O pensador Cristovam Buarque

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Cristovam Buarque (foto de Pedro França, Agência Senado)
Cristovam Buarque (foto de Pedro França, Agência Senado)

Cristovam Buarque continua sendo um dos grandes pensadores da educação nacional. Sua vasta obra pode ser pesquisada nos livros que vem publicando e que servem para reflexões sobre o caminho da educação, ainda não reconhecida pelos governos federais como prioridade do Estado.

Neste momento, inclusive, parlamentares míopes, e que não enxergam que, sem educação, não há nação desenvolvida, querem retirar da Constituição os percentuais destinados à expansão da educação. Os países que constituem os Tigres Asiáticos são o que são hoje porque seus governos investiram na educação como prioridade. No Brasil, país continental, a educação vem sendo nos últimos anos renegada, o que demonstra de forma clara a falta de visão dos governos que se sucedem.

Dentre tantos trabalhos de igual importância, Buarque, ao representar o Brasil na Conferência Mundial de Educação Superior, na Unesco, em Paris, proferiu a palestra “A Universidade na Encruzilhada”, na qual ressaltou ser a universidade a instituição mais bem preparada para reorientar o futuro da humanidade, defendendo a refundação da própria universidade, devendo ser mais dinâmica, com a atualização dos programas de doutoramentos, maior flexibilização no tempo de duração dos cursos superiores, bem como diplomas com prazos de duração, para obrigar a todos à reciclagem.

A universidade é um portal da esperança, por nos permitir compreender a encruzilhada com a qual nos defrontamos em meio a nosso processo civilizatório. Um dos caminhos leva a um mundo unido, enquanto o outro conduz a um mundo socialmente cindido. Faz-se mister, assim, conceber ideias para a criação de um futuro melhor, que venha a beneficiar toda a humanidade, com uma globalização que não inclua de forma alguma a exclusão social.

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Na conferência, Buarque, que foi reitor da Universidade de Brasília (1985/1989), governador do Distrito Federal (1995/1998), ministro da Educação (2003/2004) e senador pelo Distrito Federal (2003/2018), fez um apelo às universidades dos países mais ricos, para que elas assumam, na prática, a globalização: “Não façam isso apenas exportando produtos e ideias, mas também importando engajamento. Façam mais do que desenvolver técnicas, desenvolvam, também, maneiras de converter a ética numa parte essencial do compromisso para com um mundo melhor”.

Para ele, conhecer com mais profundidade a realidade das universidades africanas e das universidades de países mais pobres e endividados é uma necessidade. Dessa forma, apelou para que os países ricos cooperem com a sobrevivência e com a qualidade dos programas de formação oferecidos por essas universidades, colaborem na criação de uma consciência mundial capaz de interromper nossa bárbara marcha rumo a uma sociedade cindida e alienada, que acabará por separar os seres humanos em dois campos tragicamente opostos.

Fez, da mesma forma, um apelo às universidades dos países emergentes, que já contam com uma massa crítica de pensadores e com centro de ensino superior de peso. Pediu que olhassem para a pobreza que os cercam e quebrassem o círculo vicioso das reivindicações corporativas e entendessem a universidade como parte de uma rede social de seres humanos em busca de um futuro melhor: “Comprometam-se a colaborar com a erradicação da pobreza e entendam que, apesar da crise, ainda há muito a ser oferecido a universidade ainda mais pobres, principalmente na África”.

Ele se dirigiu aos seus colegas professores e lhes solicitou que percebessem o que seus métodos de ensino têm de incorporar as imensas possibilidades dos novos equipamentos que permitirão ampliar enormemente os números dos alunos atendidos, seja qual for o país em que eles se encontram. Para ele, é imprescindível que os docentes aceitem o risco de ser professores num tempo em que o conhecimento muda a cada instante, exigindo dedicação para acompanhar as mudanças contínuas. Aceitar, com audácia esse desafio, e seguir rumo à criação de novas maneiras de conhecer, por mais efêmeras que sejam, é o melhor caminho.

Buarque que, desde o ano passado, é membro do Grupo Científico da Justiça Penal da Itália, se dirigiu aos jovens e lhes solicitou que assumissem o papel que sempre lhes coube ao longo de toda história, pedindo-lhes rebeldia. “Isso é de importância fundamental, principalmente no mundo de hoje, no qual, em termos globais e não importa em que país, vocês se converteram nos órfãos do neoliberalismo. Vocês são a primeira geração a se deparar com um futuro menos propício que o que seus pais tinham diante deles.”

Ao se reportar aos governos, Buarque conclamou os governos a não permitirem que as universidades sejam transformadas em fábricas, nem que o conhecimento se converta em uma mercadoria, que é a prática proposta pelos tecnocratas de algumas instituições internacionais. Aceitar tais situações significaria, segundo ele, trair o que há de mais nobre no projeto humano.

Ao encerrar sua fala, se focou à Unesco, pedindo que a organização se mantenha firme na sua luta pela cultura, pela ciência e pela educação, conclamando que a instituição defenda a universidade e faça com que ela mude, adaptando-se a uma realidade na qual o conhecimento é volátil e o ensino paira no ar, onde os diplomas perdem seu valor e a universidade se coloca à distância.

Na Era do Conhecimento em que vivemos, mesmo que atravessando um período de pandemia, faz-se mister se ter sempre em mente que a universidade continua sendo a esperança, por sua importância social e política, para a transformação de pessoas e de vidas neste século XXI.

 

Paulo Alonso, jornalista, é reitor da Universidade Santa Úrsula.

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