O novo governo Trump e a economia dos Estados Unidos

Segundo William Castro Alves, Trump vai receber uma economia dos Estados Unidos que está indo muito bem.

241
William Castro Alves
William Castro Alves (foto divulgação Avenue)

Conversamos sobre o novo governo Trump e a economia dos Estados Unidos com William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue.

Como está a economia dos Estados Unidos que Trump vai receber?

A verdade é que a economia americana vai muito bem a despeito de todos os receios que havia. Voltando um pouco no tempo, Trump era presidente, veio a pandemia, que afetou a economia, gerando uma forte contração do PIB, e o governo emitiu cheques para as pessoas, jogando muito dinheiro na economia. Foi a mesma receita de 2008, mas com alguns expoentes elevados. Isso aconteceu no mundo inteiro, incluindo Brasil e Europa. Como a inflação “rampou”, e a economia voltou com força e pleno emprego muito rápido, o Fed teve que correr para subir os juros. Todo mundo passou a falar que haveria recessão, já que, quando se olha para trás, todas as vezes em que se aumentou os juros muito rápido, houve recessão. O ponto é que, dessa vez, não houve. Essa foi a grande novidade.

Posteriormente, nós tivemos a transição de Trump para o Biden, que assumiu com uma economia que já vinha em recuperação. No início do seu governo, Biden conseguiu passar o pacote de US$ 1,5 trilhão de investimentos em infraestrutura, o que gerou um grande gasto fiscal ao longo do seu mandato, mas que manteve a economia muito aquecida. 

Todo o receio de hard landing se dissipou e ninguém fala mais nisso. Recentemente, a Moody’s publicou uma pesquisa onde 75% dos entrevistados, essencialmente pessoas de mercado como gestores e investidores, disseram não acreditar em uma recessão em 2025, sendo que os outros 25% atribuem uma probabilidade muito baixa de isso acontecer. Se voltarmos no tempo, em 2022, todo mundo dizia que haveria recessão em 2023. Não houve. Em 2024, muita gente dizia que a economia ia desacelerar, indo para 1%, 0,5%, com os Estados Unidos parando, mas isso também não aconteceu.

Espaço Publicitáriocnseg

Agora, a projeção para o PIB do 4T24 indica um crescimento de 2,7%, um crescimento que chamamos de voo de cruzeiro, que vai de 2,5% a 3%; a inflação cedeu, depois de ter atingido a maior alta dos últimos 40 anos, sendo que agora ela está muito mais perto da meta do Fed, e a taxa de desemprego está relativamente baixa.

O Fed conseguiu o soft landing, o que era impensável, e Trump vai assumir uma economia que está indo muito bem, essa é a verdade.

Como a política tarifária que Trump está propagando deve afetar a economia dos Estados Unidos?

Aqui, nós vamos para o campo das especulações, que vão deixar de ser especulações muito em breve, quando Trump assumir a presidência na próxima segunda (20). Aparentemente, ele já tem 100 decretos prontos para serem assinados e começarem a valer a partir do primeiro dia, entre eles a política de tarifas. Ainda não se sabe, e isso faz muita diferença, qual será a magnitude e a amplitude das tarifas, que são coisas diferentes. Magnitude é a tarifação em 10%, 15%, 25% ou 50%, enquanto a amplitude é a tarifação de todo ou qualquer produto ou a tarifação de itens específicos, como alumínio ou chips.

Essas tarifas podem e devem gerar inflação, que, dependendo desses dois vetores, pode ser maior ou menor. Por exemplo, os Estados Unidos, em vez de tarifarem todos os produtos chineses, podem tarifar o alumínio e o aço chinês. Eventualmente, isso pode até ser benéfico para o Brasil, caso ele não seja tarifado, já que os Estados Unidos podem passar a importar o alumínio e o aço brasileiro, o que não, necessariamente, geraria um impacto inflacionário tão grande. Com relação a tarifação de produtos mexicanos, como o peso mexicano já caiu 20%, eles vão chegar nos Estados Unidos com o mesmo valor de um ano atrás, o que não vai fazer diferença alguma em termos de inflação.

