Conversamos com Públio Madruga, sócio-diretor da Distrito Relações Governamentais, sobre o que se pode esperar da próxima composição do Congresso Nacional.
Considerando o resultado da eleição para o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados teve 44% de taxa de renovação. No Senado, que teve 27 mandatos em disputa, nós temos 22 novos senadores e apenas 5 reeleitos. Na sua avaliação, essa renovação se refletirá numa mudança de postura do Congresso Nacional e das suas pautas?
Depende da referência que você tem para essa mudança. O Congresso teve a eleição de vários candidatos com viés de apoio ao presidente Bolsonaro, que mostrou muita força fazendo campanha para eles. A bancada do PL é muito grande.
Ocorre que nós já tínhamos no Congresso, principalmente na Câmara com a liderança do Arthur Lira, uma base de sustentação das pautas do governo. A tendência é que isso continue e que seja muito facilitado caso o Bolsonaro seja reeleito.
Apesar da renovação, o que importa na verdade são os partidos e as suas bancadas. Efetivamente, os nomes não têm uma importância tão grande. Na Câmara dos Deputados, nós teremos um modelo muito parecido com o que já vinha sendo praticado: um presidente forte no comando da casa. A administração dessas pautas dependerá de quem vai ser esse presidente.
Com relação ao Senado, ele ficou mais bolsonarista, com a bancada do PL fazendo uma grande diferença. Por mais que o Senado não fosse de oposição, ele segurava muito mais as pautas do que a Câmara. A nova composição pode gerar mais facilidade para que as pautas bolsonaristas passem.
Tudo depende dos presidentes das casas, que vão ditar as pautas e em que sentido as políticas públicas vão andar.
Independente de quem ganhe o segundo turno da eleição para presidente, como deverá ser a relação com o Congresso num cenário de reeleição do presidente Bolsonaro e de eleição do ex-presidente Lula?
Se o Bolsonaro for reeleito, a relação tende a ser muito boa. Olhando para a Câmara, a base composta pelos partidos que fizeram parte da sua aliança somou 187 deputados (PL, PP e Republicanos), sendo que apenas o PL teve 99 deputados, o que é impressionante (PP e Republicanos tiveram 47 e 41 deputados, respectivamente). A oposição saiu muito enfraquecida, com 122 deputados.
O mais importante é que tanto na Câmara quanto no Senado, existe a possibilidade de que Bolsonaro consiga agregar uma base suficiente para conseguir passar uma PEC, sendo 308 votos na Câmara e 49 no Senado (PL, 15; PP, 6, e Republicanos, 3, somaram 24 senadores). Isso transforma a situação como um todo porque, em tese, Bolsonaro poderia passar qualquer coisa, sem ter quase nenhuma barreira a ser transposta.
Além disso, atualmente está havendo uma discussão sobre a união do PP e do União Brasil, que tende a ser um partido de base. Por exemplo, o Arthur Lira e o Ciro Nogueira são do PP. Isso acrescentaria os 59 deputados e os 10 senadores do União Brasil à base. Também podemos pensar no PSD, que é um partido mais pragmático, com seus 42 deputados e 11 senadores. Se o Podemos, que não tem um viés oposicionista, for trazido, teremos mais 12 deputados e 6 senadores. Isso sem contar com nenhum deputado ou senador do MDB ou do PSDB. É muita gente.
A margem que o Bolsonaro teria para manobrar e passar as suas pautas é muito grande. Se ele for reeleito, imagino que haverá uma boa relação com o Congresso também por conta de uma oposição enfraquecida, não só em números, mas no discurso caso o Lula seja derrotado.
No caso de uma vitória do Lula, ele terá uma base bem menor. Contudo, tirando o PL, que é um partido de situação por estar recebendo o Bolsonaro, os demais partidos podem desembarcar no governo por “n” situações, como pautas e cargos. O parlamento é um ambiente de negociação, e o Lula é um cara muito hábil para isso. Ele teria muitas condições de trazer esses partidos para o seu lado, mas teria muitas dificuldades para eleger o presidente da Câmara e, talvez, encontre dificuldades para eleger o presidente do Senado, o que o tornaria refém do Congresso. Além disso, ele tem falado que vai brigar contra o orçamento secreto.
Na minha visão, uma reeleição do Bolsonaro manteria o status quo, com um Congresso mais pró-governo, adiantando as reformas já a partir do início de novembro. No caso de uma eleição do Lula, no primeiro ano nós teríamos as articulações e o redenho da base de apoio, principalmente na questão das eleições dos presidentes da Câmara e do Senado, o que vai acontecer logo no início de fevereiro. Depois disso, ele vai tentar colocar as suas pautas, mas isso vai demorar mais, demandar mais esforço e vai ser muito mais difícil.
Você acredita que teremos mudanças no comando das duas casas na próxima eleição para as suas presidências?
Depende de quem vai ser o próximo presidente do Brasil. Se for o Bolsonaro, a Câmara continua com o Arthur Lira, mas há uma grande tendência de que o Senado não fique com o Rodrigo Pacheco, que não foi exatamente uma pessoa que apoiou as pautas bolsonaristas.
