O nacional trabalhismo e o novo PTB: acréscimos indispensáveis

Nacional trabalhismo, a história política brasileira e o impacto da educação na formação nacional. Por Pedro Pinho.

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Oscar Niemeyer, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro discutem projeto dos Cieps
Oscar Niemeyer, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro (foto acervo Fundar)

No artigo anterior, nesta página “Opinião” do Monitor Mercantil, intitulado “O nacional trabalhismo na refundação do Partido Trabalhista Brasileiro”, apresentamos as forças que se opuseram à Soberania e à Cidadania brasileiras, que começaram no golpe fracassado de 1932 até chegar à nova tentativa, igualmente fracassada, dos bolsonaristas em 2022.

Faltou, no entanto, demonstrar a articulação antinacional e anti-trabalhista que envolveu interesses estrangeiros, misturados com escravistas e rentistas nativos, que dominaram o poder no Estado Nacional Brasileiro desde a Proclamação da República.

Diferentemente da América Espanhola (Nova Espanha, Nova Granada, Vice Reino do Peru, Região Platina e Chile) que conquistou a Independência em lutas contra a Espanha e, ora guerreando independentemente, ora juntas, separando-se após derrotarem os espanhóis, de 1810 até 1850 – exceto a Colômbia que se desmembrou da Grã-Colômbia em 1886 – porém todos novos países optaram pelo modelo de governança republicano, o Brasil nem mesmo se tornou independente em 1822, pois foi mantido o modelo monárquico e com a mesma família que governara na Colônia e prosseguia após a Independência. Ou seja, o poder que, desde a fuga da família real portuguesa das tropas napoleônicas, era devedor dos ingleses, assim continuou após 1822. E, como é evidente, toda estrutura de poder era dominada por escravistas, rentistas ou exportadores de produtos primários, além dos banqueiros ingleses.

Pode-se entender que a primeira manifestação de autonomia nacional ocorreu com a Proclamação da República (1889), devida a dois militares, o alagoano Floriano Vieira Peixoto (1839-1895) e o niteroiense Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836-1891).

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De acordo com o historiador Manolo Florentino, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Floriano Peixoto “é o típico caboclo brasileiro, índio misturado com negro”. Simbólica ocupação do poder pelos miscigenados, população dominante no Brasil.

Benjamin Constant, intelectual positivista, foi militar, engenheiro e professor, que deixou marcas na História do Brasil por ter criado a Escola Normal da Corte, o primeiro ministério da educação, o Ministério da Instrução Pública, Correios e Telégrafos, pelo decreto nº 346, de 1890, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos que passou a se chamar Instituto Benjamin Constant, além de ser considerado o inspirador do tenentismo, ocorrido na década de 1920.  Ou seja, colocou na tutela do Estado a instrução, que era, até então, privada.

No início da República, o Brasil era país eminentemente rural (60% da população), com taxas de analfabetismo da ordem de 75% da população. O cenário de analfabetismo, até bastante homogêneo, com índices muito próximos do Norte ao Sul, excetuava-se na cidade do Rio de Janeiro, onde a taxa se aproximava dos 45%.

Não apenas no Brasil, embora aqui seja a verdadeira política do poder, que pouco se alterou desde a chegada de Tomé de Souza até a presidência de Getúlio Vargas, mas pela América Latina onde o interesse estrangeiro sempre foi preponderante, a educação em poucos momentos foi o projeto dos governantes.

Teve o Brasil o interregno de Floriano e Benjamin Constant, logo retrocedeu com a República Velha, onde a aristocracia rural, escravista, e os rentistas criaram sua narrativa do atraso.

Nelson Piletti (“História da Educação no Brasil”, editora ática, SP, 7ª edição, 2008) escreve: “esconder e camuflar a realidade sempre teve o recôndito propósito de mantê-la como fonte de privilégios para alguns. Dessa forma a suposta crença no poder mágico das leis – segundo Anísio Teixeira, “a lei era algo mágico, capaz de subitamente mudar a face das coisas” – revela uma persistente tendência: muda-se a lei para não mudar a realidade; atende-se retoricamente aos reclamos por sociedade mais justa, ao mesmo tempo em que, na prática, persistem as injustiças”.

