O significado do Carnaval

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Todos os anos, em uma metrópole mundialmente conhecida por sua pujança cultural, realiza-se uma magnífica festa popular que movimenta a economia e gera oportunidades de trabalho, sobretudo no comércio e no setor de serviços. Nos vários dias de folguedo, dezenas de milhares de turistas domésticos e estrangeiros unem-se aos locais vestindo fantasias coloridas para celebrar com desfiles, música, dança e – por que não? – milhões de litros de cerveja, a bebida “oficial” do evento.

As referências do parágrafo acima poderiam facilmente ser associadas ao Carnaval do Rio de Janeiro, a maior festa de rua do mundo, porém a descrição aqui posta trata da Oktoberfest, realizada anualmente em Munique, na Alemanha, entre meados de setembro e o começo de outubro. Há, sim, similitudes entre as duas expressões culturais, mas há também diferenças importantes sobre as quais vale refletir.

 

Festividade em Munique não estorva

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as atividades normais dos alemães

 

Tal como o evento alemão, o Carnaval é um aliado econômico que deve não somente ser prestigiado, como igualmente incentivado. Em números, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), as atividades turísticas no período de Momo movimentaram R$ 8 bilhões em 2020, no Brasil.

No entanto, os ganhos podem ser depauperados pelo fato de que a folia por aqui tem início virtualmente no primeiro dia do ano, imediatamente em seguida ao Réveillon, o que torna realista o velho rifão: “No Brasil, o ano só começa depois do Carnaval”, ou seja, com um atraso de quase 90 dias no calendário, já que o período é marcado por problemas na mobilidade urbana e no funcionamento das cidades. Diferentemente, na Okberfest, a festividade não estorva as atividades normais dos alemães, nem tampouco dos muniquenses.

Lá, a ordem pública impera nos dias de folia, e não se concebe a preparação, que no Rio é inescapável, envolvendo a colocação de tapumes protetivos em fachadas de shoppings centers, blindex de bancos e lojas comerciais e de cercas em jardins na orla das praias, a propósito de precaução contra as renitentes cenas de vandalismo e depredação.

Lá, há banheiros públicos em quantidade e disposição adequadas à dimensão do evento. Além disso, o sistema de transporte público e de controle do tráfego funcionam. Aqui, a quantidade e a qualidade dos banheiros são precárias, e as reconhecidas deficiências dos modais de passageiros, assim como as recorrentes interdições de vias para a passagem e concentração de blocos, resultam em engarrafamentos que são provações para cariocas e turistas, sem falar no risco de situações graves, quando é preciso o deslocamento rápido, por exemplo, para buscar ajuda médica.

Lá, os direitos de quem quer e de quem não quer participar do Carnaval são respeitados. Aqui, os transtornos colaterais à festa, principalmente no Rio de Janeiro, resultam em inúmeras violações a garantias da cidadania.

Não se trata de empanar a beleza do Carnaval brasileiro, nem de reputá-lo inferior, em qualquer aspecto, a qualquer outro evento similar no planeta, mas sim de reconhecer que na sua realização nos falta a preocupação com a coletividade em seu sentido mais amplo.

É nossa obrigação, na qualidade de autoridades, cidadãos e particularmente de foliões, evitar a todo custo que essa festa formidável, tão representativa da alegria do povo brasileiro – e, em especial, dos cariocas – deixe de ostentar o originário brilho. Não vamos permitir, em última análise, que esse patrimônio cultural brasileiro também se corrompa, perdendo seu significado e sua beleza.

Reis Friede

Desembargador federal e presidente do TRF-2.

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