O presidente Jair Bolsonaro não tem projeto de governo. O máximo que consegue é defender e estimular o armamento da população, a violência, a intransigência, as informações falsas. Seus principais apoiadores e integrantes da equipe governamental, entretanto, têm um projeto claro para o país: maximizar os lucros do capital – por conseguinte retirar os direitos dos trabalhadores e da população em geral – privatizar tudo que é estatal, abrir as portas para as multinacionais, entregar nossas riquezas naturais, submeter-se ao imperialismo estadunidense.
Identificar essa diferença é fundamental para não cairmos na encenação do mágico, que com uma das mãos distrai o público, enquanto com a outra faz o truque. O projeto do capital está em andamento desde o dia 1º de janeiro, quando o governo recém-empossado retirou R$ 8 do reajuste do salário mínimo.
De lá pra cá foram sucessivas medidas e ações políticas contrárias aos interesses populares e nacionais, entre outras: extinção do Ministério do Trabalho, medida provisória que ataca o movimento sindical (MP 873/19), aumento da violência no campo (MP 870/19), liberalização de 57 agrotóxicos altamente danosos, esvaziamento da Funai, do Incra, da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e de outros instrumentos de proteção dos pequenos agricultores e das populações indígenas, quilombolas e tradicionais, doação da Base de Alcântara para os EUA, apoio a tentativa de golpe na Venezuela etc.
Não podemos cair na encenação do mágico,
que distrai o público enquanto faz o truque
Dentre tantos absurdos praticados pelo governo, destacam-se dois: a proposta de reforma da Previdência e a recém-anunciada, pelo ministro da Economia, desvinculação das despesas obrigatórias e orçamentária, ainda não encaminhada ao congresso.
A proposta de reforma da Previdência significa, na prática, o fim da Seguridade Social, principal avanço da Constituição de 1988. Constituição esta que nos legou duas grandes conquistas: a retomada da democracia burguesa, cada vez mais burguesa e menos democrática; e a Seguridade Social, a responsabilidade do Estado e da sociedade para com o povo brasileiro, em especial os mais carentes.
Essa proposta de reforma pretende acabar com as contribuições do Estado e do empresariado para a Previdência, deixando apenas a cargo dos trabalhadores seu financiamento. O Estado, que sobrevive graças à imensa carga de impostos paga pela população, deixaria de dar sua contrapartida.
Da mesma maneira, os patrões, que lucram bilhões e bilhões com a labuta dos trabalhadores, também deixariam de contribuir para essa mesma população que os sustenta, tanto através da mais-valia, quanto do consumo e das exonerações e outros “incentivos” concedidos pelo Estado.
Além disso, a PEC 6/19, que institui a malfadada reforma, pretende deixar a cargo dos bancos os recursos oriundos das contribuições dos trabalhadores, sem dar garantia de sua rentabilidade, ou seja, assegura centenas de bilhões de reais de lucros para o sistema financeiro, sem qualquer garantia de contrapartida para os trabalhadores.
A coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, deixou claro em sua análise desse contexto: “Na verdade, o grande privilegiado no Brasil é o mercado financeiro, que ganhou mais de meio trilhão com a ‘crise’ produzida pela política monetária do Banco Central e ganhará mais ainda com essa PEC 6/2019. Os bancos ganharam R$ 526 bilhões com a remuneração de sua sobra de caixa pelo Banco Central nos últimos cinco anos! Ganharam outras centenas de bilhões com os juros exorbitantes também definidos pelo Banco Central, e com os sigilosos contratos de swap cambial. Aí é que está o privilégio obscuro, sigiloso, que beneficiou os bancos enquanto quebrava a economia brasileira e criava a crise que está servindo de justificativa para a destruição da Previdência Social e para a entrega brutal de patrimônio por meio das privatizações de empresas estratégicas e lucrativas, como a Eletrobras, Petrobras etc.”
Segundo matéria publicada no Monitor Mercantil dia 11 de março, “A privatização da previdência fracassou na maioria dos países que adotou o sistema de capitalização, comprova o estudo” da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“De acordo com a OIT, de 1981 a 2014, 30 países privatizaram total ou parcialmente seus sistemas de previdência social, sendo 14 da América Latina. Após a crise financeira global de 2008, 18 países reverteram total ou parcialmente a privatização da previdência, entre eles Venezuela (2000), Equador (2002), Nicarágua (2005), Bulgária (2007), Argentina (2008), Eslováquia (2008), Bolívia (2009), Hungria (2010), Polônia (2011) e Rússia (2012). O estudo mostra que sistemas de capitalização aumentaram a desigualdade de gênero e de renda, os rendimentos e os valores das aposentadorias são baixos, e quem se beneficiou com as poupanças dos trabalhadores e trabalhadoras foi o sistema financeiro”.
Se não bastasse essa nefasta proposta de reforma da Previdência e o congelamento dos investimentos em saúde, educação etc. por 20 anos imposto pelo Governo Temer, o ministro da Economia, Paulo Guedes, do Banco Pactual, anunciou que pretende enviar ao Congresso proposta para acabar com as “despesas” obrigatórias e as vinculações orçamentárias, ou seja, a garantia de recursos voltados para a população em segurança, saúde, educação, assistência social. A prioridade é remunerar o capital, somente o capital.
A televisão, os jornais e o governo mentem. A reforma da Previdência é nefasta para o país, representa o fim das aposentadorias, das pensões e dos poucos benefícios pagos aos necessitados. É ruim para os trabalhadores, aposentados, pensionistas e todos aqueles que têm direitos.
O presidente em exercício, antes mesmo de sua posse, afirmou publicamente que “devemos sempre, sempre, respeitá-la e, principalmente, cumpri-la”, referindo-se à Constituição. Suas PECs e iniciativas, entretanto, desrespeitam a nossa Carta Magna, em claro confronto com a vontade expressa do povo brasileiro.
Daí lembrarmos o discurso do deputado Ulysses Guimarães, presidente da Assembleia Nacional Constituinte, quando de sua promulgação, em 5 de outubro de 1988: “Quanto a ela (Constituição), discordar, sim; divergir, sim; desrespeitar, jamais; afrontá-la, nunca… Traidor da Constituição é traidor da pátria… Temos ódio e nojo da ditadura”, enfatizou.
Afonso Costa
Jornalista.