Não sei se a palavra ideal é essa, mas o Pacheco tem um problema, já que a partir de 2023 a base governista, que será maioria no Senado, tem um certo incômodo com ele por conta da sua relação com o STF, que teve algumas atitudes meio que endossadas por ele. Na opinião do Senado que vem, e não na opinião do Senado de hoje, ele deveria ter sido mais combativo com relação aos assuntos do Supremo. Também temos a questão do PL, que terá a maior bancada com 15 senadores, e que, provavelmente, vai querer indicar o novo presidente.
Se for o Lula, o PT vai tentar fazer o novo presidente da Câmara. O partido tem histórico de tentar impor o seu candidato, sendo que já enfrentou derrotas históricas como no caso de Severino Cavalcanti (presidente da Câmara de fevereiro a setembro de 2005, que havia derrotado o deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh na eleição para presidência da casa). Ele pode tentar, mas acho difícil que consiga. A questão é se o PL, que tem a maior bancada, vai lançar alguém para tentar fazer frente a Arthur Lira num eventual governo petista. Eu não acho que isso aconteça num segundo governo Bolsonaro, mas é possível que aconteça num governo Lula, já que não haveria uma relação entre Lula e Arthur Lira que impedisse o PL de fazer isso.
No Senado, a tendência seria de permanência do Pacheco. Em alguns pontos, o PT se favoreceu com a sua atuação, tanto na questão de não enfrentamento do Supremo, quanto na questão de algumas pautas bolsonaristas que ficaram paradas no Senado. Ele pode não ser o cara ideal, mas talvez seja isento o suficiente, o que poderia lhe gerar apoio. Mas, novamente, nós entraríamos, provavelmente, em outra guerra, com o PT tentando manter o Pacheco, e o PL, com a maior bancada, lançando alguém à presidência.
Se o PL ganhar as duas casas, ou pelo menos uma, o Lula terá bastante trabalho, pelo menos nos dois primeiros anos.
Quando se fala de Centrão, se parte da premissa de que existem partidos à esquerda e à direita. Na sua avaliação, ainda existem partidos ideologicamente bem posicionados no Brasil a ponto de criticarem outros partidos de serem do Centrão, ou o Congresso Nacional virou um grande Centrão, apenas dividido em situação e oposição?
Existem alguns poucos, como PSOL e PCdoB na esquerda, e o Novo na direita. A questão é que esses partidos têm uma ideologia que é interessante do ponto de vista da defesa de uma pauta específica e clara, mas que não conseguem passar isso para o eleitor. Veja o que aconteceu com o Novo, que passou de 8 para 3 deputados. Muito disso porque se recusou, em alguns momentos, em apoiar algumas pautas em que ele não acreditava, apesar de estar vinculado a sua ideologia de direita. Quando essas pautas foram recusadas, o público entendeu que ele estava traindo a sua ideologia, principalmente em questões defendidas pelo Bolsonaro. A interpretação foi de que como o Bolsonaro é de direita, então o Novo tinha que ir junto. Ocorre que não necessariamente todas as pautas bolsonaristas foram de direita, como as pautas sociais e as pautas de incentivo.
O PSOL é a mesma coisa, só que na esquerda. Ele tem uma posição muito combativa. O partido surgiu depois que o Lula foi eleito presidente e fez alianças com o Centrão e com a direita, que eles haviam combatido a vida inteira. Com isso, algumas pessoas saíram do PT e fundaram um partido que seria a volta ao PT raiz, nesse caso o PSOL. Hoje, o partido é mais para dar suporte e apoio. Inclusive, eu acho que o Novo é mais de direita que o PSOL é de esquerda.
Se o Lula for presidente e tiver uma pauta mais central, é possível que o PSOL apoie em alguns momentos e faça oposição em outros, mais para fincar posição do que de fato se opor a pauta governista.
Ocorre que, num universo de 513 deputados, o PSOL ficou com 12 e o Novo com 3, o que faz do Congresso um grande centro, com partidos mais alinhados com certas pautas do que outras, mas que no fim das contas se rendem. Até porque é a ciência do Congresso, não havendo por que ser diferente.
Se nós tivéssemos um Congresso que não tivesse negociação alguma, e que as pautas fossem totalmente engessadas, nós não íamos votar nada. Ou teria que se passar o rodo em situações em que você tivesse uma base imensa.
Mesmo num eventual segundo governo do Bolsonaro, em que ele teria uma grande base, se nós considerarmos que cada partido tem a sua ideologia, a base volta a ficar pequena. Nesse caso, ele teria menos que a maioria. Bolsonaro consegue juntar a maioria? Consegue, mas o Lula também consegue. Talvez não a maioria absoluta nas duas casas, a não ser para pautas muito específicas. Contudo, independente do presidente que venha ter mais ou menos facilidade, negociação é essencial, e ela precisa acontecer.
O Congresso é um grande Centrão. Ele não é composto, necessariamente, apenas por partidos de esquerda e de direita, mas, talvez, partidos um pouco alinhados à direita ou um pouco alinhados à esquerda.
Leia também:
Bancada do PSOL e Rede tem maior aumento proporcional na Câmara