O pacote da infâmia

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Se eu fosse um idiota, faria uma análise exaustiva das Propostas de Emenda Constitucional enviadas por Paulo Guedes ao Congresso Nacional. São três, mais um projeto de lei ordinária. Como não sou idiota, não perderei tempo nesse exercício. Aliás, se houvesse honra no Congresso, ele devolveria o “pacote” ao Executivo devido a seu caráter diversionista e provocador, com o propósito óbvio de testar os limites da subserviência do Legislativo e manter o curso do programa de privatização.

Qual é o sentido dessa provocação tríplice? No caso do chamado novo pacto federativo, o objetivo é apaziguar governadores, sobretudo do Nordeste, oferecendo-lhes migalhas em troca da autonomia constitucional dos estados e de privatização de seus ativos. Não existe uma indicação sequer de como será solucionada a crise de finanças públicas dos Estados em caráter definitivo. Acena-se com a autorização para tomar mais dívidas, porém apenas para pagar dívidas anteriores.

 

Destroem-se 35 dispositivos constitucionais,

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desfigurando a Constituição de 88

 

Acima dessa malandragem institucional, a combinação dos projetos – na verdade, as cláusulas são redundantes – visa sobretudo a liquidar com o serviço público em todos os níveis, vedando concurso públicos, cortando salários e demitindo pessoal. Nenhuma linha sequer sobre a melhoria do serviço público e sua adequação ao interesse público. Tudo são números. Tudo é uma tremenda regressão aos tempos que os norte-americanos chamavam de políticas de butim na administração do Estado.

A audácia desse pretenso golpe legislativo não tem limites. Destroem-se nada menos que 35 dispositivos constitucionais, desfigurando completamente a Constituição de 88, neste que não passa de um singular propósito tecnocrático de extrema arrogância. Não se fala em política de emprego, em política de desenvolvimento, em política de combate a desigualdades regionais. Estamos numa nau sem rumo com timoneiros bêbedos de ideologia.

Apenas para assinalar a extravagância, aos estados e municípios é oferecida, em nome da “descentralização”, participação na venda e concessão de recursos de rios e lagoas, terras devolutas e outras propriedades atualmente da União, com o propósito descarado de privatizar recursos hoje de domínio público e sob a guarda da União. É repugnante. O Congresso, volto a dizer, deveria devolver esses projetos com a sensação de nojo e de vômito. Que não perca tempo com isso enquanto a caravana da privatização passa.

A crise de finanças públicas estaduais que o Governo Guedes pretende remendar com esse pacote de infâmia não existe em termos reais. A origem dessa crise é uma dívida com o Governo Federal, consolidada em 1997/98, que sustento ser nula. Uma vez reconhecida, politicamente, a nulidade dessa dívida, os estados e municípios têm direito de restituição da ordem de R$ 400 bilhões. Ao lado da dívida, a União tem com os estados outra dívida, relativa à Lei Kandir, de R$ 630 bilhões, segundo cálculos dos fiscais estaduais (Febrafite).

Se o Congresso resolver essas pendências, adeus crise financeira dos estados. E salve um programa de retomada da economia, um New Deal brasileiro, que pode surgir da utilização desses recursos a serem financiados por títulos públicos. Na longa recessão em que estamos, o aumento da dívida não seria inflacionário, conforme assinala a Teoria Monetária Moderna, da qual um dos teóricos norte-americanos, Randall Wray, deve vir ao Brasil daqui a três semanas.

José Carlos de Assis

Economista e jornalista.

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