Conversamos com Clairton Kubassewski Gama sobre o Projeto de Lei 1087/25 (PL), que trata da reforma do Imposto de Renda (IR). Gama é advogado, mestre em direito, especialista em direito tributário e autor do livro Imposto de Renda – Modelo Atual e Perspectivas para a Reforma Tributária, lançado pela editora Almedina Brasil.
Para que o PL em questão passe a valer a partir de 2026, ele precisa ser aprovado pelo Congresso ainda em 2025.
Como vai funcionar a redução do Imposto de Renda Pessoa Física?
O principal ponto desse projeto é a concretização da promessa de campanha do presidente Lula de ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil. A ideia do projeto é que quem tem uma renda mensal de até R$ 5 mil passe a ser isento de IR.
A outra mudança está na outra ponta da tabela, vamos dizer assim, que é a criação de um sistema diferente de tributação para as rendas mais altas, o que tem sido chamado de Imposto de Renda Mínimo.
Pessoas físicas que ganham acima de R$ 7 mil vão ter redução de Imposto de Renda?
O PL cria uma faixa de isenção para quem ganha até R$ 5 mil e outra que vai dos R$ 5 mil até os R$ 7 mil, sendo que os contribuintes que ficarem nessa segunda faixa também vão ter uma alíquota diferenciada. Dos R$ 7 mil até os R$ 50 mil, não muda nada. Continua valendo a tabela progressiva que temos hoje com as mesmas faixas de 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%.
Em suma: as mudanças vão acontecer para quem ganha menos de R$ 5 mil, para quem ganha de R$ 5 mil até R$ 7 mil, e para quem ganha a partir de R$ 50 mil, com a criação do Imposto de Renda Mínimo. Para quem ganha entre R$ 7 mil e R$ 50 mil, continua a tabela progressiva atual.
Apenas confirmando: a atual tabela do Imposto de Renda vai continuar existindo?
A tabela vai continuar existindo da mesma forma e com os mesmos percentuais de alíquota dentro das respectivas faixas. O que muda é a faixa inicial, já que a faixa de isenção aumenta para R$ 5 mil. Para quem ganha de R$ 5 mil até R$ 7 mil, vai haver um sistema de redução escalonado com faixas de R$ 5 mil até R$ 5,5 mil, de R$ 5,5 mil até R$ 6 mil, de R$ 6 mil até R$ 6,5 mil, e de R$ 6,5 mil até R$ 7 mil. Conforme a faixa vai aumentando, diminui a redução que o contribuinte tem direito.
Qual a diferença entre redução e dedução?
A dedução diz respeito à base de cálculo do IR. Por exemplo, um contribuinte deduz da sua renda global despesas dedutivas como gastos com educação, saúde e outras. Com isso, se define a base de cálculo para determinar a faixa de contribuição e a alíquota de incidência. Quando o PL fala em redução, ele fala em uma etapa posterior. O contribuinte vai apurar o seu IR a partir da incidência de uma das alíquotas da tabela progressiva, e se renda for até R$ 7 mil por mês, ele tem direito, depois da aplicação da alíquota, a uma redução. Se a renda do contribuinte for superior a R$ 7 mil, ele não tem direito a nenhuma redução.
O piso inicial vai passar para R$ 5 mil, a tabela vai continuar, e quem ganha acima de R$ 7 mil não vai ter redução. Isso não está muito confuso?
Isso está muito confuso e precisa ser debatido. O próprio presidente da Câmara, Hugo Motta, já disse que descarta a possibilidade de atribuir regime de urgência para tramitação do PL e que ele vai passar por todas as comissões que tiver que passar, para só depois ir ao plenário. Independente disso, perdeu-se uma oportunidade de se fazer uma reforma para simplificar a tributação e torná-la mais transparente e racional.
Como vai funcionar a tributação de altas rendas?
O IR tem as alíquotas de referência, mas por conta das deduções e das rendas que não são sujeitas à tributação, nós acabamos tendo uma alíquota efetiva diferente da alíquota nominal. Por exemplo, não é porque um contribuinte tem uma alíquota nominal de 27,5% que ele vai contribuir com um IR de 27,5%, pois a sua alíquota efetiva, via de regra, será menor.
O PL determina que contribuintes que ganham acima de R$ 600 mil tenham uma alíquota efetiva mínima de até 10%, e não acima de 10% como se falava em dez/2024. Isso será feito através da imposição de uma alíquota adicional. Por exemplo, se o contribuinte teve uma renda acima de R$ 1,2 milhão e a sua alíquota efetiva ficou em 8%, ele vai sofrer uma alíquota adicional de 2% de forma a que contribua com, pelo menos, 10%.
Como vai funcionar a composição de rendimentos das pessoas de alta renda?
O PL trabalha a ideia de uma renda global, e não mais os rendimentos que são tributados, tradicionalmente, pelo IR. Para quem tem uma renda acima de R$ 600 mil por ano, o PL traz para dentro do cálculo do IR todo e qualquer tipo de rendimento que esse contribuinte possa receber, entre eles os dividendos, que são isentos desde 1995. Essa tributação foi a grande novidade da composição da base de cálculo para quem ganha acima de R$ 600 mil.
O PL menciona alguns itens como excluídos da tributação do IR, mas se pararmos para pensar, vamos ver que eles não são bem assim excluídos. Por exemplo, heranças não são tributadas pelo IR, pois elas não se caracterizam como uma renda do contribuinte. Inclusive, heranças já são tributadas pelo ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação). O PL também diz que vendas de bens também não são tributadas, mas essas operações já são tributadas pelo IR sobre ganhos de capital. Essas exclusões não são bem exclusões, ou porque elas não estão na hipótese de incidência do IR ou porque já são tributadas de outra forma.
