A condição de capital do Brasil por um bom período, com olhos e ouvidos para o mundo, e pensamento cosmopolita são elementos centrais para explicar a rica e desigual unidade da federação. Com suas belezas naturais, torna-se símbolo da brasilidade no exterior, com sua classe média altamente escolarizada, sua intelectualidade, o samba e a bossa nova. Na série exibida nos canais de streaming Vale o Escrito, o Rio é revelado pela sua outra face, o da inexistência de oportunidades produtivas remuneradoras para a maioria de sua população e a presença do jogo do bicho influindo na política, na polícia e nas manifestações culturais de caráter popular.
O Estado do Rio de Janeiro é ainda centro de serviços, mas já foi líder nas finanças e perdeu sua Bolsa de Valores, embora conte com o BNDES. Viu surgir em seu território indústrias de base como herança do período nacionalista de Getúlio Vargas, mas continua forte como centro de lazer e entretenimento e polo lançador de modismos culturais para o país.
Registre-se que o operariado industrial, aquele formador do chamado trabalho produtivo gerador de valor no capitalismo, nunca foi representativo no Estado do Rio, e a indústria moderna nunca teve peso decisivo na segunda economia do país.
A crise de identidade do Rio marca a decadência de sua competitividade industrial, sua crise social crescente, a perda de autoestima pelo definhamento carioca e seu perfil produtivo muito vinculado ao consumo de massas e aos ciclos do gasto público federal, este hoje travado pela austeridade fiscal centrada no rentismo e na desindustrialização.
No plano sociopolítico e cultural, a trajetória recente da economia fluminense vem transformando parte da sociedade em cliente do governo. Basta ver o contingente de transferências sociais para membros do CAD-Único (o andar de baixo) e o tamanho das renúncias fiscais no rol do orçamento estadual para o segmento industrial e de serviços (o andar superior na escala de poder e dinheiro).
O Rio da contestação foi recentemente retratado no filme Gal, uma homenagem ao quarteto Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Betânia e Gal Costa, que trouxe para o carioca a urbanidade baiana, coberta de criatividade e crítica à Ditadura Militar.
O Rio de todos os Brasis rascunhado por Carlos Lessa sempre será capaz de superar suas mazelas e desenvolver suas verdadeiras vocações a favor da maioria do povo fluminense.
Boas festas para os leitores do Monitor Mercantil.
Ranulfo Vidigal é economista.