Por que esta irrealidade é assimilada tão facilmente pelos povos? Em especial pelos brasileiros? Responde Darcy Ribeiro:

na educação pública somos piores do que o Paraguai e a Bolívia. Falo desses países-irmãos não só porque são pobres, mas porque em ambos a língua da população é uma e a língua da escola é outra. Como é que eles conseguem levar mais crianças à 4ª série primária do que nós? Por que nós, que fomos capazes de fazer indústrias e cidades e façanhas mais como essa Brasília, não fomos nem somos capazes de fazer essa coisa elementar: ensinar todos a ler, escrever e contar? Nosso objetivo no Rio de Janeiro é criar a escola pública que o Uruguai tem desde 1850.

(Darcy Ribeiro, “O Brasil como Problema”, Francisco Alves Editora, RJ, 1995)

O que é a instrução? Ler, escrever, contar como escreveu nosso sábio antropólogo, político, educador? Claro que não, e Darcy o sabia muito bem.


Para que se educa

Não faltaram ao Brasil pedagogos, educadores que se notabilizaram não apenas no País, mas no exterior, como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, Paulo Freire, os signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova de 1932 (“Manifesto”), onde encontramos empresários (Júlio de Mesquita Filho), juristas (Hermes Lima), políticos (Atílio Vivacqua), escritores (Cecília Meireles), diplomatas (Delgado de Carvalho), médicos (Edgard Roquette-Pinto), jornalistas (Raul Rodrigues Gomes), psicólogos (Raul Carlos Briquet), militar (Jean Pierre Fontenelle), entre outros interessados e dedicados à educação.

O que nos faz, no entanto, o país atrasado, inculto, facilmente manipulável como o brasileiro? O Manifesto citado começa com uma verdadeira profissão de fé: “Na hierarquia dos problemas nacionais, nenhum sobreleva em importância e gravidade ao da educação. Nem mesmo os de caráter econômico lhe podem disputar a primazia nos planos de reconstrução nacional”.

Educar é atividade complexa que deve levar à independência do educando, seja uma criança ou um povo. Educa-se para ser livre, isto é, capaz de entender as realidades e saber encontrar respostas que atendam a solução dos verdadeiros problemas. Por que o “Manifesto” não é um documento exclusivo, específico de professores? Duas respostas não mutuamente excludentes ensejam a resposta. O magistério não congregava suficiente número de reconhecidas personalidades para empolgar a classe média neste início da República. Ou a educação já despontava como uma necessidade tão gritantemente ausente do Poder do Estado que pessoas das mais diversas profissões por ela clamavam.

E, vem daí, sob diversos subterfúgios, diversas farsas, o conjunto sempre bem articulado de fantasias, onde a religiosa se destaca, que afasta do conhecimento as pessoas, independente dos graus e tempos de aprendizagem.

O primeiro passo é conhecido desde o Manifesto de 1932: “a educação deve ser essencialmente pública, obrigatória, gratuita, leiga e sem qualquer segregação de cor, sexo, tipo de estudo e desenvolver-se em estreita vinculação com as comunidades”.

Os professores devem ser os profissionais mais respeitados, melhor assalariados, para o que farão jus com a permanente atualização, dedicação ao saber.

E, como Darcy buscou em nossos vizinhos sul-americanos um termo de comparação, pedirei a compreensão do leitor para um exemplo pessoal.  Em 1986 fui contratado pelo Secretariado das Nações Unidas (ONU) para dar consultoria à República de Gana no projeto de “Planejamento Estratégico e Construção Institucional” para o segmento da energia. Já havia trabalhado em outras repúblicas africanas em projetos semelhantes e acumulara a experiência que me ensinara sempre atentar para as realidades locais, não me iludir com ideologias globais, fossem laicas ou religiosas. Após cinco meses viajando pelo país colhendo informações, elaborei rascunho das minhas conclusões e o submeti ao Reitor da Universidade de Gana, professor Addae, designado meu contraparte no projeto. Ele era doutor em universidade estadunidense em física ou química e o trabalho era econômico e administrativo organizacional, o que me levou a apresenta-lo, a seu pedido, na reunião de profissionais de organismos semelhantes aos nossos IPEA e FGV. Consegui atender aos questionamentos e recebi aprovação daquela plateia. O Coordenador do evento dirigiu-se ao Reitor e disse que me saíra muito bem nos questionamentos. O Reitor respondeu: “ele é um professor”. Se este fato tivesse ocorrido na Alemanha, não me surpreenderia, mas deixou-me muito confiante no desenvolvimento do projeto saber que não só um professor fora escolhido para ser o responsável ganense junto à ONU, como os professores lá recebiam esta avaliação, tão diferente da que, ainda hoje, os cerca no Brasil.

