Conversamos sobre o problema do Google com a justiça americana com Marcia Ferreira, gerente da Divisão de Privacidade e Proteção de Dados do Nelson Wilians Advogados.
O que está acontecendo entre o Google e a justiça americana?
A justiça americana está processando o Google desde 2020 sob a alegação de que a empresa violou a Lei Sherman, a lei antitruste dos Estados Unidos. Segundo a justiça dos país, o Google criou um monopólio no mercado de buscas e de publicidade digital através de acordos exclusivos que garantiam que o seu mecanismo de busca fosse o padrão dos navegadores e dispositivos móveis. Por exemplo, o Google pagava milhões de dólares à Apple para que a empresa colocasse o seu buscador como o padrão do Safari. Dessa forma, quando a pessoa entrava no Safari, já abria a página do Google como buscador, o que criou uma barreira muito grande para novos concorrentes, pois mesmo que o usuário quisesse outro buscador, a configuração padrão do equipamento já ia trazer o Google. Assim, como ele já estava ali, ele acabava sendo utilizado.
No entendimento da justiça americana, o Google pratica concorrência desleal e fecha os pontos de acesso para que os usuários usem outras plataformas, amarrando esse ecossistema digital com pagamentos milionários a fabricantes de smartphones para que eles coloquem o seu buscador como página principal.
Além disso, há a questão da publicidade, pois, segundo a justiça americana, o Google tem o domínio vertical dessa cadeia através das ferramentas de compra, venda e leilão de anúncios, o que força os anunciantes a contratarem produtos do Google.
Se o Google pratica isso há anos, porque só agora esses problemas estão vindo à tona?
Para que a justiça americana pudesse mover a ação, foi necessário fazer um processo investigativo muito longo, baseado em provas concretas e análises. Com isso, esse complexo processo legal acabou demorando.
O que deve acontecer com relação aos monopólios do Google?
A justiça americana está pedindo alguns remédios, como a cisão da empresa, mas o tribunal ainda vai avaliar as suas dosagens. Isso porque a divisão por si só não garante o fim do monopólio. Por exemplo, como o Google tem uma marca muito influente, é natural que as pessoas, ainda que seus computadores não abram a página da empresa, procurem o Google, já que, bem ou mal, os usuários conhecem a ferramenta. Sendo assim, nós precisamos entender a forma como vai ser estruturada essa divisão e a sua eficácia. Por exemplo, é preciso que se garanta que as empresas, no futuro, não vão poder recriar os mesmos acordos, pois se isso for mantido, não vai funcionar. Outro fator que precisa ser considerado é o impacto que a decisão vai ter na economia.
No passado, nós tivemos algumas decisões relacionadas a questões antitruste que tiveram resultados variados. Se essa cisão não ficar bem estruturada, ela pode não surtir tanto efeito de forma a acabar com esse monopólio.
Existe algum caso parecido relacionado a uma empresa de tecnologia como o Google?
Esse caso está sendo muito comparado ao caso da Microsoft na década de 1990, quando o Departamento de Justiça dos Estados Unidos processou a empresa por vincular o seu navegador, o Internet Explorer, ao Windows, o seu sistema operacional. O tribunal decidiu pela cisão da Microsoft, mas a empresa fez um acordo para evitá-la. Diga-se de passagem, as restrições impostas através dessa decisão abriram espaço para que o Google entrasse no mercado. Outro processo, ainda mais antigo, dividiu a AT&T em várias empresas regionais de telecomunicação, que ficaram conhecidas como baby bells, em 1984. Antes da AT&T, a IBM já havia enfrentado um processo antitruste.
A Meta também está enfrentando um processo por questões antitruste, mas esse processo ainda não teve muitos desdobramentos como o processo do Google.
Como a justiça europeia tem tratado questões antitruste?
O Google também enfrenta um processo antitruste na Europa, onde a justiça é mais rígida, inclusive em relação à privacidade de dados e Inteligência Artificial. Além disso, a Europa possui órgãos setoriais de fiscalização. Os Estados Unidos, por exemplo, não possuem uma lei de proteção de dados. Inclusive, eu acredito que o fato de esse assunto ter vindo à tona através de um processo nos Estados Unidos vai dar mais força aos europeus no processo que eles têm contra o Google.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
O processo da justiça americana contra o Google pode encorajar o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) a fazer algum tipo de investigação, se já não está fazendo, com outros órgãos para entender essa questão no Brasil.
Com relação à cisão, caso ela aconteça, eu acredito que os consumidores podem ser beneficiados, pois no momento em que o monopólio acabar, abre-se espaço para que surjam ferramentas que talvez sejam até melhores que o Google.