Conversamos com Thiago Aragão, diretor de estratégia e analista de política internacional na Arko Advice, sobre o novo governo de Donald Trump e a política interna dos Estados Unidos.
Donald Trump de 2025 está seguindo a mesma linha do primeiro mandato (jan/2017 a jan/2021) ou ele está mudado?
Trump está mudado, pois tem mais experiência, já que passou quatro anos na presidência. No primeiro mandato, como ele não esperava ser eleito, ele fez um gabinete meio que às pressas, formado por pessoas que ele não conhecia tanto.
Outro ponto é que quando você pode concorrer à reeleição, você sempre segura um pouco mais aquilo o que vai falar e fazer. Hoje, Trump não tem o peso do futuro, o que faz com que ele fique mais solto para falar. Veja que antes mesmo de tomar posse, ele já está falando coisas que são altamente controversas, emblemáticas, e que fazem fronteira com coisas insanas, como a questão do Canadá, da Groenlândia e do Canal do Panamá
Agora, ele está rodeado de pessoas em que confia e que ficaram ao seu lado quando muitos acharam que ele estava acabado para a política, o que faz com que, em tese, esse seja um Trump, como disse, mais solto que no primeiro mandato.
Como os republicanos estão vendo as declarações recentes de Trump?
Aqui em Washington, nós vemos claramente que existem os republicanos trumpistas e os tradicionais. Os republicanos tradicionais, que são da escola de Ronald Reagan, acham as declarações de Trump um absurdo e tentam se dissociar delas. Por exemplo, uma das coisas que mais se escuta em Washington é que Trump não é republicano, mas que Trump é Trump. Claro, isso se dilui quando você sai de Washington e das grandes metrópoles, e vai para estados como Nebraska, Arkansas e Alabama, onde se mistura o que é ser Trump e ser republicano.
Com relação aos republicanos trumpistas, eles tentam traduzir as falas de Trump para aquilo que acreditam que faz mais sentido. Por exemplo, ele dizem que quando Trump fala sobre a Groenlândia, na verdade ele está falando sobre a ampliação da segurança nacional dos Estados Unidos. Isso nada mais é do que uma reinterpretação do que foi dito.
Trump possui um grupo muito sólido de pessoas que vai estar com ele, independente do que ele fale. No seu primeiro mandato, Trump chegou a dizer que se ele desse um tiro em alguém no meio da Quinta Avenida, as pessoas ainda assim votariam nele. O que temos hoje é mais ou menos isso: Trump tem um peso na política americana que lhe permite fazer ou falar qualquer coisa, sem limites, que mesmo assim vai haver um grupo sólido para defendê-lo sempre.
Como os democratas estão vendo as declarações recentes de Trump?
Um dos erros da campanha de Kamala Harris foi tratar Trump como se ele ainda fosse uma novidade, tentando “alertar” a população de que ele era isso e aquilo, quando, na verdade, todo mundo sabe quem é Trump, e muita gente votou nele do mesmo jeito. Os democratas ainda estão muito presos na lógica do “não é possível”: não é possível que Trump tenha ganhado; não é possível que Trump tenha falado isso; não é possível que as pessoas ainda gostem de Trump. Isso, de certa forma, inibe o partido democrata de criar uma estratégia mais clara e mais bem feita para contrapor Trump.
Os republicanos possuem uma pequena vantagem na Câmara e no Senado. Trump pode, de fato, contar com essas duas vantagens para passar o que quiser no Congresso americano? Em um caso mais extremo, Trump consegue passar uma emenda à Constituição dos Estados Unidos?
Não, ele não consegue passar o que quiser porque existem republicanos que não são trumpistas. Se Trump apresentar pautas com características republicanas, todos os republicanos vão aprová-las, mas se ele passar pautas com características de Trump, nem todos vão aprová-las. Existe um número, bem reduzido, de deputados e senadores republicanos que mantém um diálogo muito bom com um grupo de democratas. Esses são os republicanos mais de centro. Como esses republicanos não são trumpistas, eles representam uma segurança contra pautas mais loucas e impactantes.
Trump escuta os republicanos tradicionais?
Não, ele não escuta os republicanos tradicionais. Trump afastou muitos dos republicanos tradicionais porque os ridicularizou. Eles se mantêm leais ao partido, mas não a Trump, mas como, muitas vezes, as pautas de Trump se misturam com as pautas do partido, eles podem apoiar determinados temas, mas não vão sair dos seus lugares para defender Trump, por exemplo, com relação às suas falas controversas.
De tudo o que Trump tem falado, o que ele consegue fazer sem o Congresso?
Trump tem uma capacidade de comunicação muito grande. Muitas vezes, essa capacidade tem um papel similar ao de uma política pública, pois ela pode ditar comportamentos, como, por exemplo, o discurso que ele fez que acabou sendo interpretado pelas pessoas que invadiram o Capitólio (jan/2021). O poder administrativo de Trump é relativo, pois ele precisa muito do Congresso para a maioria das coisas. Por exemplo, ele não pode invadir a Groenlândia por vontade própria, mas ele está em uma posição onde consegue criar uma narrativa que a audiência republicana no Congresso está mais apta a escutá-lo do que em outras épocas.
A capacidade de Trump de impactar fortemente o ambiente político, social e econômico nos Estados Unidos e no mundo é muito mais baseado nas suas falas do que, necessariamente, nas suas decisões administrativas.
Mas com relação às tarifas, ele precisa do Congresso para mexer nelas?
