O mito Silvio Santos

Silvio Santos, ícone da TV brasileira, deixa legado de 60 anos de carreira e o Brasil em luto oficial. Por Paulo Alonso.

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Silvio Santos comanda a apresentação de seu 'Programa do Silvio Santos', no SBT — Foto: Lourival Ribeiro/SBT/Divulgação
Silvio Santos comanda a apresentação de seu 'Programa do Silvio Santos', no SBT — Foto: Lourival Ribeiro/SBT/Divulgação

O Brasil vem sofrendo, nos últimos tempos, com mortes de importantes atores, cantores, escritores, poetas, atletas, artistas plásticos, profissionais liberais dos mais relevantes e políticos de todos os matizes. Jamais, todavia, se verificou nos noticiários, e em todas as emissoras de televisão, jornais, rádios e, agora também, nas redes sociais, divulgação tão impressionante como a que ocorreu, a partir de sábado, dia 17 de agosto, quando o Hospital Albert Einstein, em São Paulo, divulgou o falecimento do apresentador e empresário Silvio Santos, aos 93 anos.

A trajetória de Silvio Santos foi objeto de reportagens ao longo de 48 horas seguidas, sábado e domingo, e de exibição de programas sobre sua vida e obra, com depoimentos de famosos, de fãs clubes e de anônimos. O Brasil decretou luto oficial de 3 dias, e o Governo do Estado de São Paulo, 7 dias, e o do Rio de Janeiro, 3 dias. 

Silvio Santos foi, sem dúvida, o maior comunicador de todos os tempos e esteve na telinha por mais de 60 anos, alegrando os lares das famílias, aos domingos, com atrações das mais variadas. Sempre alegre e de bem com a vida, carismático e criativo, Silvio Santos, nascido Senor Abravanel, deixa um legado impressionante de trabalho e milhares de brasileiros enlutados com a sua partida.

É impossível falar de Silvio Santos sem pensar em seus inúmeros bordões. “Quem quer dinheiro?”, “É com você, Lombardi” e até o famoso “Maôê” estão no imaginário coletivo de quem cresceu assistindo à TV brasileira nas últimas décadas. Frasista, ele repetia, com frequência, “se ganha dinheiro com 10% de inspiração e 90% de transpiração”; “se você fizer aquilo que a sua intuição manda, usando bom senso e deixando de lado a vaidade, você tem toda as possibilidades de ter o seu objetivo”; “só não consegue o objetivo quem sonha demasiado; quem pretende dar o passo maior do que as pernas; quem acredita que as coisas são fáceis. Todas as coisas são difíceis, elas precisam ser lutadas”.

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E essas frases e muitos outros pensamentos que externava em seus programas foram repetidos nesses últimos dias, por amigos e admiradores.

Silvio Santos foi um descobridor de talentos e um incentivador das carreiras de pessoas que, por vezes, começaram em seu programa de auditório tentando exibir alguma vocação. E ele, com olhar atento e generoso, via possibilidades de crescimento e dava oportunidades reais de novas conquistas. Foi, segundo numerosos funcionários ouvidos, um bom patrão, que zelava pelo conforto e pela segurança dos que com ele trabalhavam.

Ao contrário de outros empresários vaidosos, Silvio Santos era um homem simples, talvez porque tenha começado sua vida como ambulante e camelô, vendendo, na Lapa, bairro em que morava, carteiras plásticas para títulos de eleitor, canetas Bic e balas. Comunicativo e naquela ocasião, não existia a Ponte Rio-Niterói, ela usava as barcas para fazer a travessia da Baía de Guanabara. Observava que as pessoas que faziam esse percurso estavam com ar triste ou melancólico. Resolveu, então, instalar caixas de som em algumas dessas embarcações, com músicas tocando, para alegrar os que tinham de viajar nas barcas. Além disso, criou o que hoje poderíamos chamar da talk show, conversando com os viajantes, que contavam suas histórias e ansiedades.

Filho de um casal judeu, mãe turca e pai grego, e com vários irmãos, ele sabia que tinha de ganhar a vida para ajudar a sua família e, obstinado, foi à luta. Inscreveu-se, aos 18 anos, em um programa de rádio, para atuar como locutor, na Rádio Guanabara. E aí começa a trajetória desse que se tornaria um dos mais influentes homens públicos e um dos mais importantes empresários da comunicação social do Brasil.

