Conversamos com Jansen Costa, sócio-fundador da Fatorial Investimentos, sobre o problema dos COEs (Certificado de Operações Estruturadas) da Ambipar e da Braskem.
Para que possamos colocar todos na mesma página, o que é um COE?
Nos Estados Unidos, o COE se chama nota estruturada (structured note). Lá, além desse produto ser bastante flexível, ele é um dos mais vendidos. No Brasil, a grande maioria dos bancos fazem COEs porque eles têm retornos muito elevados e retêm os recursos dos clientes por longos prazos. Dependendo da estrutura, o COE é um instrumento barato de captação para os bancos, mas esse não é o caso dos COEs da Ambipar e da Braskem. Por exemplo, o Itaú faz uma operação chamada IPCA Dinâmico, mas ela não gera toda essa repercussão, pois o investidor pode deixar de ganhar, mas não perde o patrimônio.
Geralmente, o COE está em cena porque se diz que as comissões dos assessores com esse produto são altas, o que não é verdade. Isso porque, enquanto o assessor ganha 1%, 2% com a operação, o banco ganha 5%, 6%, ou seja, quem mais ganha com qualquer emissão de COE são os próprios bancos emissores.
Os COEs não deveriam ser demonizados, pois através dessas estruturas é possível fazer operações que as pessoas físicas não conseguiriam fazer sozinhas. Por exemplo, hoje, se um investidor quiser comprar Bolsa americana em reais, ele tem o ETF SPXR11, mas há 5 anos ele só conseguiria fazer isso através de um COE. Isso não chamava a atenção, pois quando dá certo, ninguém grita dizendo que deu certo.
Dessa forma, o COE é um produto que tem três, quatro, cinco instrumentos dentro, mas como as pessoas não sabem precificar, eles são vendidos de maneira facilitada como produtos de prateleira. A pergunta é: o produto é caro ou barato? Geralmente, ele é caro, mas era a única maneira do investidor se expor ao que queria. Assim, o COE é um instrumento de simplificação, através do qual o banco gera o produto e o varejo compra aquela determinada estratégia, que pode ser boa ou ruim, mas ele não tem sacanagem ou pirâmide.
A grande maioria dos bancos vende COEs porque, além de serem utilizados para captação de recursos, o resultado da instituição vem na cabeça, ou seja, o ganho do banco é no início da operação. No que a pessoa faz o investimento, o banco já ganha, independente de a operação dar certo ou não para o cliente no futuro.
Geralmente, quando uma pessoa contrata um COE, ela sabe no que está investindo?
Na grande maioria das vezes, não, mas isso não é apenas com o COE e sim com tudo. Por exemplo, todo COE tem um documento chamado Documento de Informações Essenciais (DIE), que é o raio X da operação que diz tudo o que está dentro dela. Todas as regras do COE estão nesse documento, assim como as regras de um fundo estão no seu regulamento. O problema é que, por mais que todas as regras estejam ali, as pessoas não leem o documento. Cabe destacar que o DIE também especifica a remuneração do banco e do assessor.
O que aconteceu nos COEs da Ambipar e da Braskem?
No caso da Ambipar e da Braskem, bancos como XP e BTG foram lá fora, compraram as dívidas dessas empresas, fizeram toda uma engenharia para trazer o valor de dólar para real, colocaram uma coisa chamada de diferencial de juros dentro do COE e venderam para investidores pessoas físicas.
O problema é que na Ambipar surgiram indícios de divergências no seu balanço. Assim, quem tinha dívida da empresa, perdeu dinheiro. Cabe destacar que, além das pessoas que perderam dinheiro através dos COEs, teve muita gente que perdeu dinheiro no Brasil por causa dos fundos de crédito que tinham Ambipar na carteira. Diga-se de passagem, o rating da Ambipar era AA+, ou seja, seus títulos eram investíveis.
Com relação à Braskem, houve uma oscilação do preço do bond lá fora, mas ele continua tendo preço. O problema é que alguns COEs da Braskem tinham DIEs que diziam que se o título caísse para menos de 50% do seu valor, a posição seria automaticamente zerada. É como se houvesse uma barreira de queda.
Um ponto importante é que existem COEs da Braskem que não foram zerados, pois seus DIEs não possuem essa barreira. Se esses investidores levarem suas posições até o vencimento, eles não vão perder dinheiro, mas no caso dos investidores que foram obrigados a zerar suas posições, se a Braskem não quebrar, eles vão ter perdido dinheiro onde não precisavam ter perdido. Por exemplo, a Braskem tem CRAs e debêntures emitidas que continuam valendo, pois a empresa não quebrou. Dessa forma, o problema da Braskem foi a estruturação dos COEs.
