O que aprender com a educação japonesa em tempos de crise do ensino brasileiro?

A educação japonesa em contraste com o cenário educacional brasileiro: desafios e oportunidades para reformas no ensino superior. Por Rodrigo Bouyer.

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educação japonesa

Recentemente, fui ao Japão. Lá, visitei instituições de ensino e o Ministério da Educação japonês (MEXT). Tive algumas impressões, as quais compartilho neste documento. Lembre-se de que o Japão é o quarto maior país do mundo, enquanto nós somos o nono. Submetendo-nos a diversas perspectivas distintas, notamos que fazemos uma comparação com um lugar cujos territórios, culturas e economias são distintos dos nossos. Mas creio que o contraste só reforça que o Brasil precisa de reformas urgentes na educação.

O MEXT identificou que haverá queda da população estudantil até 2050. Isso pode significar um colapso de todo o setor. Contudo, apresentou-se uma solução: a internacionalização das instituições de ensino superior (IES). Nos últimos quatro anos, aumentaram em 4 milhões o número de matrículas de discentes estrangeiros no país em cursos de graduação e pós-graduação.

Se cotejarmos a situação com a que se apresenta em terras brasileiras, a discrepância é imensa, mas a necessidade de que haja algo parecido por aqui também é uma realidade. É importante frisar: distinguimo-nos pela baixa taxa de escolarização líquida e bruta. Isso quer dizer que o aumento do acesso da população ao ensino superior compensaria, por anos, o envelhecimento desse público.

Conforme os últimos dados do Censo do Ensino Superior, no Brasil o número de ingressantes aumentou nesse segmento. O acréscimo ainda não é suficiente para seguir as metas do PNE (Plano Nacional de Educação), porque há elevados índices de evasão nesses espaços, mesmo nas universidades públicas.

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Grosso modo, a maneira pela qual captamos pessoas para as instituições de ensino por aqui é diferente daquela observada no estrangeiro. Há uma disputa acirrada entre as instituições por uma parcela de candidatos interessada em estudar, que se intercambia nesse mercado. Isso revela que a internacionalização ainda aparece como uma iniciativa cujo potencial deve ser bem mais explorado. Não o fazer é ruim para nós.

No Japão, embora haja pessoas do mundo inteiro por lá, a situação econômica na qual o país está atrai grandes volumes de habitantes dos arredores asiáticos que são influenciados pelo arquipélago nipônico. Este é o fenômeno que garante a expansão do seu ensino superior. O restante do mundo é residual.

Mas como podemos mirar em nações como o Japão sem deixar de agir à nossa maneira?

Deve-se ter mais consolidado no imaginário coletivo que somos a nona maior potência econômica do mundo. Muitos vizinhos sul-americanos e países africanos estão distantes de nós. Nenhum país lusófono ou hispânico está à nossa frente. Muitos nem sequer se aproximam disso no ranking mundial.

Este dado é relevante. Por meio dele podemos constatar que a nossa economia possui quesitos convidativos para pessoas de todos esses locais. O desafio é comunicar os benefícios de estudar conosco. O agronegócio brasileiro é o quarto maior do mundo. Nossos cursos de medicina e de odontologia estão entre os mais avançados do planeta e possuem a vantagem competitiva de possuir campos de prática abundantes. A arquitetura e o design brasileiros são também mundialmente respeitados. Exemplos não faltam que motivem um estudante estrangeiro, de um país menos desenvolvido ou menos rico que o Brasil, a querer vir estudar aqui.

Contudo, o que temos observado nesta parte do globo é que a guerra de preços, a falta de regulação que sufoca principalmente as pequenas e médias instituições de qualidade, o empobrecimento da população e a falta de subsídios públicos têm feito o nosso segmento do ensino superior buscar apenas por meios de sobrevivência cada vez menos ortodoxos.

Conforme este cenário se descortina diante de nós, investir em inovação, enriquecer currículos, valorizar os docentes e estimular os estudantes a ir para além do mínimo tem-se transformado em ações cada vez mais raras no Brasil. Os efeitos negativos deste contexto na economia brasileira deverão ser sentidos por muitas décadas.

A concorrência exagerada e provocada por uma permissividade excessiva (até negligente) quanto à supervisão e regulação federais, a guerra de preços persistente, a retirada de grande parte dos subsídios públicos de acesso aos estudantes de baixa renda e as dificuldades financeiras da maior parte da população brasileira constantemente pressionam a gestão universitária a flertar com estratégias voltadas para sustentabilidades que não privilegiam a qualidade da formação acadêmica. Em médio e longo prazos, os efeitos dessas ações serão sentidos. Isso afetará a credibilidade do setor privado.

São inúmeros os aprendizados hauridos em território japonês. Devemos nos espelhar em muitas políticas encetadas por eles. Mas a lição mais preponderante a se extrair desse intercâmbio de ideias e conhecimentos é que o ensino superior existe também para subsidiar um projeto de nação. O que muito se vê por lá e que pouco há por aqui é um papel claro que o país espera que este setor desempenhe para garantir esta soberania de forma mais igualitária. Um consórcio entre as instituições educacionais e o governo, que pode provisionar meios para que o estudante se mantenha numa trajetória que lhe dê instrução e instrumentos para melhorar de vida, é essencial para o desenvolvimento do Brasil.

Rodrigo Bouyer, avaliador do Inep e sócio da Somos Young.

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