Outro ponto: se um produto chinês, que custava US$ 10, foi tarifado em 60%, ele vai passar a custar US$ 16. Como o preço desse produto explodiu, isso vai entrar na inflação deste ano. Só que no ano que vem, o preço desse produto não vai saltar para US$ 22. A partir desse novo patamar de preço, esse produto, eventualmente, pode subir para US$ 16,5, o que seria uma inflação normal. Esse produto ficou mais caro, mas ele não vai ficar consistentemente mais caro todos os anos por conta da tarifação que foi feita. O efeito das tarifas tende a ser one-off, ou seja, ela joga os preços para cima, mas a partir dali eles continuam.

Obviamente, os exportadores que fornecem para os Estados Unidos vão tentar fazer com que os produtos cheguem, de alguma forma, com preços mais baratos. É por isso que os Estados Unidos pretendem tarifar o México, pois basta a China exportar para o México para que o produto vire mexicano e chegue aos Estados Unidos com uma tarifa menor. Agora, como a tarifa é sobre a China, e não Bangladesh, a produção pode ser jogada para Bangladesh.

Em Dzero, o impacto tende a ser inflacionário, mas não dá para dizer que a inflação americana vai explodir.

O segundo ponto é que Trump usa muito as tarifas como estratégia de negociação. Assim que ele falou que ia tarifar o Canadá, na semana seguinte o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, estava sentando com Trump, como se fossem melhores amigos, no jantar de Ação de Graças.

Trump joga as tarifas para negociar e tentar bases melhores. Foi assim no primeiro mandato, quando ele ficou ameaçando tarifar a China, caso ela não comprasse a soja dos Estados Unidos. Isso é um pouco do estilo Trump de ser.

Como os países que serão afetados pela política tarifária do Governo Trump devem responder aos Estados Unidos?

Se o Brasil for tarifado, faz sentido brigar com os Estados Unidos? Por exemplo, se os Estados Unidos tarifarem o suco de laranja brasileiro, faz sentido o Brasil tarifar um computador da Dell, que já é muito caro? Tarifar uma máquina da John Deere, que é utilizada pelo agro brasileiro? Na minha opinião, não, pois nós somos a ponta fraca.

O caso da China é um pouco diferente, já que os Estados Unidos são um comércio muito interessante, pois o país possui a principal economia do mundo que deriva de consumo. Fechar essa porta é muito perigoso. Assim, cada país vai buscar, dentro da sua soberania, e cada um do jeito, uma solução. O Xi Jinping não vai sair dizendo que também vai tarifar os Estados Unidos. Ele vai ficar com a sua poker face, como se nada estivesse acontecendo, e fazer o que sempre foi feito de forma pragmática: espalhar a sua produção por outros países para que ela chegue aos Estados Unidos.

Já no caso dos europeus, eles torcem o nariz para Trump. A social-democracia não engole Trump, mas isso tem mudado, pois a Holanda tem o Trump holandês (Dick Schoof); a Itália, a Trump italiana (Giorgia Meloni), e na França, (Marine) Le Pen não conseguiu, mas (Emmanuel) Macron também não vai bem. Outra questão é que a Guerra da Ucrânia deixou muito claro de que lado a China está, e como ela se comporta nesses cenários; que a Rússia é um perigo, e que, bem ou mal, os Estados Unidos são um aliado antigo.

Veja esse ponto: em 2008, o PIB da União Europeia era igual ao dos Estados Unidos, sendo que, atualmente, o PIB americano é 50% maior que o PIB de toda a Europa. É por isso que ao invés de tarifar por tarifar ou lutar contra os Estados Unidos, os europeus poderiam aprender um pouco com o que os Estados Unidos têm feito.

