O problema das tarifas de importação dos Estados Unidos

Segundo Carolina Müller, o Brasil pode acionar os Estados Unidos na OMC por causa das tarifas de importação, mas o problema é que os americanos estão bloqueando há anos o órgão de apelação do sistema de solução de controvérsias da organização.

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Carolina Jezler Müller
Carolina Jezler Müller (foto divulgação Bichara Adv)

Conversamos com Carolina Jezler Müller, sócia do Bichara Advogados, sobre o problema envolvendo o aumento das tarifas de importação dos Estados Unidos.

Como vão funcionar as tarifas recíprocas que foram anunciadas pelos Estados Unidos?

Na verdade, ninguém sabe muito bem como elas vão funcionar. Trump colocou as tarifas para México, Canadá e China, que depois foram suspensas por conta das negociações, e as tarifas para os produtos de aço e alumínio vindos de qualquer país, e que entrarão em vigor em breve. Além disso, existe um memorando que menciona a aplicação de tarifas recíprocas, que ainda serão estudadas. Por conta disso, não existem medidas concretas ou uma base legal fundamentada sobre como vão ser as tarifas recíprocas. Trump alega que os Estados Unidos vão colocar tarifas de importação para produtos específicos de países que aplicam tarifas maiores para os produtos americanos que eles importam, de forma a que esse cenário seja equalizado.

Essa diferença de tarifas tem como origem a Rodada do Uruguai, que criou a OMC (Organização Mundial do Comércio) em 1995, quando os países negociaram os limites máximos de tarifas que cada um poderia aplicar para cada tipo de produto. Em conformidade com essa negociação, os países em desenvolvimento poderiam aplicar tarifas mais altas que os países desenvolvidos. É por isso que o Brasil possui tarifas um pouco maiores que as tarifas americanas que são aplicadas sobre as exportações brasileiras.

Por mais que ainda não tenhamos os detalhes da implementação das tarifas recíprocas, a impressão, pelo histórico que se tem, é que isso vai ser usado como uma forma de se abrir negociações com os países para se obter alguma vantagem para os produtos americanos.

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Caso se confirme a aplicação das tarifas sobre aço e alumínio e das tarifas recíprocas, o que as empresas brasileiras, afetadas por essas tarifas, podem fazer?

A primeira medida seria questionar a legalidade das tarifas nos tribunais americanos. A segunda medida, que não seria tomada pelas empresas, e sim pelo governo brasileiro, seria acionar os Estados Unidos na OMC, que é responsável pela regulamentação do comércio mundial. O problema é que o Estados Unidos está bloqueando, há muitos anos, o órgão de apelação do sistema de solução de controvérsias da OMC.

Além disso, existe uma preocupação, que é muito levantada pelo setor brasileiro de aço, de que na hora em que os Estados Unidos aumentam a tarifa para as importações desse tipo de produto, existe um risco das exportações de outros países serem desviadas e inundarem outros mercados, como o brasileiro. Para que se possa proteger, eventualmente, setores que podem sofrer com esse desvio de comércio, existem mecanismos de defesa comercial, como a aplicação de medidas antidumping e a própria elevação das tarifas brasileiras até os limites negociados na OMC.

Por último, nós temos as negociações. Por exemplo, em 2018, os setores brasileiros de aço e alumínio negociaram cotas e outras medidas para evitar a aplicação de tarifas sobre as suas exportações para os Estados Unidos.

Com relação ao bloqueio do órgão de apelação da OMC, isso começou na primeira presidência de Trump, mas um tema que pouco se discute, é que esse bloqueio teve continuidade na presidência de Joe Biden. O que os demais membros da OMC podem fazer para desbloquear o órgão de apelação da OMC? 

Na verdade, o primeiro bloqueio aconteceu ainda durante o Governo Obama. Trump deu continuidade, mas como os representantes não foram renovados, já que eles possuem mandatos, chegou-se a falta de quórum já na primeira presidência de Trump. O Governo Biden, como você pontuou, manteve esse bloqueio através da não indicação e da não aceitação de nenhum outro árbitro para o órgão de apelação. Essa não é uma medida do Governo Trump, e sim uma política americana bastante estável, seguida tanto por democratas quanto por republicanos.

Com relação aos demais países, depois que foram feitas uma série de negociações, criou-se um mecanismo de arbitragem apartado que contou com a adesão de muitos deles, inclusive o Brasil, com o objetivo de manter o funcionamento da lógica do sistema de solução de controvérsias da OMC.

Os Estados Unidos sempre foram um tanto quanto receosos com relação ao sistema da OMC. Por exemplo, o Brasil já obteve vitórias importantes contra os americanos. Como os Estados Unidos estão fora do sistema, ele começa a não funcionar adequadamente contra eles. Isso porque esse sistema previa um tribunal com “dentes”, o que seria a joia da coroa das negociações internacionais. Esse tribunal permitia medidas de retaliação caso um país não cumprisse as decisões do órgão de solução de controvérsias.

A tendência é que as retaliações sejam feitas à margem das regras da OMC ou com uma interpretação mais ampla das suas regras, tanto que quando os países falam que vão elevar suas tarifas ou aplicar outras medidas de retaliação, nós não estamos vendo um grande embasamento nas regras da OMC. Infelizmente, nós voltamos a um mundo menos regulado do comércio internacional.

Existe ambiente para o Brasil negociar cotas de importação, como ocorreu na primeira presidência de Trump?

É provável que exista espaço para negociação. Nós vimos isso com México e Canadá, quando as medidas foram suspensas no mesmo dia em que foram anunciadas. Como a elevação de tarifas vai trazer um grande impacto negativo para a economia americana, não é interessante para o próprio Trump aplicá-las. A sensação que se tem é que os Estados Unidos estão fazendo isso para obter margem para negociar e obter vantagens que não estão claras. Por exemplo, na questão do aço, existe uma discussão antiga de excesso de oferta no mercado global.

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