Eu sempre entendi que, em 1995, o governo da época optou por carregar a tributação das empresas de forma a deixar os dividendos sem tributação. Agora, o governo atual está caminhando para um modelo que desfaz o que foi feito em 1995, mantendo uma tributação pesada sobre as empresas e passando a tributar os dividendos. Isso não é incoerente?
Juridicamente, o IRPJ (Imposto de Renda Pessoa Jurídica) e o IRRF (Imposto de Renda Pessoa Física) são impostos diferentes, já que as hipóteses de incidência acontecem em momentos diferentes com contribuintes diferentes. Contudo, se pensarmos em termos econômicos, essa tributação incidirá sobre a mesma renda, pois essa renda é produzida pela empresa para que depois seja distribuída aos sócios. Dessa forma, nós temos uma bitributação, não em termos jurídicos, mas em termos econômicos, já que o governo está tributando a mesma renda duas vezes.
Por conta disso, foram criados dois modelos de tributação de renda. Um modelo clássico, concentrado, onde se tributa um dos sujeitos, e um modelo integrado onde se tributa os dois ao mesmo tempo. Em 1995, o Brasil fez uma opção legislativa pelo modelo clássico, com a tributação concentrada nas pessoas jurídicas com percentuais altos, o que faz dessa carga bem expressiva. Dessa forma, quando essa renda é distribuída para os sócios sobre a forma de dividendos, ela não é tributada, pois já foi tributada antes de forma concentrada.
A alternativa seria a adoção do modelo integrado, onde os dois lados seriam tributados, mas, nesse caso, não adianta manter a carga pesada na pessoa jurídica e só agregar a tributação na pessoa física, já que assim se está sobretaxando a renda. Isso poderia ser feito através de uma forma simples, com a redução do IRPJ e a criação do IR para a pessoa física, ou através de um mecanismo mais complexo, onde o IR pago pela empresa geraria um crédito para a pessoa física, que teria uma alíquota alta, mas que poderia deduzir a parte que já foi paga pela empresa.
O que está sendo feito pelo PL é manter a carga pesada do modelo concentrado na pessoa jurídica e simplesmente adicionar um IR sobre os dividendos da pessoa física, criando um novo imposto sobre uma renda que, economicamente, já foi tributada com uma carga bem pesada na pessoa jurídica.
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Isso não pode ser questionado judicialmente como uma bitributação?
Pode sim. Por mais que não se possa falar em uma tributação de forma jurídica, em termos econômicos há como construir um argumento bastante sólido de que é a mesma renda que está sendo transferida. Além disso, no Brasil existe a particularidade de que as receitas das empresas sofrem a incidência de outros tributos, como PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social). Ou seja, quando a empresa aufere a receita, ela é tributada por essas contribuições, e quando parte dessa receita vira lucro, ela sofre a tributação de IR, e quando parte desse lucro for distribuído para os sócios, ele vai sofrer, novamente, a incidência de IR. Nós poderíamos falar de uma múltipla tributação, em termos econômicos, da mesma renda.
Existem outros pontos que podem acabar sendo discutidos, mas o principal fator que pode ensejar muitas discussões, inclusive no Congresso, é a questão dos dividendos.
Qual a sua avaliação sobre o PL?
O PL traz algumas mudanças importantes, que já deveriam ter sido feitas. Na nossa última conversa, eu mencionei que se atualizássemos o valor de isenção do IR pelo IPCA desde 1995, quando aconteceu a última atualização da tabela, nós teríamos um valor em torno de R$ 5 mil, ou seja, essa ampliação da faixa de isenção corrige uma distorção causada pelo tempo.
Em termos de justiça tributária e melhor redistribuição da carga, o PL avança bem, mas perdeu-se uma oportunidade de se fazer uma reforma mais estrutural da tributação da renda. Existem muitas questões que precisam ser rediscutidas, como a própria opção pelo modelo, ou seja, se o Brasil vai continuar com um modelo concentrado ou se vai partir para um modelo integrado, que, ao meu ver, se mostra mais competitivo no mercado internacional. Isso porque nós teríamos a possibilidade de reduzir um pouco a tributação da pessoa jurídica para tornar as empresas mais competitivas no mercado externo, já que a carga tributária brasileira da renda na pessoa jurídica é mais alta que a média mundial.
Nessa linha, poderia ter sido analisada a questão da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), se seria mesmo necessário mantê-la ou se ela poderia ser integrada ao IR. Isso pensando em termos de simplicidade e de redução de tributos, da mesma forma como estamos vendo na reforma tributária do consumo, onde o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) vai substituir cinco tributos, o que vai gerar menos obrigações acessórias e um sistema mais simples de ser cumprido.
De forma geral, o PL vai bem em alguns pontos, mas deixou de ir bem em outros. Ele poderia ter avançado em questões onde não avançou, preferindo tratar de forma mais simples o que poderia ter sido analisado com um pouco mais de profundidade.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar algum ponto à sua entrevista?
É importante acompanhar o que o Congresso vai fazer, pois além do presidente da Câmara ter dito que o PL passaria pelas comissões de Constituição e Justiça e de Assuntos Econômicos, ele também disse que o PL não seria aprovado da forma como foi apresentado. Nós temos que acompanhar, principalmente, o que vai ser feito com a tabela progressiva, se ela vai ser mantida, se vai ser atualizada, e como ela vai funcionar, e também a questão dos dividendos.
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