No dia 16 de junho, o Brasil entra em uma nova fase dos pagamentos instantâneos: começa oficialmente o Pix Automático. A promessa é sedutora: facilitar a vida dos brasileiros com pagamentos recorrentes programados, como contas de luz, água, mensalidades escolares e assinaturas digitais, tudo sem a necessidade de autorizações manuais. Conveniência para o consumidor. Eficiência para as empresas. Redução de inadimplência. Mas uma pergunta crucial permanece: o sistema está, de fato, preparado para isso?
A grande aposta do Banco Central passa por uma engrenagem delicada: a interoperabilidade. E esse é justamente o principal gargalo técnico hoje. Para que o Pix automático funcione como o esperado, é preciso que bancos, fintechs, empresas de cobrança (como utilities e operadoras) estejam sincronizados num mesmo fluxo, com todas as integrações do Open Finance. O problema é que muitos desses agentes ainda operam com infraestruturas defasadas, marcadas por sistemas rígidos, alta dependência de boletos e pouca fluidez digital.
As consequências são risco real de falhas operacionais, dificuldades de integração, experiências travadas para o usuário. Um dos desafios mais críticos para a implantação do Pix automático está justamente ligado à integração com grandes empresas emissoras de boletos e à governança do consentimento dos usuários via Open Finance.
Segundo a Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços (Abecs), os pagamentos recorrentes com cartão movimentaram R$ 106 bilhões em 2024, com alta de 88,5% em dois anos. O Pix automático surge como alternativa natural, mais barata e acessível, com potencial para redesenhar esse mercado. Mas para que isso aconteça, é preciso conectar os mundos que ainda não se conversam. Em utilities, hoje, a incidência de débito automático é baixa, da ordem de 11%.
Além da interoperabilidade, outro desafio crucial está na confiança e no entendimento do consumidor sobre a funcionalidade. Ao exigir um nível de integração mais profundo entre bancos e empresas de serviços, a nova modalidade de pagamento precisa garantir que o consentimento dos usuários seja claro, irrestrito e mais vantajoso que o débito automático. Essa questão se intensifica no contexto do Open Finance, que exige transparência, segurança e controle do usuário sobre suas informações financeiras. O sucesso da transação depende não apenas da eliminação das barreiras técnicas, mas também de um arcabouço jurídico e operacional robusto para proteger dados sensíveis e garantir que o processo seja acessível a todos, sem surpresas.
Outro ponto a se considerar é a evolução das infraestruturas tecnológicas dos serviços públicos, especialmente utilities como energia, telefonia e água, que ainda dependem de processos de cobrança tradicionais, como boletos bancários. A transição para sistemas mais ágeis e digitais, como o Pix, pode reduzir consideravelmente o custo dessas transações, além de aumentar a arrecadação ao diminuir a inadimplência. Entretanto, implementação não será simples: é preciso que essas empresas modernizem sua forma de se conectar com o ecossistema de pagamentos digitais, o que demanda investimentos em tecnologia e tempo, além de uma grande mobilização para evidenciar o envio de boletos via e-mail, whatsapp ou SMS é um recurso que deve ser superado para a chegada destas novas ferramentas.
Se o Brasil conseguir superar essas dificuldades, o Pix automático pode ser um divisor de águas, não apenas para os consumidores, mas também para os negócios. O mercado de pagamentos recorrentes no Brasil continua crescendo a um ritmo acelerado, e o Pix, com suas vantagens de agilidade e baixo custo, tem tudo para se consolidar como uma das principais formas de pagamento neste mercado também. Mas a chave para que esse futuro se realize está no esforço coletivo para garantir que os sistemas conversem entre si e que todos, de consumidores a empresas, se sintam confortáveis com as novas possibilidades. Desde que, é claro, todos os agentes dessa equação se entendam.
Marco Gallo, Diretor Institucional da Conta Comigo Digital