O pecado original

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É bastante louvável a iniciativa do Banco Central de estudar a adoção de mecanismos legais mais eficazes e rápidos para que as instituições financeiras possam recuperar o dinheiro de credores inadimplentes. Em tese, a medida contribuiria para reduzir os juros cobrados na concessão de empréstimos – inclusive aos bons pagadores -, pois o risco da inadimplência é exatamente uma das causas do alto preço do dinheiro no Brasil, fator que inibe investimentos e o consumo, conspirando contra o crescimento sustentado da economia.
De fato, os juros cobrados dos tomadores de empréstimos no País têm uma certa dose de injustiça, pois empresas e pessoas físicas que costumam honrar o resgate dos créditos acabam pagando, inadequadamente, por um risco que não é seu. Mais do que nunca, é fundamental entender as conseqüências desse problema na economia nacional. Quantos investimentos produtivos são inviabilizados e quantos produtos, bens duráveis e de consumo deixam de ser vendidos e, portanto, produzidos em decorrência das altas taxas de juros? Não há qualquer exagero em se afirmar que essa questão, paralelamente à anacrônica política tributária, é um dos empecilhos à retomada de níveis de atividade mais compatíveis com a realidade de um país no qual o desemprego assume proporções cada vez mais preocupantes.
Portanto, a solução desse entrave relativo aos juros é um desafio a ser vencido com urgência pela Nação. Obviamente, as altas taxas não têm como causa somente a inadimplência. São, em primeiro lugar, um dos mecanismos da política monetária do governo destinada ao controle da inflação. Outro de seus componentes significativos é relativo aos impostos embutidos nas operações financeiras. A inadimplência é uma das causas. Felizmente, o Banco Central parece disposto a adotar medidas de espectro mais amplo para reduzir os juros, dentre elas os mecanismos voltados a atenuar o problema da inadimplência.
Independentemente dessa sinalização positiva do Banco Central, a própria sociedade pode – e deve – fazer a sua parte. É exatamente nos momentos de dificuldades que a Nação precisa ser maior do que o Estado. Em plena guerra de secessão dos Estados Unidos, em 1863, o então presidente norte-americano, Abraham Lincoln, ao inaugurar o cemitério nacional de Gettysburg, proferiu antológico discurso, em que afirmou: “Não fortalecerás a dignidade e o ânimo se subtraíres ao homem a iniciativa e a liberdade. Não poderás ajudar os homens de maneira permanente se fizeres por eles aquilo que eles podem e devem fazer por si próprios”. E, no caso dos juros, os brasileiros já podem fazer muito no sentido de reduzi-los, independentemente das medidas governamentais.
Hoje, já existem tecnologias muito eficientes para se mensurar, com grande dose de segurança, o risco de inadimplência na concessão de empréstimos às pessoas físicas e jurídicas. Assim, a utilização correta e adequada desse know how pode estabelecer taxas de juros diferenciadas e mais justas, proporcionais ao risco efetivamente representado em cada operação. A ampla utilização dessas tecnologias, já disponíveis no Brasil, não depende de qualquer medida governamental. O mercado financeiro nacional é constituído hoje por instituições eficientes, modernas, sólidas e preparadas para a inexorável competitividade do mundo globalizado. Neste contexto, a concessão de empréstimos com juros diferenciados pela taxa de risco passa a se constituir em importante diferencial mercadológico.
Ações da iniciativa privada e da sociedade capazes de contribuir para a solução dos problemas são fundamentais para o Brasil neste final do milênio, em que o País procura atalhos para o desenvolvimento. É preciso mudar uma velha e desgastada tendência da cultura nacional, representada pela perigosa generalização da culpa. A começar pela reforma tributária, que também deve contemplar critérios de justiça e desonerar o custo das atividades produtivas. Pessoas físicas e jurídicas que honram seus impostos não podem pagar a conta da sonegação e as falhas de uma política tributária anacrônica, que deixa de taxar muitos que deveriam estar recolhendo tributos aos cofres públicos. Da mesma forma, os bons pagadores de empréstimos não podem mais financiar o risco da inadimplência de terceiros. A imagem bíblica do pecado original é bastante inadequada para um país que busca sua afirmação como potência emergente…

Elcio Anibal de Lucca
Presidente da Serasa (Centralização de Serviços dos Bancos)

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