Apenas 1,7% das operações policiais realizadas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro entre 2007 e 2020 pode ser considerada eficiente em relação a suas motivações e consequências, enquanto 12,5% podem ser classificadas como desastrosas, de acordo com novo levantamento produzido pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF). Ao analisar 11.323 operações feitas pelas forças de segurança, os pesquisadores observaram os impactos para os envolvidos (número de mortos e feridos, e se houve presos ou não); a razão das ações (mandado de prisão e/ou busca e apreensão, repressão ao tráfico de drogas e armas, disputas entre grupos criminais, fuga ou perseguição, questões patrimoniais, retaliação por morte ou ataque a unidade policial); e se foram efetuadas apreensões (armas, drogas ou recuperação de bens, como cargas e veículos). A maioria (39,9%) foi avaliada como pouco eficiente; 32,4%, como ineficientes; e 13,4%, como razoavelmente eficientes. Assim, viu-se que quase 85% das operações foram pouco eficientes, ineficientes ou desastrosas.
O objetivo do estudo é servir de subsídio à elaboração de um plano de redução da letalidade policial no estado do Rio de Janeiro, previsto como resultado da audiência pública convocada pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo os autores, os dados indicam que boa parte das operações policiais ocorridas no período examinado não foram provenientes de procedimentos judiciais, mas sim da discricionariedade policial, e terminaram mais frequentemente com mortos e feridos do que com prisões e apreensões. Dessa forma, tem-se um sinal claro de uso abusivo da força por autoridades políticas e policiais, além do retrato de uma estrutura que associa despreparo, impunidade, corrupção e violência. O efeito disso é a manutenção de altas taxas de letalidade provocada por agentes de segurança.
Para os pesquisadores, o cálculo da eficiência das operações policiais é um aspecto decisivo que deveria ser contemplado no futuro plano de redução da letalidade policial. Em trabalho divulgado no mês passado, o Geni/UFF concluiu que a decisão do STF, em 2020, de restringir as incursões policiais no território fluminense a casos “absolutamente excepcionais” durante a pandemia levou a uma queda histórica no número de mortes por intervenção de agentes da segurança pública, ainda que o índice tenha permanecido num patamar elevado, sobretudo devido à violação da medida com o passar dos meses. Mas o fato de as incursões resultarem em mortes com frequência também pesa. Portanto, tornar as operações mais eficientes é de extrema importância para a preservação de vidas.
O Geni/UFF coletou, em veículos de imprensa, informações sobre operações policiais ocorridas entre 2007 e 2020 na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com atenção a órgãos e unidades que executaram as ações, razão das incursões e impactos delas. Foram estabelecidas três categorias de avaliação, com subdivisões: envolvidos (presos, feridos e mortos), apreensões (armas, drogas e recuperação de bens) e motivações (mandado de busca e apreensão, repressão ao tráfico, disputa de grupos criminais, fuga/perseguição, operações patrimoniais, retaliação por morte/ataque, outros e sem informação). Para cada critério, definiu-se uma pontuação, atribuída às situações analisadas. As operações policiais com melhor avaliação tiveram nenhum morto ou ferido, prisões e apreensões (sobretudo armas) como resultado, e motivações associadas a procedimentos judiciais e investigativos (como mandados de prisão ou busca e apreensão) ou ao atendimento de demandas urgentes dos moradores de favelas (como as causadas por disputas entre grupos criminais). Já as operações com menor pontuação foram aquelas com mais mortos e feridos, sem prisões e apreensões, ocasionadas por ações reativas como retaliações e perseguições improvisadas.
Na última sexta-feira, o presidente da Comissão de Igualdade Racial do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Humberto Adami, representou a entidade na audiência pública convocada pelo ministro Edson Fachin, do STF, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635.
“É preciso denunciar a violência cometida contra os moradores das favelas do Rio por policiais que agem fora da lei”, afirmou Humberto Adami, que acrescentou: “Polícia fora da lei não é polícia, é cangaço”.
A ADPF 635 foi ajuizada pelo PSB, em novembro de 2019, com o objetivo de questionar a política de segurança pública adotada no Rio, que, conforme argumentou o partido, “expõe os moradores de áreas conflagradas a profundas violações dos seus direitos fundamentais”. Em agosto do ano passado, o Plenário do STF referendou uma liminar do ministro Fachin. O relator determinou que durante a pandemia as operações policiais em comunidades do Rio ficassem restritas a casos excepcionais, e sob o acompanhamento do Ministério Público Estadual.
Humberto Adami contextualizou historicamente o racismo que, segundo ele, está presente nas arbitrariedades policiais cometidas contra as populações das comunidades. “A letalidade policial que atinge, preponderantemente, a população negra e parda das favelas, tem origem na violência da escravidão”, afirmou o advogado. Para ele, “é preciso acabar com essa banalização da violência contra pretos e pardos e, também, com a dormência da sociedade brasileira diante de algo tão grave”.