dia das Mães, em que as pessoas cadastram suas notas para que possam participar delas.
Quando nós começamos a somar todos esses pontos de contato, nós podemos começar a vinculá-los para que possamos saber quantas vezes uma pessoa vai ao shopping.
Extrapolando, nós acabamos de trocar todo o nosso parque de CFTV (Circuito Fechado de TV) e colocamos câmeras de mapa de calor, para sabermos os principais locais onde as pessoas estão passando, e câmeras de reconhecimento facial em todas as entradas. Como nós teremos uma base única de dados, o nosso objetivo é fazer com que quando uma pessoa entre no shopping, ela seja ativada através do seu telefone, caso ele esteja no nosso cadastro, através do nosso aplicativo, SMS ou Whatsapp, e receba um aviso de desconto numa loja onde ela comprou recentemente. Nós também terminamos de trocar todo o nosso parque de wi-fi para que possamos fazer mapeamento de calor e cadastro.
Todas essas ações digitais que envolvem dados, internet e inteligência artificial, e que estão linkadas ao e-commerce, estão voltadas para potencializar o mundo físico. O setor como um todo está investindo nisso e está bem animado, pois trata-se de uma possibilidade de personalização de atendimento muito grande. O shopping poderá falar com a pessoa que consome numa marca, sem que seja preciso lançar um spam para todo mundo. Será possível fazer no físico o que é feito no online. As lojas sozinhas não têm capacidade para fazer isso, pois elas não têm acesso a esses dados da porta para fora.
O primeiro passo para isso foi a estruturação do data warehouse, o celeiro pronto para que possamos jogar os dados e cruzar as informações de CRM, placas de veículos, imagens, programas de fidelidade e wi-fi. Se eu pego as bases separadas, eu não enxergo muita coisa, mas quando começamos a cruzar e achamos um ponto chave único, que na maioria das vezes é o CPF, nós começamos a pegar o mapeamento de consumo da pessoa para oferecermos o que ela precisa dentro do que temos para oferecer.
Como a Sá Cavalcante vê o futuro do shopping center?
Eu até já falei um pouco sobre isso na pergunta sobre os desafios. Para mim, o futuro do shopping é um mix muito mais diversificado do que estamos acostumados a pensar, muito mais focado na atração do cliente como entretenimento, para que a pessoa possa vir para o shopping como opção de lazer e ainda encontre possibilidades de consumo que estejam adequadas ao mix do shopping.
Cada vez mais a assertividade de mix será fundamental para o sucesso de um empreendimento. Não será apenas saber se a marca é boa, mas saber se essa marca é boa para o público que o shopping está atendendo. A personalização é o futuro do shopping center, mas isso só será possível através de dados para que se possa conhecer as pessoas.
Recentemente, eu estive na NRF (National Retail Federation) e vi que o varejo mundial tem esse entendimento. O evento contou com CEOs de marcas importantíssimas, de diferentes mercados, que entendem a importância de ter a loja física como ponto de contato e a relevância dos shoppings serem centros para isso.
No Brasil, nós temos mais atributos que defendem esse mercado do que os Estados Unidos, onde as cidades têm um centro com as pessoas espalhadas em torno dele. Aqui, como nós temos tudo muito adensado, nós temos a possibilidade de termos um mercado muito pujante durante muito tempo ainda. Não é à toa que estamos com tantas movimentações de fusões, aquisições, fundos de investimento se especializando nesse setor e recomendações positivas para papéis de operações de shoppings listados em Bolsa. Nós temos um norte interessante pela frente.