Conversamos com Jason Vieira, economista do portal e do canal Moneyou (Youtube), sobre a Selic, a mudança de expectativa do mercado desde o início do ano e a relação da presidência da república com o próximo BC, que assume em janeiro de 2025. Nesta semana, o Copom decidiu, por unanimidade, manter a Selic em 10,5%.
No último Focus de 2023, o mercado tinha a expectativa de que a Selic fosse terminar 2024 em 9%. Atualmente, o mercado futuro já está indicando aumentos da Selic ainda em 2024. O que aconteceu?
Lá atrás, houve um erro de percepção do mercado, que confundiu eventos que estavam acontecendo nos Estados Unidos com o que poderia acontecer no Brasil. O ano foi aberto com uma percepção mais positiva em relação à inflação nos Estados Unidos e a possibilidade do início do ciclo de afrouxamento monetário em maio.
A minha crítica começou naquele momento. Primeiro ponto: a inflação americana ainda não tinha dado sinais de arrefecimento, o que fazia com que a base para que se fizesse uma assunção de futuro fosse frágil. Segundo ponto: o mercado estava achando que o arcabouço fiscal, que tinha sido aprovado, seria cumprido, e já havia sinais de que isso não iria acontecer.
Um ponto importante é que o Focus, muitas vezes, é mais um reflexo do sentimento do mercado em um momento específico do que projeções em si. Se você usá-lo como uma medição de sentimento de mercado, ele fica muito melhor do que uma produção de indicadores econômicos. Nas minhas projeções, a inflação e a Selic eram maiores e o PIB menor. Eu tenho isso registrado. A Selic não ia romper 9% de jeito nenhum em 2024, pois não havia condições para isso. O mercado exagerou tanto que chegou a falar no rompimento desses 9%.
Esses erros acontecem porque, muitas vezes, os economistas, principalmente de grandes instituições, sofrem muita pressão das áreas de negócios, ou seja, alguns deles não estão sendo isentos. Uma mesa de operação, que tem uma postura mais agressiva, pode cobrar o economista que está muito fora da curva do mercado. Cobra, e cobra mesmo, pois eu já passei por cobranças semelhantes, mas nunca me rendi a elas. Quando isso acontecia, eu pedia para que me cobrassem no final do ano. Isso porque o tempo da mesa é muito diferente do tempo do economista.
Um economista precisa ter uma visão mais fria e mais pragmática do que está vendo para que não seja influenciado pelo trader. Se isso acontecer, ele erra a projeção. Isso aconteceu muito no início do ano: um conjunto de projeções de mercado excessivamente otimistas em relação ao Brasil e aos Estados Unidos, mesmo com o Fed apontando que não ia cortar os juros.
Essa questão da insistência também acontece nos Estados Unidos. Quando a renda fixa pesa demais contra a renda variável, os traders começam a forçar a situação para que o Fed baixe os juros. O problema é que a realidade se impõe. A inflação estava muito alta e os dados de atividade econômica estavam muito aquecidos. Não adiantava falar que o Fed tinha que cortar juros naquele cenário, pois não havia condições para se fazer isso.
Quando isso acontece, a pessoa para de projetar e passa a desejar. Aqui eu entro na questão da curva que está dizendo que os juros vão subir. A curva não projeta movimento de juros. Ela reflete os anseios de curto prazo das mesas de operação. Não é porque a curva está apontando uma alta de juros que ela vai acontecer. Isso porque as tensões no mercado, principalmente em relação à questão fiscal, acabam se refletindo no quanto o dinheiro vai custar no futuro, o que faz com que o dinheiro fique, efetivamente, mais caro.
Como o Banco Central faz política monetária, ele não deve seguir a curva de juros. Ele só deve se tornar um observador da curva quando uma distorção fica muito grande, mas, nesse caso, nós deixamos de ter uma distorção e passamos a ter uma desancoragem, que é consequência de projeções pioradas de inflação, fiscal e crescimento econômico.
Em março, quando o mercado entendeu que o Fed não ia cortar juros, as atenções se voltaram ao Brasil e teve início a luta do governo com a questão fiscal. Em maio, com menos de um ano, veio o descumprimento da meta. Foi nesse momento que o mercado disse “opa, erramos” e as curvas começaram a virar. Como o BC já estava atento, nós tivemos a primeira divisão de decisão de política monetária.
O Brasil segue, insistentemente, nas principais colocações do ranking mundial de juros nominais e, principalmente, de juros reais que você faz. Que mensagem essas informações estão passando?