Qual a sua avaliação sobre a exposição dos investidores a esse tipo de produto?
Existe pouca diligência em relação ao risco que os investidores estão correndo nas suas carteiras. A XP bloqueou os COEs, mas se você ligar em um banco dizendo que quer aplicar R$ 100 mil em um COE qualquer, você vai colocar 100% desse dinheiro no COE. Na Fatorial, nós fazemos essa diligência, tanto que só colocamos 2% do patrimônio de um cliente em COEs. Nós temos clientes que perderam 1% do patrimônio, mas isso não leva a sua ruína.
O problema é o tamanho da posição comprada. A ganância do assessor querendo vender mais, e a ganância do investidor querendo ganhar 16% quando estava ganhando 10%. Como ele quer ganhar mais de 50% em cima do CDI, ele acaba colocando até 100% do patrimônio, todo o dinheiro de uma vida, em um COE. Cabe destacar que o erro não é colocar 100% no COE, mas colocar em um único fundo, uma única ação ou um único imóvel. Quando a pessoa concentra, o risco de perder tudo aumenta.
Um COE pode ser vendido para qualquer perfil de investidor?
O suitability existe, mas ele é mal interpretado, pois ainda não entrou na veia das pessoas. Agora, eu posso garantir que nenhum COE foi vendido para um investidor que não tivesse o suitability aprovado para esse produto. No caso das pessoas que perderam tudo, o erro está nas instituições financeiras que poderiam ter sido mais restritivas nos seus processos de suitability, mas não há qualquer incentivo para que elas criem controles melhores, pois elas já ganharam o seu dinheiro.
Em termos de reputação, as instituições financeiras perdem em imagem e confiança, mas elas não vão perder processos. As instituições financeiras só vão perder dinheiro com COEs se vier alguma coisa de cima para baixo, com a CVM e a Anbima multando alguma situação, mas eu não acho que isso vai acontecer. O que pode acontecer são regras mais duras, mas o que está sendo feito hoje está seguindo as regras que existem.
Um ponto importante é que o brasileiro está mal acostumado com a renda fixa, pois o CDI só existe no Brasil. O americano está superacostumado a perder dinheiro na renda fixa, mas o brasileiro entende que na renda fixa não se pode perder dinheiro nunca, quando isso não é verdade. Por exemplo, existem perdas em dívidas de empresas.
Se um investidor tem um CDB de até R$ 250 mil em um banco que está balançando, ele está ganhando de 20% a 25% a mais e ainda está coberto pelo FGC caso a instituição quebre. Nesse caso, a maioria das pessoas físicas não vai perder dinheiro, mas se uma fundação tiver recursos nesse banco, ela vai perder o dinheiro. O problema é que o COE não tem FGC.
Quando se junta a ganância, o desconhecimento, o alinhamento de venda e um monte de mídia negativa, nós temos o que está acontecendo agora. No final, quem paga o pato é o varejo, o investidor pessoa física. Para que você tenha uma ideia, existem COEs rodando com a mesma estrutura de Ambipar e Braskem, mas com títulos do governo brasileiro, sendo que os títulos foram comprados nos Estados Unidos e trazidos para o Brasil. Como o risco desses COEs é o Brasil não pagar, isso mostra que o problema não é o instrumento, mas o que está dentro dele.
Há algum tempo, um cliente me ligou cobrando por eu não ter lhe vendido um produto que estava pagando 19% prefixado que um amigo dele havia comprado. Era um COE. Eu lhe disse que não lhe vendi, pois esse COE não era para ele. Recentemente, ele me ligou perguntando se a sua carteira tinha algum produto que estava dando problema. Eu lhe disse que não, mas que era estranho ele estar me ligando, pois ele queria ter comprado um COE. Ele lembrou da nossa conversa e me agradeceu. Com essa mídia negativa, eu não tenho interesse em vender COE, pois se o cliente ganhar, tapinha nas costas, mas se ele perder, vou ser execrado.
Considerando a nossa conversa, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
O investidor não tem que se preocupar com o COE, e sim com o emissor da dívida. O que o COE está fazendo é acender o alerta sobre o crédito privado.
