A ignorância foi sempre cultivada no Brasil, mesmo entre os detentores da parcela de poder atribuída aos nativos. Rodrigo de Sá Netto (“O Partido da Fé Capitalista”, daVinci Livros, RJ, 2024) descreve sob a ótica do domínio religioso, Miguel Nicolelis (“O Verdadeiro Criador de Tudo”, Editora Planeta, SP, 2020), partindo da neurologia desenvolve a questão comunicacional, Sheila de Castro Faria (“A Colônia em Movimento: fortuna e família no cotidiano colonial”, Nova Fronteira, RJ, 1997), sob as relações sociais e políticas da escravidão, Nelson Werneck Sodré, em diversos trabalhos (exemplificando com “Raízes Históricas do Nacionalismo Brasileiro”, ISEB, RJ, 1960) focando as relações sob o viés nacionalista e da luta de classe, Rubens Casara (“A Construção do Idiota”, daVinci Livros, RJ, 2024) no que denomina “o processo de idiossubjetivação” e tantos outros que demonstram o mascarar da realidade pelos discursos.

Manuel Bergström Lourenço Filho, signatário do “Manifesto”, publicou, em 1961, pela Edições Melhoramentos, o 5º volume de suas Obras Completas, tratando da “Educação Comparada”. São descritos dez sistema de ensino adotados na Argentina, nos Estados Unidos da América (EUA), na França, na Índia, na Inglaterra, na Itália, no Japão, no México, na República Federal Alemã (RFA), e na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Sete países apresentam de 14 a 17 anos de ensino fundamental, do jardim de infância ao último do nível médio. A França (18) e os EUA (20) superam este tempo. A Índia não tinha legislação prevendo a escola maternal ou jardim de infância, à época da conclusão do levantamento de Lourenço Filho (1956). Também no Brasil, na década de 1950, não eram abundantes os Jardins de Infância ou Pré-primários. Na França e na Itália, era acrescido um ano para os que seguiam a Escola Normal e a Escola de Música/Belas Artes, mas ficavam no intervalo dos sete países.

Os EUA iniciavam o ensino com crianças de dois anos, pois naquele país era comum os pais (marido e mulher) trabalharem. Um aspecto importante do trabalho de Lourenço Filho foi a amplitude do estudo, envolvendo países de diferentes níveis econômicos, tradições culturais, populações e o ocidente e oriente.

Porém esta situação descrita no “Educação Comparada” começa a se alterar a partir dos avanços obtidos nas participações no poder pelo neoliberalismo financeiro a partir da década de 1970, o que se denominou “crises do petróleo” e na atuação de Deng Xiao Ping, introduzindo as relações capitalistas na República Popular da China (1978-1992). Seguir-se-ão, na década de 1980, as desregulações financeiras, com desdobramento a partir da conquista das importantes praças de Londres e Nova Iorque, culminando no fim da década (1989) com a divulgação da nova bíblia neoliberal: o “Consenso de Washington”.

Já na última década do século 20, vitorioso, o neoliberalismo financeiro tratou de aprofundar a fragmentação da antiga URSS, sua implantação nas Américas Central e do Sul, enquanto a China iniciava o processo de contenção do capitalismo com Zhao Zi Yang (1980-1989) e Jiang Zi Min (1989-2003).

A educação foi muito prejudicada no Atlântico Norte e em sua zona de influência no Atlântico Sul, no Oriente Médio e Eurásia.

O domínio neoliberal se deu com o recuo dos Estados Nacionais e avanço do poder financeiro apátrida. Nesta terceira década do século 21, sentimo-nos, brasileiros, como às vésperas de nova guerra mundial, como os europeus devem ter se sentido há 100 anos.

Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado.

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