Com muita luta, garra, resiliência, perseverança e sorte, como ele próprio gostava de ressaltar, não parou mais. Com seu vozeirão, conquistava os corações, principalmente do público feminino, já tinha um quê de artista, uma bela estampa.

Resolveu se mudar para São Paulo, aos 20 anos, onde apresentaria espetáculos e sorteios em caravanas de artistas. Nessa ocasião, já na Rádio Nacional, conheceu aquele que seria o seu grande anjo de guarda, Manoel da Nóbrega, que criara a Praça da Alegria, mas que se encontrava com dificuldades para administrar uma empresa que fundara, o Baú da Felicidade, que vendia brinquedos por prestações em carnês mensais. A amizade se consolidou entre os dois, e Nóbrega verificou que Silvio tinha visão de negócios, era inteligente e sagaz. 

Em 1962, ele passa a controlar o Baú da Felicidade, criando o Grupo Silvio Santos. E sua entrada na telinha, na TV Paulista, teve como estratégia justamente vender o Baú. Ele comprava horários da televisão e comercializava o seu negócio. Em 1963, ele adquire parte da programação da TV Paulista e estreia o Programa Silvio Santos. Dois anos mais tarde, a TV Globo compra o espólio da TV Paulista, com o programa do apresentador indo ao ar somente em São Paulo. Em 1969, o programa ganha a rede nacional.

Em 1975, ele consegue ter sua própria televisão, batizada de TVS, sendo substituída mais tarde, no início da década de 1980, pelo SBT. A partir daí, Silvio Santos ganharia fama nacional e acabaria por se tornar um homem popular, se firmando como parte importante da história da televisão brasileira, como declarou Boni, o todo ex-poderoso da Rede Globo.

“Domingo no parque”, “Topa tudo por dinheiro”, “Qual é a música”, “A porta da esperança” e “Cinderela” foram algumas das atrações ou quadros de grande sucesso e imensa repercussão. Mas foi o “Show de calouros”, com Araci de Almeida, Pedro de Lara, Sonia Lima, Nelson Rubens, Sérgio Mallandro, Sonia Abrão e Decio Piccinini como jurados, que é o formato até os dias atuais mais lembrado.

Silvio Santos é tema de várias biografias, como a escrita pelo biógrafo Fernando Morgado, A trajetória do Mito, e uma das mais relevantes e atuais, além de documentários e de um filme que será lançado, agora em setembro, com Rodrigo Faro vivendo o apresentador.

Silvio Santos foi o mestre maior das brincadeiras no auditório, conquistando tudo na comunicação, dando sentido à expressão animador e criando bordões que acabaram se incorporando à língua portuguesa.

Afastado da televisão desde 2022, suas filhas Cintia e Silvia, do casamento com Cidinha, que morreu de câncer em 1977, e Daniela, Patricia, Rebeca e Renata, da união com Íris Abravanel, estão no comando das empresas e cada uma exerce sua função no SBT, seja nas câmeras, seja nos bastidores.

Silvio Santos foi gigante e ele sempre cunhava a frase que “o sorriso é a melhor arma para inspirar confiança. O homem que sorri é um homem confiante, de quem toda gente gosta”. E como homem pobre que foi, dizia também com assiduidade, dando valor ao que conquistou, “não tenha vergonha de usar a mesma roupa, não ter um bom telefone ou ter um carro velho. Vergonha é viver de aparências tentando mostrar aos outros o que não é”.

E esse homem que está sendo tão mencionado por apresentadores como Faustão, Luciano Huck, Ana Maria Braga, Carlos Alberto de Nóbrega, Angélica, Cezar Filho, Eliana, Larissa Manoel e uma multidão de pessoas com as quais ele trabalhou, partiu, tendo cumprido o seu destino, construído imensas pontes e deixado um trabalho invejável e verdadeiras lições de vida, com ensinamentos dos mais profundos.

Afinal de contas, ele era um otimista e não tinha medo das coisas, pois pregava que o “importante é competir. Se vencer, não importa. A única razão de eu ser empresário são as emoções que isso me dá.” E convicto da presença de Deus, afirmava “quando o ser humano está com a razão, Deus é o seu advogado. Quem tem razão, forte ou fraco, vence sempre.”

Silvio Santos nos deixou, mas um conselho maior fica nas nossas mentes e em nossos corações para sempre: “Do mundo não se leva nada. Vamos sorrir e cantar!”

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula

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