Nos textos anteriores do nosso Grupo de Pesquisa Esportes, Ídolos e Identidades (GEII), examinamos, como, até o bicampeão do São Paulo (1992–1993), o campeonato Mundial Interclubes, ainda, estava distante do zênite das prioridades dos clubes e da paixão das torcidas brasileiras. A própria nomeação da competição na imprensa oscilava, ora Campeonato Mundial Interclubes, ora Campeonato Mundial, mesmo quando o título foi vencido, novamente, em 1981, por um time brasileiro, o Flamengo. Mas e como a imprensa estrangeira, ou, ao menos, alguns jornais de língua inglesa e espanhola trataram a competição e a conquista da equipe brasileira em cima do Liverpool, da Inglaterra, por 3×0?
Usando os mecanismos de buscas do Google, nossos pesquisadores encontraram registros em sete periódicos: Evening Times¹e Glasgow Herald Sports (Escócia), El Mundo Desportivo (Espanha), La Nacion (Argentina), The Sydney Morning Herald (Austrália), The Phoenix e The St. Petersburg Times (Estados Unidos). A pesquisa foi auxiliada, ainda, pelas citações a jornais em páginas da Wikipédia que tratavam da conquista rubro-negra. A partir de tais menções, conseguimos localizar alguns periódicos apontados como fontes daquelas páginas.
Antecipamos não termos encontrado pela metodologia adotada material robusto na imprensa estrangeira nem muito menos registros em veículos de referência, sejam jornais esportivos sejam veículos generalistas – aqueles que tratam de outros temas, além de esportes – à exceção de La Nacion e El Mundo Desportivo. A própria escassez de material empírico sobre a competição na imprensa internacional e/ou, ao menos, a dificuldade para acessar tais registros via os mecanismos de busca mais conhecidos já dá pistas das assimetrias de como a imprensa e os torcedores europeus e brasileiros tratavam a competição.
A maioria das matérias, em vários casos breves notas, concentraram-se em 14 de dezembro, dia seguinte à vitória da equipe brasileira, mas existem tópicos anteriores. Em 11 de dezembro, por exemplo, El Mundo Desportivo registrava em breve nota de rodapé de uma das páginas de esporte: “El Liverpool ya esta em Tokyo” (“O Liverpool já está em Tóquio”). Em dez linhas em apenas uma coluna, a matéria resume-se a anunciar a chegada do “campeão europeu de 1981” ao Japão, anunciando que ele enfrentará, no domingo, ao Flamengo, pela Copa Intercontinental, no estádio olímpico, com capacidade para 70 mil espectadores.
No dia seguinte, véspera da final, o Evening Times, também, é econômico ao tratar do jogo, mas o faz a partir de uma declaração de Zico: “One goal is enough” (“Um gol é suficiente”). Apresentado “como superestrela brasileira”, o jogador apostava na vitória do seu time: “Eu não sei quantos gols vou marcar, mas acredito que vamos ganhar.”
Já o Glasgow Herald Sport, na edição do mesmo dia 12 de dezembro, aposta no jovem meio-campo australiano Craig Johnston, de 21 anos, recém-contratado ao Middlesbrough: “Liverpool may give Jonhson key role” (“O Liverpool pode dar um papel-chave a Johnston”)².
Dois depois do breve registro sobre a chegada do clube inglês ao Japão, El Mundo Desportivo, em 13 de dezembro, concede espaço bem mais generoso à final: quatro colunas, incluindo box com a relação dos até então 19 times campeões daquele torneio. E elege seu favorito ao título: “Ante 62.000 espectadores en Tokio – FLAMENGO FAVORITO ANTE EL LIVERPOOL PARA GANAR LA CÓPA INTERCONTINENTAL.” A matéria cita previsão do então presidente do Flamengo, identificado como Antonio Dunshete³: “Se tudo for bem, ganhamos por 5×0”, acrescentando: “No pior dos casos, podemos ganhar por 2×0.” A foto a ilustrar a matéria, no entanto, era do time inglês, acompanhada da pergunta: “Reconquistará o Liverpool o título para Europa?”
Os jornais de língua inglesa, em geral, foram bem mais econômicos na cobertura, antes e depois da final: “Flamengo captures soccer crown” (“Flamengo captura a coroa do futebol”), anunciou o Petersburg Times, na edição de 13 de dezembro. Em apenas dez linhas, o periódico estadunidense limita-se a informar os nomes dos autores dos gols da vitória brasileira – Nunes e Adílio (2) – os minutos em que foram marcados e lembra ser o Flamengo o primeiro time brasileiro campeão do torneio desde os títulos do Santos, em 1962 e 1963.