Em qualquer lugar do mundo, a taxa de juros real passa uma mensagem para o pretenso investidor de renda fixa. Ela acaba sendo utilizada de maneira política, mas os juros reais, principalmente o ex ante, ou seja, taxas futuras com projeções de inflação, que hoje está em 7,36%, significam que se você investir hoje na renda fixa, descontada a inflação projetada, pode ser que você ganhe 7,36% em 12 meses. Se você aplicar o seu dinheiro na renda fixa americana, se a projeção de inflação estiver correta, você pode ganhar 1,75% em 12 meses. Isso porque a inflação come os seus rendimentos. É apenas isso que os juros reais querem dizer. Não há um significado oculto, pois a taxa de juros real não fala sobre o custo do dinheiro, que é nominal.
A taxa de juros reais diz se nós somos, em termos de investimentos internacionais, atraentes quando comparados aos nossos pares. Essa mensuração também é risco. Por exemplo, enquanto o Brasil ficou na terceira colocação no ranking, a Rússia ficou em segundo. Aqui fica a pergunta: você vai colocar o seu dinheiro na Rússia ou no Brasil?
Outro ponto: em junho, o Brasil tinha juros reais de 6,79%, mas em julho ele subiu para 7,36%. Por que os juros reais subiram se o nominal ficou igual? Porque a projeção de inflação para 12 meses caiu. A queda dessa projeção gerou uma ganho de juros reais.
A culpa da taxa de juros ter ficado mais alta não é do mercado e nem do BC, e sim do governo. Quando o governo gasta muito, ele precisa se financiar através de juros, e para isso ele precisa emitir mais moeda, e toda vez que isso acontece, ele reduz o valor do conjunto econômico, o que chamamos de dinheiro. Quando isso acontece, a inflação sobe.
Em maio, o Copom se dividiu sobre o tamanho da redução da Selic. Em junho e agora em julho, o comitê foi unânime em manter a Selic em 10,5%. Isso com parte da diretoria já indicada pelo atual governo. Considerando a troca da presidência do BC e de parte da diretoria em janeiro do próximo ano, como você acredita que será a relação da presidência da república com o BC?
O BC é uma das melhores instituições públicas do país, prezando pela excelência técnica e acadêmica. Quando alguém entra no BC, é mais fácil essa pessoa se envolver com a tecnicidade e o academicismo que existem dentro da instituição do que o contrário. A pessoa que entra não influencia o BC, ainda que se possa ter toda uma diretoria não formatada pela instituição. Por exemplo, o governo não está mais satisfeito com o Galípolo.
Como há uma tecnicidade muito grande no BC, quando uma pessoa é apresentada a estudos e projetos muito bem embasados, fica difícil refutar com ideias mirabolantes. É por isso que há uma dificuldade para que elementos externos influenciem o BC. Talvez, o único caso que tivemos na história recente tenha sido o de Alexandre Tombini, que cortou os juros quando a Dilma mandou.
O Meirelles não fez isso. Durante o Plano Real e a Ditadura, os presidentes do BC não fizeram isso. O BC não tinha uma Independência institucional, mas tomava suas decisões com base em premissas técnicas. Nós tivemos BCs que equilibravam o que ministérios da Fazenda faziam. Se havia excesso de gastos, o que gerava hiperinflação, o BC respondia com juros mais altos, independente de quem fosse o governo.
Mesmo que a diretoria atual tenha sido nomeada pelo atual governo, o BC possui pessoas de gabarito técnico. Isso me dá esperança, pois independente de quem seja o BC, a eterna briga do governo com a instituição vai continuar. Eu não vejo isso como problemático, a não ser que coloquem pessoas com alto teor político lá dentro que acabem por atrapalhar. Essas pessoas podem se tornar elementos disruptivos no trabalho do BC.
Na sua percepção, que deve acontecer com a Selic nas próximas reuniões do Copom?
Eu vejo o BC mantendo a Selic inalterada até o primeiro trimestre de 2025. O problema é que o Fed disse nesta semana que não vai cortar os juros nos Estados Unidos em setembro, o que piora a relação do câmbio e, consequentemente, a situação do Brasil. A questão é que quando o câmbio sobe, ele ganha novos suportes.
Quando o governo começou uma reforma muito ruim, ele criou novos níveis de dólar, e quando ele fez isso, ele dificultou o trabalho do BC. Entre o que o governo está sugerindo e o que o mercado acha que ele está prometendo, esse dólar pode ficar mais alto, o que pode gerar mais inflação e dificultar, ainda mais, o trabalho do BC. Ou seja, nós estamos tão dependentes do corte de juros nos Estados Unidos quanto os próprios investidores.
Cada vez mais, nós temos que ficar atentos aos Estados Unidos e ao fiscal aqui. Se o governo fizer a sua parte, beleza, não vai haver tanta influência dos Estados Unidos caso tenhamos um problema. Agora, se o governo voltar a escorregar no discurso e na retórica, ele vai criar um problema e pode levar o dólar a R$ 6, dificultando cada vez mais o trabalho do BC.