O êxito da comunidade européia

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Com raras e honrosas exceções, é triste a (falta de) visão estratégica dos políticos brasileiros. Embora os estudos, com ênfase especial para a Escola Superior de Guerra (ESG) e alguns núcleos específicos (dentre os quais a UFRJ e o Gacint-USP – que, aliás, edita a excelente Política Externa) constituam-se em material de ótima qualidade, a realidade é que se debate muito pouco estratégia global no Brasil, mesmo nas comissões parlamentares próprias e no âmbito do Ministério das Relações Exteriores (cujo excesso de melindres quase sempre reduz as questões ao ângulo meramente diplomático), impedindo uma abordagem mais sistematizada e difundida.
Priva-se, assim, o país e suas lideranças de perspectivas mais amplas, limitando-se a discussão pública quase sempre às matérias internas, ao tempo em que se conduz as relações exteriores exclusivamente àquelas circunscritas aos organismos internacionais (FMI, Bird, BID, ONU, OMC e temas caudatários do Primeiro Mundo).
Os recentes debates dos candidatos a presidente tangenciaram muito superficialmente os aspectos externos. As respostas à revista Política Externa  (set/nov 2002) dos dois finalistas foram de molde a que o comentarista da entrevista afirmasse: “Temas de política externa não costumam estar no topo da agenda da campanha presidencial brasileira”.
Nesse contexto é que se nos afigura fundamental registrar quão espantoso é o êxito alcançado pela CEE. Exaustivo enumerar todos os passos, dados pelos diversos países, desde 1947/48 com o Plano Marshall até a formulação, em 1972/73, do primeiro alargamento da Comunidade Européia.
A unificação econômica regulando a criação da união aduaneira, a livre circulação de mercadoria, a livre circulação de trabalhadores, a liberdade de estabelecimento e de prestação de serviço, a livre circulação de capitais e pagamentos, as políticas comuns agrícola, de concorrência de transportes, econômica, monetária, energética, de investigação e tecnologia foram (e são) temas conduzidos em paralelo à comunidade pelo homem (política social, política regional, proteção de ambiente e defesa do consumidor) e à análise da inserção da comunidade no mundo.
Assim, já em 1987, Klaus-Dieter Borchardt sintetizava em A Unificação Européia o conjunto de políticas e objetivos demonstrando o que já convergia e o que se buscava.
Em final de 1988 e no primeiro trimestre de 1989, as estatísticas  caracterizavam a evolução e as comparações eram feitas entre os 12 estados membros (EUR 12), os Estados Unidos e (ainda) com a União Soviética e consolidava-se em trabalho iniciado em abril de 1988, os novos alvos e políticas a serem definidas até 2000.

Quadro I
A Comunidade Européia
Comparação entre a Comunidade européia (EUR 12), os Estados unidos e a União Soviética
1988 1986
EUR 12 USA URSS
Superfície
Milhões de km2 2,25 9,37 22,4
População
Milhões de habitantes 212,7 243,8 282,7
Produto Interno Bruto
Bilhões de SPC* 4719 5563 1658

* Standard de Poder de Compra
Fonte: Comissão da Comunidade Européia – Luxemburgo, 1989

Quadro II
O peso da União Européia no mundo
União Européia hoje: 15 membros                                  Índice de crescimento(2001): 1,5%
Renda por habitante (2000): 22.520 euros                      Desemprego (2001): 7,6%
População Superfície PIB
Em milhões de hab. Em milhões de km2 Em bilhões de euros
UE-15 UE-15 UE-15
378 3,1 8.524
UE-25 UE-25 UE-25
455 3,9 8.879
EUA EUA EUA
278 9,6 10.620
Japão Japão Japão
127 0,3 5.162

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Fonte: Steven Castle – The Independent – outubro de 2002.

Obs. 1: Notar que o período (1988-2000) marcou o maior crescimento dos EUA.
Obs. 2: Verificar o que pode representar para os EUA agregar PIB, mercado latino-americano e matérias-primas.

O surpreendente, conforme se pode visualizar nos quadros, é que os objetivos da CEE foram superados e, em que pese todas as dificuldades e diferenças,  defrontamo-nos hoje com uma realidade cuja influência em geral, e econômica em particular, tem peso ponderável no destino do mundo.
Não há dúvida que houve fatores geopolíticos favoráveis, muito embora, em contrapartida, não se possa minimizar a natureza das dificuldades (soberania, idioma, moeda, cultura e toda a gama de diversidade possível) entre 15 países absolutamente distintos. É certo também que problemas persistem cercando a expansão da UE e que os dez países em 2004 serão agregados aos outros 15 com adaptações complicadas.
No entanto, é fato incontestável que a “potência hegemônica” enfrenta pela primeira vez um bloco que, cultuando os mesmo valores – como democracia, visão liberal em alguns países, visão do estado de bem-estar em outros -, adquiriu uma capacidade de concorrência que, até certo ponto, independe de produtividade.
Parece-nos que ainda não houve por parte dos técnicos – em particular dos monetaristas – uma análise equilibrada dos evidentes efeitos de se ter uma outra moeda abrangente e forte no mundo.
Este é, além de um testemunho do que se pode planejar a longo prazo com visão de grandeza, um exemplo da importância de um Mercosul forte e, sobretudo, de avaliar criteriosamente quais instrumentos de troca podemos extrair daí para uma eventual (ou não) adesão à Alca.
A esta altura, cabe perguntar para quem a Alca é mais importante?

Osvaldo Luiz  Nobre Pinto
Engenheiro.

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