Como a condução econômica de Trump deve impactar a dívida pública dos Estados Unidos?

Esse é um problema antigo que ainda não foi endereçado. A última vez que os Estados Unidos tiveram um superávit fiscal primário, foi no primeiro mandato de George W. Bush (filho). Faz muito tempo que as contas do governo não fecham. Então isso não foi um problema de Trump, que gastou bastante durante a pandemia, ou de Biden, que não ajustou o problema.

As políticas tarifárias podem gerar alguma arrecadação, mas elas não vão resolver o problema. Por outro lado, o corte de impostos reduz a receita em Dzero. Todos os cenários projetados apontam para que a situação de desbalanceamento fiscal continue, o que é perigoso. Ainda mais agora com juro alto.

Em contrapartida, o futuro secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, é uma pessoa muito ciente do problema fiscal. Tanto que ele tem a ideia de uma política econômica 3-3-3: cortar o déficit público de 6% para 3%; crescer 3%, e extrair 3 milhões de barris de petróleo a mais por dia. Nisso, já está implícito que Trump, apesar de não ser um fiscalista, possui uma pessoa ciente do problema e que quer endereçá-lo. No Congresso, também há bastante gente falando disso.

Por mais que Trump não seja um republicano tradicional, historicamente, presidentes republicanos fizeram mais ajustes fiscais do que presidentes democratas. Se Trump conseguir fazer um ajuste fiscal, isso abrirá espaço para uma taxa de juros de longo prazo menor.

Em suma, no curto prazo, o cenário não é muito positivo, mas existe a intenção e a consciência de se fazer alguma coisa sobre o problema.

Os impactos do problema migratório dos Estados Unidos está sendo bem avaliado? Faço esse pergunta, pois imigração ilegal é imigração ilegal, e não imigração legal.

Durante a campanha, Trump conseguiu falar com imigrantes e filhos de imigrantes, tanto que foi eleito. Nas suas propagandas, sempre apareciam pessoas tipicamente imigrantes o apoiando, e ele teve um forte apoio em diversos estados que receberam muitos imigrantes, mas durante a campanha havia muita crendice de que Trump iria expulsar os imigrantes. Ele fala disso, mas é um absurdo pensar na expulsão 13 milhões de imigrantes ilegais dos Estados Unidos, o que teria um custo econômico gigantesco, não só para mandá-los embora, mas em decorrência da sua retirada do mercado de trabalho. Isso preocuparia muito mais em termos de inflação.

Por exemplo, os Estados Unidos possuem 8 milhões de vagas abertas no mercado de trabalho e 8 milhões de desempregados, em um rate muito próximo de 1:1. Isso porque muitos desses empregos estão em regiões para onde as pessoas não querem ir. Por exemplo, a pessoa está desempregada na Califórnia, mas não quer ir para North Dakota ou Idaho onde está o emprego. Se, além disso, 13 milhões de pessoas forem tiradas da força de trabalho, vai haver uma pressão sobre os custos de salários, o que vai gerar pressão sobre as margens e redução de lucros das empresas. Com isso, o país terá inflação. Isso será muito mais problemático, pois a inflação não se resolve do dia para a noite, sendo que a tarifa é só uma vez. Se o país tiver pouca gente para trabalhar, ele vai precisar trazer gente, mas isso não se resolve em um ano. Talvez, em um mandato. Dessa forma, isso parece pouco provável.

Outro ponto é o imigrante estar em situação irregular nos Estados Unidos. Por exemplo, ele veio como turista e acabou ficando, entrou pela fronteira ou veio para estudar e está trabalhando. Esses imigrantes não fizeram algo ilegal, mas estão em uma situação de visto irregular. A situação desses imigrantes poderia ser regularizada para que eles pudessem permanecer no país. Isso é diferente da pessoa que está irregular e começou a traficar drogas, o que é uma minoria.