Não, ele não precisa do Congresso para mexer nas tarifas, mas ele precisa do Congresso para modificar as regras do acordo firmado entre Estados Unidos, México e Canadá para poder implementar algumas questões relacionadas às tarifas. Trump tem liberdade de aplicar tarifas, mas, por exemplo, ele tem dificuldades para mudar as regras ou fechar as portas para determinados produtos mexicanos, pois isso já está previsto no acordo firmado entre os três países.
Trump fez declarações sobre a Groenlândia, o Canal do Panamá e o Canadá, sendo que ele foi desrespeitoso com dois aliados históricos dos Estados Unidos: Canadá e Dinamarca. Como essas declarações estão repercutindo nos Estados Unidos?
Essas declarações repercutiram como deveriam ter repercutido: algo que não faz o menor sentido. As pessoas não estão nem sabendo como conversar sobre isso, nem mesmo os apoiadores de Trump. Pessoas próximas ao novo governo argumentam que não é bem assim e que foi uma figura de linguagem, uma brincadeira, mas existem outros que ficaram meio atônitos e não souberam explicar direito o que havia sido falado, já que isso não faz o menor sentido. No entanto, esse é Trump.
O que Trump deve fazer com a burocracia americana?
Trump vai tentar modificar a burocracia americana porque acredita que ela, particularmente alguns órgãos como o FBI (Federal Bureau of Investigation), são prejudiciais a ele, às suas ideias e, consequentemente, aos Estados Unidos. Assim, vai haver uma tentativa de desburocratização e de diminuição dessa burocracia. Agora, isso não é fácil de ser feito já que a burocracia americana está ligada a inúmeros interesses de membros do partido republicano. Tem até uma piada entre republicanos que diz que Trump quer diminuir o número de funcionários públicos no governo, mas nomeou dois secretários, ao invés de um, para a mesma secretaria.
Existe muita dúvida de como isso vai ser feito, pois o governo possui inúmeros funcionários sob contrato. Ele pode diminuir o número de consultores, mas diminuir o número de funcionários públicos é mais difícil. Pode-se criar algumas maquiagens, como, por exemplo, unificar dois departamentos sobre o mesmo nome, mas com os dois departamentos funcionando, pois só mudou a nomenclatura. A forma como isso vai acontecer é muito incerta, pois uma das características de Trump é que ele nunca diz como vai fazer as coisas, o que faz com que muitas coisas não aconteçam ou aconteçam parcialmente. Nessa questão da burocracia, é importante ver como vai ser o papel do Elon Musk nesse processo.
Para mexer na burocracia americana, Trump precisa da aprovação do Congresso ou ele pode fazer isso sozinho?
Se Trump quiser, ele pode mandar os departamentos, equivalentes ao ministérios no Brasil, demitirem os funcionários que não são funcionários públicos, cuja quantidade nos Estados Unidos é proporcionalmente maior que no Brasil. Por exemplo, o secretário do Departamento [Ministério] de Comércio ou de Saúde pode mandar embora 30% dos funcionários que são contratados, mas como todos possuem contratos, eles terão que ser indenizados, e o custo para isso é alto. Agora, se Trump quiser diminuir o número de funcionários públicos de carreira, como isso é mais complexo, ele não vai conseguir fazer isso administrativamente.
Você se recorda de um presidente eleito que tenha gerado tantas discussões antes mesmo de assumir a presidência?
O próprio Trump, quando foi eleito pela primeira vez. Isso é reflexo de um presidente que governa para as redes sociais. Trata-se da política do corte, onde se fala frases e slogans, que vão girar mais do que o conteúdo em si, e que as pessoas vão se identificar, pois vão atribuir coragem ou outras características que consideram positivas. Isso faz com que os governantes de hoje falem coisas que são mais ambíguas ou deem receitas de sucesso que não necessariamente expliquem o processo, o que dá uma sensação de solução para quem escuta, e, consequentemente, de conforto. Essa sensação alivia, temporariamente, muito dos eleitores que estão vivendo outros tipos de problemas, seja com a inflação, seja com o custo de vida. Parte do populismo é estimular as pessoas a ouvirem mais, sendo que essa é uma característica muito clara que Trump trouxe.
Qual a sua expectativa para os primeiros 100 dias do novo governo Trump?
Eu tenho a expectativa de que haverá uma tentativa de remodelação doméstica do governo, com muitas pessoas e órgãos sendo acusados de atrapalhar ou de estarem jogando contra. Vai ser um momento de mudança muito profunda na política externa americana e de alguns problemas na relação com aliados. Inclusive, eu acho que os aliados estão muito mais tensos que os inimigos. A China não acha ruim o fato de Trump ter virado presidente. Na verdade, ela prefere, pois ele é mais previsível e ajuda a dividir os aliados. Esse vai ser um governo com muitas narrativas de que está desfazendo as coisas ruins feitas pelo governo anterior. Vai haver muita narrativa do que está acontecendo sem mostrar o que está acontecendo.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto a sua entrevista?
Na parte prática, o protecionismo e os subsídios podem ser positivos para a indústria americana e para o aumento da sua competitividade. Além disso, Trump quer fazer um corte de impostos para várias dessas indústrias. Isso pode impactar a presença de empresas americanas fora dos Estados Unidos, já que elas podem perceber que é mais interessante redirecionar os investimentos para os Estados Unidos.
Outro ponto é que como Trump se classifica de direita, mas várias das suas políticas, como a política protecionista e de subsídios, não são, tradicionalemente, de direita, e sim, historicamente, de esquerda, haverá uma compensação na narrativa e na política de costumes para que essas políticas ganhem uma característica de direita, pelo menos na percepção do eleitor.