Na mesma data, o Sydney Morning Herald mostrou-se mais empolgado com a vitória dos brasileiros: “Brazillians trashs Liverpool” (“Brasileiros arrasam Liverpool”).” O jornal australiano abre a matéria informando: o “campeão sul-americano” manteve o placar de 3×0 construído no primeiro tempo até o fim do jogo. O diário destaca, ainda, a participação de Zico nos três gols rubro-negros e lembra que o Liverpool, também, tentou atacar a meta adversária, mas seus chutes foram para fora ou defendidos pelo goleiro Raul.
No dia seguinte, The Phoenix confinou a notícia a cinco linhas numa sessão de notas curtas sobre esportes variados encabeçada pelo título National/International: “Flamengo of Brazil, the South American soccer club champion, beat Liverpool of England, the European champion, 3-0 Saturday for the world club championship” (“O Flamengo do Brasil, campeão sul-americano de clubes de futebol, venceu o Liverpool da Inglaterra, campeão europeu, por 3 a 0 no sábado pelo campeonato mundial de clubes”).
No dia seguinte à final, foram encontradas mais três matérias. O escocês Glasgow Herald Sport estampou na primeira página do seu caderno de esportes: “Liverpool outplayed by ball-juggling brazillians” (“Liverpool é derrotado por brasileiros que fazem malabarismos com a bola”). A notícia é ilustrada por uma disputa de bola entre o lateral Leandro – na matéria identificado como Jose Leandro – e o escocês Kenny Dalglish. O mesmo jogador do Liverpool tem mais uma foto na matéria, secundada por legenda informando que ele só deu um chute ao gol.
Os jornais de língua espanhola concederam espaços mais amplos. O argentino La Nacion abriu cinco colunas para uma matéria, ainda, que invadida por anúncio de três colunas, na qual anunciava: “Flamengo campeón mundial de clubes” (“Flamengo campeão mundial de clubes”). No lead, o diário classifica como “tecnicamente perfeita a partida do onze brasileiro”. O último parágrafo da quarta coluna, bem como a coluna seguinte, são ocupados por despacho da agência UPI do Rio, em que descreve a festa no Rio de Janeiro pelo título rubro-negro, “desde os luxuosos setores das praias de Copacabana e Ipanema até as paupérrimas ladeiras das ‘favelas’ (bairros pobres)”. E fecha lembrando ser a primeira vez que uma equipe brasileira ganha “o campeonato de campeões, desde que o clube Santos do ‘rei’ do futebol Pelé o conquistou em 1962 e 1963”.
No mesmo dia, El Mundo Desportivo estampou em quatro colunas: “Lección brasiléña en la Copa Intercontinental – 3-0: El Flanengo arrasó al Liverpóol” (“Lição brasileira na Copa Intercontinental – 3-0: O Flamengo arrasou ao Liverpool”). Ilustrada por foto em que o lateral Leandro, mesmo cercado por três defensores, consegue desferir um chute na direção do gol inglês, a matéria foi a manchete de uma das páginas internas. O jornal considera, ainda, que Zico, embora não tenha marcado gols, “foi o melhor em campo”.
O material encontrado parece confirmar pistas anteriores de que, enquanto os europeus davam pouco espaço e valorização ao torneio, principalmente em contraponto aos principais campeonatos europeus, veículos de língua espanhola, dentro e fora da América do Sul, valorizavam mais a competição. Tal assimetria, no entanto, não impedia que, naquele momento, jornais da Europa mostrassem admiração pelo futebol e pelos jogadores brasileiros. Será necessário aprofundarmos a pesquisa para refinarmos melhor tal hipótese, que, pelo material já colhido, no entanto, não aparenta ser de todo arbitrária.
Sérgio Montero Souto é doutor em Comunicação pela UFF, professor de Comunicação da Uerj e coordenador do Grupo de Pesquisa Esportes, Ídolos e Identidades (GEII).
¹ Em 2019, o jornal foi rebatizado para Glasgow Herald Sports
² Johnston jogou entre 1977 e 1988 pelo time inglês, tendo ganhado cinco títulos da Liga Inglesa e uma Copa da Inglaterra, em 1986, quando marcou um gol na final.
³ Na verdade, trata-se de Antônio Dunshee de Abranches