O sistema de ensino e a diversidade cultural

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Se a reforma educacional que está em curso traz uma verdadeira inovação, é a de reconhecer a diversidade cultural brasileira como fator relevante no processo de aprendizagem – o que significa, para começar, respeitar a história e as características adquiridas pelos estudantes como membros de um grupo social específico. Só isso já seria um avanço e tanto num sistema que sempre procurou homogeneizar e anular diferenças. Mas a proposta vai além, e inclui usar essas mesmas diferenças no ato de ensinar, valorizá-las e ressuscitá-las (se for o caso), num processo de resgate da nossa biodiversidade cultural – tão importante para a afirmação da identidade de um povo quanto a conservação da biodiversidade na natureza o é para sua sobrevivência física.
A preocupação não se restringe ao Brasil. Talvez graças ao fenômeno globalização e temendo a massificação cultural, muitos povos têm procurado reafirmar sua identidade e tradições. Em 1988, a UNESCO estabeleceu a Década Mundial de Desenvolvimento Cultural, alertando que ele está intimamente ligado ao desenvolvimento econômico. Ou seja, cultura e modelos de desenvolvimento se interrelacionam, e estes sempre fracassam se não levam em conta o bem-estar da população e dos diferentes segmentos que a compõem. E bem-estar, nós sabemos, é conceito que se relaciona estreitamente com os valores e costumes dos indivíduos.
Essa idéia permeia a nova Lei de Diretrizes e Bases do Ensino (1996). Hoje, as escolas precisam considerar as origens de seus alunos ao elaborarem seu projeto pedagógico. Claro que isso não funcionará da noite para o dia. Afinal, a uniformização sempre norteou o processo ensino-aprendizagem, o que é de se lamentar num país com as dimensões e a pluralidade de culturas do nosso. Sob o pretexto de um padrão global de qualidade, definido em gabinete a partir de critérios discutíveis, os alunos são levados a deixar fora de sala de aula sua história pessoal, crenças e hábitos das comunidades a que pertencem. As escolas e, por tabela, a sociedade como um todo, só saem perdendo ao desprezar o chamado “saber popular”. Mas, de que maneira nossas múltiplas realidades entrarão no cotidiano escolar e porque é fundamental que isso aconteça?
As novas diretrizes curriculares para o ensino fundamental estabelecem uma base nacional comum, dividida entre áreas de conhecimento (matemática, português, geografia, etc.). Ela reúne, enfim, tudo o que os estudantes de Norte a Sul, sem exceção, devem aprender. Mas se estabeleceu também uma parte diversificada, voltada para a formação plena do cidadão, a ser montada por cada escola através da observação das necessidades e características das comunidades atendidas. Essa parte diversificada deve, preferencialmente, ser aliada à base comum. Como? Utilizando a bagagem cultural que os alunos trazem consigo, o seu conhecimento prévio, e a partir dele construir o aprendizado.
Com isso, espera-se solucionar uma falha gritante da educação no Brasil, que é sua distância da vida real. A ordem de respeitar a diversidade cultural visa, ainda, enfraquecer os muitos preconceitos que se alimentam da falsa idéia da homogeneidade como um ideal: e são eles não só de raça, mas de credo religioso, sócio-econômicos e por aí afora. Afinal, não se compreende que num país onde mais de 40 por cento da população se constitui de descendentes de africanos, e onde há enorme contingente de descendentes de imigrantes europeus e asiáticos de múltiplas procedências, se imponha uma cultura padrão. No mínimo, isso pode ser classificado como desrespeito ao direito básico do ser humano à sua própria identidade.
Mas que não se incorra no erro de criar guetos. Não queremos escolas destinadas somente a determinados grupos, pois isso seria estimular, de outra forma, a exclusão. Se, por exemplo, um estabelecimento funciona numa comunidade predominantemente negra, isso não significa desprezar a cultura de alunos de outra raça. Se ele agrega mais alunos católicos, não significa que se vá desconsiderar as crenças dos que vêm de famílias que praticam outras religiões. Cada aluno deve ser encarado, na verdade, como bom pretexto para explorar novos conhecimentos, que enriquecerão o saber dos colegas.
Qual será, então, na prática, a tarefa de cada escola e cada professor? Pesquisar a origem de suas crianças e descobrir até onde isso influi em seu desempenho e suas atitudes. Ter em mente que valorizar diferenças não é o mesmo que apontá-las, pois isso resultaria em constrangimento para alunos vindos de grupos em franca desvantagem na pirâmide social. Envolver-se com as comunidades e pesquisar as diversas maneiras que cada um tem de ver o mundo, de se relacionar e de lidar com os mesmos problemas. E explorar, principalmente, a infinita riqueza cultural daqueles grupos que, apesar dos pesares, ainda são capazes de contribuir para a construção de nossa sociedade e para a correção das desigualdades e injustiças sociais das quais eles próprios foram vítimas.

Magno de Aguiar Maranhão
Presidente da Associação Nacional dos Centros Universitários – ANACEU, Reitor do Centro Universitário Augusto Motta (RJ), Diretor Geral da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro – AESRJ.

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