O próprio Trump já questionou o motivo pelo qual as pessoas que vão para os Estados Unidos para estudar já não ganham direto o green card. Isso porque existem pessoas que fazem faculdade nos Estados Unidos para depois voltarem para seus países, como a Índia, a China e o Brasil. O problema é que Trump acaba sendo infeliz nas declarações. Uma vez ele disse que queria imigrantes, mas que fossem da Suécia. O que ele quis dizer é que os Estados Unidos não precisavam apenas de pessoas que fossem para lá para cortar grama, mas também pessoas com formação e que quisessem estudar.

Trump quer fechar um pouco as fronteiras, pois houve um exagero de pessoas entrando. No Canadá foi a mesma coisa. Trump não vai ficar esperando para tratar desse problema na próxima reunião multilateral da ONU. Se o México não resolver o problema da fronteira, Trump pode tarifar seus produtos. Com isso, o México vai correr para resolver o problema.

Na campanha, os democratas tentaram dissociar o problema da inflação americana através da narrativa do custo de vida. Você acredita que essa narrativa pode ser utilizada pelo governo brasileiro em 2026?

É possível que se use essa narrativa. Collor foi eleito dizendo que ia acabar com os marajás. Fernando Henrique se reelegeu segurando o câmbio na marra. Se ele soltasse o câmbio, a inflação ia degringolar e ele não ia ser reeleito. Fernando Henrique se reelegeu e, em janeiro de 1999, nós tivemos uma maxidesvalorização. O dólar saiu de R$ 1 para R$ 2, mas ele já tinha mais quatro anos para tentar corrigir a economia. O Lula se reelegeu, apesar do Mensalão. A Dilma, em 2014, segurou os preços administrados e os juros, para em 2015, já reeleita, estourar tudo, com a inflação e a Selic explodindo. No caso do Bolsonaro, ele saiu gastando dinheiro no seu último ano de mandato para tentar se reeleger, e mesmo assim não conseguiu. Em 2026, Lula pode usar a narrativa de inflação x custo de vida para tentar a reeleição.

Como o Brasil pode tirar proveito dessa situação?

O Brasil foi se alinhando cada vez mais com a China, mas os Estados Unidos continuam sendo a maior economia do mundo, e, ao que tudo indica, a China não vai ultrapassar os Estados Unidos nos próximos anos. Isso porque os Estados Unidos continuam crescendo no ritmo histórico de 2%, 3%, enquanto a China tem, cada vez mais, desacelerado. O ponto é que o Brasil deveria se alinhar com os Estados Unidos, que é o maior mercado consumidor do mundo. Como Trump possui outras prioridades, o Brasil deveria se aproveitar desse momento para se aproximar dos Estados Unidos.

Como você está vendo as perspectivas dos investimentos nos Estados Unidos nos próximos quatro anos?

O mercado ficou super otimista com Trump. O S&P teve a maior alta da história em um dia seguinte após a divulgação do resultado de uma eleição presidencial. Para 2025, a expectativa do S&P 500 é de uma valorização de 10%, o que, historicamente, é a média entregue desde a década de 1950.

As bolsas americanas estão com dois anos de alta, mas não há uma perspectiva de que despenquem. Para isso, teria que haver um cisne negro, como a quebra de um banco ou que as políticas de Trump, em um primeiro momento, fossem muito ruins e levassem a uma contração da economia. Isso pode acontecer, mas é pouco provável.

Para a renda fixa, o mercado possui yield elevado. O receio do Trump, a questão fiscal e a possibilidade de inflação fizeram com que a Treasury de 10 anos chegasse perto de 5%, o que faz com que se consiga travar dólar + 5% por 10 anos. Olhando o passado, isso é muito bom, pois o dólar se valorizou, em média, 10% ao ano, ou seja, 10% do dólar + 5% de juros é melhor que o CDI.

Em geral, as perspectivas são muito positivas para os investimentos no exterior.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui